segunda-feira, 21 de abril de 2014

Tiradentes: o herói da Inconfidência Mineira

A Inconfidência Mineira de 1789 foi essencialmente um movimento de elite, alimentado basicamente pelas ideias de um grupo de homens que, longe de se assemelharem ao conjunto da população brasileira da época, criticavam a impossibilidade de ascensão social e política aos habitantes da colônia. Os integrantes, em sua maioria latifundiários e relacionados com a maçonaria, inspiraram-se no movimento revolucionário que possibilitou a independência dos Estados Unidos, depois de uma ampla guerra contra a Grã-Bretanha (1776-1783).

De maneira geral, tinha a influência do Iluminismo, ou seja, contestação da tradicional política absolutista e proposta de uma sociedade baseada na igualdade de todos perante a lei, influenciados pelas ideias de Voltaire, Rousseau e Montesquieu, mas não ainda pela Revolução Francesa, a qual só explodiria em 14 de julho de 1789 e o movimento mineiro ocorrera nos idos de abril daquele ano.

Dentre os participantes, ganharam notoriedade os poetas Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, o Padre José Oliveira Rolim, os oficiais militares Francisco de Paula Leite e Domingos de Abreu e, por fim, o também alferes (patente equivalente a subtenente) e, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como “Tiradentes”, pelo fato de ter exercido a função de dentista prático .

O objetivo da revolta era transformar a colônia em uma república, mas que pouco se diferenciaria da estrutura implantada pelos portugueses. Propunha-se uma nova bandeira, uma Constituição liberal e a criação de uma Universidade, mas o caráter econômico voltado para o mercado externo seria mantido. Mesmo a questão do fim da escravidão deu margem a várias discussões, pois era difícil contrariar os interesses daqueles que possuíam e dependiam do trabalho escravo, portanto, nunca foi parte central dos planos para a "futura nação".

Para iniciar a insurreição, o plano era, de certa forma, simples: 
Eram tempos difíceis. O Ouro rareava nas lavras e leitos e a Colônia não conseguia cumprir a meta de enviar 100 arrobas de ouro anuais (1,5 tonelada), assim sendo, as dívidas iam se acumulando e a Coroa poderia se valer da força para executar tais dívidas e nisso, vivia-se sob à ameaça da Derrama (cobrança forçada dos impostos atrasados que, implicava até no confisco de bens pela Fazenda Real), os rebeldes esperariam que os membros militares tivessem poder sobre suas tropas, tomando, assim, as ruas e proclamando a independência, que seria prontamente apoiada pela população. Porém, três membros ativos do movimento, Joaquim Silvério dos Reis, Brito Malheiros e Correia Pamplona, delataram os companheiros ao governador da capitania, Visconde de Barbacena, com a garantia de que a participação deles na Inconfidência seria esquecida e suas dívidas, perdoadas.


A Derrama foi suspensa e os líderes do movimento conspirador foram sendo sistematicamente identificados e presos. A acusação era de "inconfidência", expressão que no sistema jurídico português significava "a quebra da confiança para com o Soberano" e assim, configurava "traição", um crime de lesa-majestade que era punido com a morte.  

Houve, então, um longo processo que foi repleto de situações duvidosas, como por exemplo, o suicídio de Cláudio Manuel da Costa, que fora encontrado enforcado em sua cela, mas que para alguns historiadores, ele teria sido assassinado ou então, nas teses mais fantasiosas, teve um suicídio forjado e um outro corpo fora colocado em seu lugar, enquanto o verdadeiro Cláudio teria fugido para a Europa.
A sentença foi de pena capital (execução) para todos, porém, a rainha D. Maria I comutara a pena para degredo (deportação) de quase todos os participantes para os domínios de África, exceto Tiradentes, que, sendo praticamente o único que havia assumido a participação no movimento, a execução foi mantida.

A Coroa necessitava do uso da pedagogia do medo: externar claramente o que acontecia contra aqueles que desafiavam o seu poder, pois a independência dos EUA abrira um precedente bastante marcante no mundo colonial das Américas.

Em 21 de abril de 1792, na cidade do Rio de Janeiro, Tiradentes foi enforcado e esquartejado. Sua casa em Vila Rica (hoje Ouro Preto) foi destruída e o chão, salgado para que nada ali crescesse; seus descendentes foram amaldiçoados e a cabeça do inconfidente ficou exposta no poste da infâmia, em frente ao Palácio do Governo, na praça principal de Vila Rica, enquanto as outras partes de seu corpo foram espalhadas pelas estradas que ligavam a cidade aos diferentes pontos da província de Minas. 

