As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

domingo, 6 de abril de 2014

1994: o Genocídio em Ruanda

Quando nos referimos ao continente africano, ainda marcados pelo desconhecimento e pelo eurocentrismo, tendemos a vê-lo como como "uma coisa só" sem diferenças ou nuances, bem como, falamos do Egito, geralmente o conectamos com o Oriente Médio e esquecemos que se encontra no mesmo continente africano que Angola ou Congo.

O colonizador europeu construiu a ideia de uma "África", enquanto que se pensarmos o continente por suas próprias características, deveríamos pensá-lo em "Áfricas", respeitando suas diferenças étnicas, culturais e organizacionais, ao observarmos o mapa abaixo:

Fonte: Atlas Geopolítica - Editora Scipione


A África foi totalmente repartida entre as potências europeias que se envolveram em conflitos pelas posse dos melhores territórios. Na Ásia, foram estabelecidos os protetorados que se submetiam aos países europeus. Por vezes, culturas milenares passaram à "proteção" das potências europeias.

A Inglaterra construiu um império colonial várias vezes maior que o seu território europeu. Os domínios do reino da Rainha Vitória incluíam os territórios atuais:  Egito, Nigéria, Sudão, Uganda, Quênia, Zâmbia, Zimbábue, Malawi, Botsuana e África do Sul.Na Ásia e na Oceania, os britânicos dominaram a Índia, a Austrália, a Nova Guiné e uma infinidade de pequenas ilhas. A Austrália, que inicialmente era uma colônia penal, transformou-se, pois a presença europeia tornou-se majoritária, isso gerou sérias dificuldades para os habitantes “naturais” do território devido aos choques e conseqüentes massacres da população aborígenes. Essa expansão inglesa proporcionou uma era de prosperidade e estabilidade política ao país. A chamada Era Vitoriana, o longo reinado da rainha Vitória entre 1837 e 1901, viu a Inglaterra conquistar para sempre o respeito dos demais europeus como exemplo de organização, desenvolvimento econômico liberal e modernização gradativa da democracia.

Tudo isso só foi possível mantendo-se um severo controle e exploração sobre as colônias. 

A França dominou (atuais) Mauritânia, Mali, Niger, Argélia, Congo, Chade e Gabão, formando a África Ocidental Francesa. Já na segunda metade do século XIX, o sudeste asiático foi reduzido à condição de colônia francesa, englobando Vietnã e Camboja. Na África, principalmente na Argélia, a conquista fez-se com o auxílio da legião estrangeira, corpo expedicionário criado pelo governo francês composto por criminosos, desertores, imigrados políticos e aventureiros.

França e Inglaterra disputavam o título de maior conquistador de colônias. O projeto colonial inglês, batizado de “Do Cairo ao Cabo”, pretendia unificar em uma única colônia os territórios compreendidos entre o Egito e a África do Sul. A construção do Canal de Suez impulsionou a Inglaterra no Oriente Médio, apesar da presença francesa na região.

Até mesmo a minúscula Bélgica conquistou o Congo Belga (atual Zaire), uma região várias vezes maior que seu território europeu. O marco inicial da "corrida colonial" foi a anexação de todo o território do rio Congo como patrimônio pessoal do rei da Bélgica Leopoldo II, processo acompanhado de intensa violência contra a população local.

A Itália e a Alemanha não conseguiram construir grandes impérios coloniais devido à sua unificação tardia, muito embora os italianos tenham conquistado a Líbia e a Somália e tenham tentado fixar-se na Abissínia (Etiópia), enquanto a Alemanha apossou-se dos Camarões e da Namíbia.


Em 1885, Otto von Bismarck, primeiro ministro da Alemanha recém-unificada, pretendendo melhorar a posição de seu país, reuniu representantes de todos os interessados na partilha da África em um importante evento que ficou conhecido como Conferência de Berlim. A reunião foi um fracasso para os alemães, pois eles não conseguiram ampliar seus territórios e, como agravante, os países presentes acirraram ainda mais suas posições, prenunciando uma série de guerras por territórios na África e na Ásia. Essa disputa por colônias e as rivalidades resultantes foram fatores que contribuíram para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

A "partilha" africana pós-Conferência de Berlim

Em 1918, com o fim da "Grande Guerra", o Império Alemão foi desmembrado na Europa e perdeu suas parcas colônias no continente africano, as quais foram redirecionadas para a Inglaterra, França e Bélgica. Observemos o mapa abaixo:


O imperialismo, segundo Eduardo Bonzatto, "dos fins do século XIX destruiu suas formas tradicionais de sobrevivência e nada colocou no lugar. Agora, instituições caridosas do mundo todo tentam ajudá-las a sobreviver. A ironia dessa questão está no fato de que a culpa de tanta tragédia parece ser uma exclusividade das vítimas e os brancos são seus salvadores caridosos. 

De modo geral, existe um programa eurocêntrico para a África.  Destruição de modos de vida tradicionais; empoderamento de certos grupos na  opressão de outros; com a independência, instalação das macrosolidariedades  do Estado-nação; naqueles que detinham alguma riqueza e que, por algum 
tempo, sentiram o sucesso do desenvolvimento (pelo menos na perspectiva de suas elites) e que rapidamente viram sucateada sua infraestrutura com a  derrocada da crise do petróleo de 1973; endividamento com o FMI e o Banco  Mundial; e destruição final com endividamento (no caso da Zâmbia, as fábricas  de roupas – base desenvolvimentista de países pobres – foram destruídas com 
a “doação” de roupas de segunda mão vindas dos Estados Unidos e Europa).

Na fase do empoderamento, restos violáceos do tempo em que os  belgas infernizavam os tutsis naquilo que um dia viria a ser Ruanda ainda  podem ser resgatados em nome de alguma sanidade, na recusa de um  discurso odioso que afirma, quase sempre, que depois que os europeus  deixaram a África a selvageria retornara com mais violência."


