sexta-feira, 4 de julho de 2014

Iraque: tensões e conflitos que se arrastam há um século

A Revolução Industrial, que se estendeu pela Europa entre os séculos XVIII e XIX,  provocou um descompasso na produção daquele continente, sobretudo no tocante à necessidade de se obter matérias-primas e novos mercados consumidores. A Inglaterra, primeira nação a realizar a Revolução Industrial, foi também a primeira a sentir esses efeitos, partindo, então, atrás de novos mercados para seus produtos.

A busca de matérias-primas estratégicas, como ferro, cobre, carvão, bem como de ouro, prata e demais pedras preciosas, fez que regiões como África e Ásia, até certo ponto ignoradas, apesar da expansão marítima dos séculos XV e XVI, se tornassem presas valiosas para as potências europeias. Havia outros fatores que empurravam os europeus para uma prática colonialista: a possibilidade de transferir colonos para as regiões conquistadas, dando uma solução para o problema de superpopulação na Europa, dentro de determinados contextos, mas este fato não excluiu a exploração da mão de obra local.

A Primeira Guerra Mundial foi um conflito em larga escala marcado pelo acirramento das tensões econômicas, políticas e sociais na Europa durante o final do século XIX e início do século XX, consagrando-se portanto, num choque de imperialismos. Tal fato estava diretamente relacionado com a "corrida colonial" provocada neste período pelas potências capitalistas com o objetivo de obter fontes de matérias-primas e mercados consumidores.

Tratado de Versalhes de 1919 foi elaborado como um acordo de paz mais radical visando enfraquecer os alemães (como um armistício alemão foi assinado num momento em que haviam muitas de suas tropas em território francês, criou-se o mito da invencibilidade alemã, ou seja, o alto oficialato alemão dizia-se vencedor do conflito).

Redefinir as fronteiras europeias e a conjuntura de seus envolvidos na "Grande Guerra" foi um dos principais objetivos da Conferência de Versalhes, a qual também serviu para dar origem à Liga das Nações, uma instituição internacional que deveria zelar pelo equilíbrio dos países. No entanto, não participavam dela a Alemanha e a Rússia Socialista. 

Versalhes foi a porta de entrada de uma sequência de outros tratados que tinha "objetos" mais específicos: 

  • 1919 foi assinado o Tratado de Saint-Germain, que fundava o Império Austríaco, criando a Áustria, a Hungria, a Tcheco-Eslováquia e a Iugoslávia, e também passava para o controle italiano as regiões de Trieste, sul do Tirol, Trentino e Ístria. 
  • 1920 foi assinado o Tratado de Sèvres (França), que extinguia o Império Turco, reduzindo seu território e assim passava suas possessões na Mesopotâmia (Iraque e Jordânia) e Palestina para o controle britânico e a Síria e o Líbano para o controle francês.


Quero me deter neste último tratado que, na verdade, não é "filho de Versalhes", mas sim de um outro acordo, assinado ainda durante o contexto da guerra, quando as tribos árabes se levantavam contra o Império Turco: os governos da França (representado por François Georges-Picot) e da Grã-Bretanha (representado por Mark Sykes) selaram um acordo secreto em 1916, posteriormente conhecido como acordo Sykes-Picot, o qual determinava a partilha da região entre franceses e britânicos e o estabelecimento de um controle político (“Mandato”) com duração de 30 anos. Dessa forma, o desejo de independência dos árabes e dos judeus foi submetido aos interesses das potências europeias, que julgavam importantíssimo ocupar o vácuo político deixado pelo Império Turco no Oriente Médio.

Em azul e vermelho escuro(domínio direto) e nas áreas listradas(zona de influência).
Observar a "Palestina" marcada como "zona internacional".

Dessa forma, as atuais fronteiras do Oriente Médio começaram a ser construídas durante e pós-guerra, obedecendo os interesses das potências europeias em detrimento das necessidades e interesses locais e neste caso, o Tratado de Sèvres de 1920 serviu para materializar as sigilosas discussões feitas num contexto onde não se sabia ainda quais os desdobramentos sobre a guerra.