Posteriormente, o movimento republicano teve seu triunfo no golpe de Estado de 1889, responsável pela deposição do imperador D.Pedro II. Naquela altura, o novo regime carecia de "heróis" e assim, sua liderança restituiu o espaço de importância para o alferes martirizado pela Coroa de Portugal e desse modo, construiu em torno de Tiradentes a imagem do “herói da República”.



No entanto, em virtude da inexistência de imagens ou retratos em que seu rosto fosse identificado, o imaginário republicano foi se valendo mais da fantasia do que da realidade: pelos relatos escassos, sabe-se que Tiradentes era mulato e que era costume no processo de aplicação da pena capital, raspar cabelos e barba dos condenados, porém, a "nova ordem republicana" era ainda acompanhada de velhos preconceitos, então, optou-se pelo embranquecimento do herói: no quadro ao lado, pintado por José Walsht Rodrigues, em 1940 e hoje, parte do acervo do Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro, temos uma das poucas imagens que remetem à carreira militar do herói, mas sua produção é bastante posterior ao período da Inconfidência, bem como desprovida de fontes seguras.
Mais tarde, somou-se esforços para construir-lhe uma imagem solene de mártir,promovendo a reprodução de retratos onde a figura do inconfidente foi associada à figura de Jesus Cristo: a morte injusta de homem pobre que lutou por uma grande causa. Nesse processo, o quadro pintado em 1893 por Pedro Américo (o mesmo autor de "Independência ou morte" que se encontra no Museu Paulista da USP, no Ipiranga, na cidade de São Paulo) e que hoje se encontra no acervo do Museu Mariano Procópio em Juiz de Fora, Minas Gerais, tem um peso capital.

A disposição das partes do corpo de Tiradentes na tela de Pedro Américo tem uma intenção primordial: enaltecer a condição de mártir, cuja cabeça ocupa o campo central e que com as traves da forca, pode ser vista como se estivesse no centro de uma cruz, e justamente este símbolo é que aparece ao seu lado, provocando a ligação imediata entre os "salvadores" injustiçados (Cristo na cruz e Tiradentes na forca), que pode também ser vista pela corda pendente e frouxa, perto da cruz e não muito distante da cabeça.
Sublinha-se o quesito do "embranquecimento", no caso, Pedro Américo lhe confere um castanho arruivado, que se combina bem com a cor das traves da forca ou com o sangue do próprio morto, mas se fosse uma imagem de precisão histórica, deveria mostra-lhe de cabeça e barba raspadas.

Os símbolos religiosos, a condição de mártir e injustiçado ficaram até os dias atuais, bem como a ideia de que fora o único a ser executado pelo fato de ser pobre, mais uma vez a reiteração da justiça aplica somente aos pobres e miseráveis enquanto impune aos ricos e poderosos. No entanto, em pesquisas recentes, como a tese de André Figueiredo Rodrigues, defendida em 2010 no Depto de História da USP, encontramos uma listagem que apresenta os bens de todos os envolvidos no processo da Inconfidência e quando observamos as posses de Tiradentes, vemos que ele tinha casa na cidade, uma fazenda modesta, escravos e tinha dividendos com a extração de ouro e dessa forma, seja na sua época ou mesmo se cometermos o anacronismo de pensarmos o valor de seus bens no tempo atual, Tiradentes não se enquadraria/enquadra na condição de "pobreza".

Muito bem, neste ponto é que encontramos o momento de separar o mito da História, para que a compreensão de ambos seja possível, cada qual em seu espaço, mas sem que haja a chance de perdermos a História em favor do mito, como que este último, por mais poético e conhecido que seja, tenha o direito de se tornar uma "versão intocável e oficial" da História.

Sugestões do Gabinete:

"Os Inconfidentes". Direção de Joaquim Pedro de Andrade, 1972, 100 min.:
Produzido no auge do Regime Militar e lidando com um personagem bastante caro ao imaginário político brasileiro, Joaquim Pedro revisitou a "história oficial" naqueles momento em que o Brasil comemorava os 150 anos de Independência e tentava pensar a sua História, ainda que controlada e censurada pela ditadura.


"Tiradentes". Direção de Oswaldo Caldeira, 1999, 118min. :
Apesar do momento de sua produção, se comparado com a indicação anterior, o filme de Caldeira busca recontar o "mito", valendo-se dos clichês e repetições da visão mais tradicional da História, sem uma reflexão ou discussão real sobre o papel de Tiradentes em sua época.


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