Nas palavras de Philip Gourevitch: "Nada define tão vividamente a partilha quanto o regime belga de trabalhos forçados, que requeria verdadeiros exércitos de hutu para labutar em massa nas  plantações, na construção de estradas e na silvicultura, sob as ordens de  capatazes tutsi. Décadas depois, um velho tutsi rememorou a ordem colonial  belga a um repórter com as palavras: ‘você açoita um hutu ou nós açoitamos  você’."

Fonte: Atlas Geopolítica - Editora Scipione

Em abril de 1994, após o assassinato do presidente Juvénal Habyarimana, em atentado ao avião em que viajava, o avanço da Frente Patriótica Ruandesa produziu uma série de massacres no país contra os tutsis, o que causou um deslocamento maciço da população para os campos de refugiados situados nas áreas de fronteira, em especial com o Zaire (hoje República Democrática do Congo). Em agosto de 1995, tropas do Zaire tentaram forçar o retorno desses refugiados para Ruanda. Quatorze mil pessoas foram então devolvidas a Ruanda, enquanto outras 150.000 refugiaram-se nas montanhas.
Mais de 800.000 pessoas foram massacradas. Quase todas as mulheres foram estupradas. Muitos dos 5.000 meninos nascidos dessas violações foram assassinados.


As atrocidades envolveram também os religiosos. Muitos clérigos de várias denominações se posicionaram a favor de sua etnia. Padres, freiras, pastores adventistas tomaram o seu partido em ambos os lados. Pelo menos 300 clérigos e freiras foram mortos por serem tutsis ou porque estavam ajudando os tutsis. Outros, da etnia hutuapoiaram ou até mesmo colaboraram com os matadores. Um dos casos que se tornaram muito conhecidos foi o que envolveu o Dr. Gerard Ntakirutimana, 45, médico missionário que trabalhava em um hospital da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Mungonero, e seu pai, Elizaphan Ntakirutimana, um pastor protestante. 



Os membros do Tribunal Penal Internacional para Ruanda condenaram por unanimidade o Dr. Ntakirutimana, por genocídio e por crimes contra a humanidade. Ele foi sentenciado a 25 anos de prisão, pela morte de duas pessoas e por atirar em refugiados tutsis em vários locais. Foi condenado também por participar de vários ataques contra tutsis na Colina de Murambi e na Colina de Muyira. Seu pai, o Pastor Elizaphan Ntakirutimana, 78, presidente da associação da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Mugonero, no oeste de Rwanda, foi condenado a 10 anos de prisão por crimes menores. 



O Pr. Elizaphan levou os atacantes para Igreja Adventista de Murambi, em Bisesero, onde era pastor presidente, e ordenou a remoção do telhado do edifício, a fim de localizar os tutsis que lá estavam abrigados. O ato conduziu à morte de muitos dos que estavam no local. Ele também levou os atacantes a vários locais, para caçar tutsis.

De acordo com a BBC, centenas de tutsis, dentre membros e pastores, que procuraram refúgio na igreja e no hospital adventista, enviaram uma carta ao Pr. Elizaphan Ntakirutimana pedindo socorro. A carta, segundo a BBC incluia a frase: "Nós desejamos informá-lo de que amanhã seremos mortos juntamente com nossas famílias".

A resposta do Pr. Elizaphan Ntakirutimana foi de que eles deviam se preparar para morrer. As milícias hutu, segundo testemunhas, chegaram pouco tempo depois com os Ntakirutimanas. Só alguns tutsis sobreviveram a agressão. Os Ntakirutimanas disseram no tribunal que eles tinham deixado a área antes das matanças. O Pr. Elizaphan Ntakirutimana fugiu para os Estados Unidos depois do massacre, mas foi extraditado para a Tanzânia.

Respectivamente da esquerda para direita, os Ntakirutimana, pai e filho.

Sugestões do Gabinete:

"Hotel Ruanda". Direção de Terry George, 2004, 121 min. 
Um gerente do Hotel Mille Collines, em Kigali, foi o responsável pela salvação de 1.268 tutsis e hutus, abrigando-os no hotel. Paul Rusesabagina, que também é adventista, ficou mundialmente conhecido ao ser retratado no filme Hotel Ruanda. Paul, hoje residente na Bélgica, afirma que, se não forem tomadas posturas duras contra o tribalismo em Ruanda, o genocídio poderá voltar a ocorrer, agora pelas mãos dos tutsis, "governantes" do país desde o fim da matança. Por sua atitude, dentro de uma situação adversa semelhante ao nazismo na II Guerra Mundial, Rusesabagina ficou conhecido como o "Oskar Schindler" de Ruanda.





"O último rei da Escócia". Direção de Kevin Macdonald, 2006, 125min. 
Nicholas Garrigan (James McAvoy) é um elegante médico escocês, que deixou recentemente a faculdade. Ele parte para Uganda em busca de aventura, romance e alegria, por poder ajudar um país que precisa muito de suas habilidades médicas. Logo após sua chegada Nicholas é levado ao local de um acidente bizarro, onde o líder recém-empossado ditador do país Idi Amin Dada (Forest Whitaker), atropelou uma vaca com seu Maserati. Nicholas consegue dominar a situação, o que impressiona o general Amin. Obcecado com a cultura e a história da Escócia, Amin se afeiçoa a Nicholas e lhe oferece a oportunidade de ser seu médico particular. Ele aceita a oferta, o que faz com que passe a frequentar o círculo interno de um dos mais terríveis ditadores da África e na generosidade desta oferta, a noção sobre a realidade e o perigo foram se tornando cada vez mais complexas.


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