Em 1920 a Conferência de San Remo levou à imposição de um mandato da Liga das Nações para a Inglaterra administrar o Iraque, onde indicaram a britânica Gertrude Bell (1920-26) como governadora daquela região. O Rei Faiçal I foi coroado pelos britânicos como chefe de Estado, embora tivesse um poder meramente simbólico perante o domínio inglês. Isto fez eclodir uma nova rebelião separatista. Para dominar o Iraque, as tropas britânicas realizaram uma verdadeira guerra colonial, utilizando-se de forças blindadas e bombardeios aéreos contra vilas e cidades iraquianas durante toda a década de 1920, que incluíram o uso de armas químicas como o gás mostarda lançado de aviões.
Em 1932 o Iraque teve sua independência formalizada, embora continuasse sob forte influência inglesa, já que o Reino Unido conseguiu manter membros do antigo governo colonial (1920-1932) durante o curto período de independência do Iraque governado pelo Rei Faiçal (1932-1933) e na sequência, em governos dos seus descendentes da dinastia hachemita.
Após a morte do rei Gazi, filho de Faiçal, em 1939, foi instituído um período de regência, pois o rei Faiçal II tinha apenas 4 anos. Na maior parte do período de regência, o tio do rei, Abdulillah (Abdel Ila), governou o Iraque.
Este era um governo pró-britânico até o início da II Guerra Mundial. Em Março de 1940, o Primeiro-Ministro e General Nuri as-Said foi substituído por Rashid Ali al-Gailani, um nacionalista radical, que adotou uma política de não-cooperação com os britânicos. A pressão britânica que se seguiu levou a uma revolta militar nacionalista em 30 de Abril de 1941, quando foi formado um novo governo, pró-Alemanha, encabeçado por Gailani. Os britânicos desembarcaram tropas em Basra e ocorreu uma rápida guerra entre os dois países em Maio, quando os ingleses restabeleceram o controle sobre o Iraque e Faiçal II foi reconduzido ao poder. 
Em 17 de Janeiro de 1943 o Iraque declarou Guerra à Alemanha. A Grã-Bretanha ocupou o Iraque até 1945 e dividiu a ocupação do vizinho Irã com as forças da URSS. Durante a guerra o Iraque foi um importante centro de suprimento para as forças dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha que operavam no Oriente Médio e de transbordo de armas para a URSS. Após a II Guerra Mundial, o Iraque se tornou área de influência dos EUA, assinando o Pacto de Bagdá em 1955 com EUA e Turquia.
O Iraque participou da guerra árabe-israelense de 1947-1949 (Ver: Guerra árabe-israelense de 1948), e apoiou os países árabes em guerra contra Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e na Guerra do Yom Kippur (1973).
Com a crise política dos anos 1950, o Iraque chegou a formar uma confederação com a Jordânia em 1958, que dissolveu-se com o fim da monarquia e o início da república no mesmo ano. O período 1959-1979 foi bastante conturbado na história iraquiana, com diversos golpes de Estado e participação em duas guerras.
Em 17 de julho de 1968, Ahmed Hassan al-Bakr deu um golpe de estado que derrubou a república e o presidente Abdul Rahman Arif, colocando os baathistas no poder. Onze anos depois, em 15 de julho de 1979, o sunita Saddam Hussein (até então vice de al-Bakr) assumiu a liderança do país, iniciando um governo que duraria até a Invasão Americana ao Iraque em 2003. Saddam lideraria o Iraque contra o Irã, na longa e sangrenta Guerra Irã-Iraque, apoiado pelos EUA. Entretanto, após invadir o Kuwait em 1990, o país foi duramente atacado pela coalizão de países liderada pelos EUA na Guerra do Golfo, em 1991.
O governo de Saddam foi marcado por avanços econômicos e desenvolvimento do país, sem paralelo com história anterior da nação. Contudo, após a guerra contra o Irã e contra as potências ocidentais pelo Kuwait, a economia do Iraque entrou em colapso. A corrupção no seio do regime e o encolhimento econômico foi seguido por anos de tensão sectária, entre sunitas, xiitas e curdos. Para reprimir uma rebelião deste último, perto do fim da guerra com o Irã, as forças de Hussein lançaram a chamada Operação Anfal, que resultou em mais de 180 000 mortes. Os xiitas também se rebelaram, em 1991, mas sua revolta foi igualmente sufocada, com um saldo de mais de 230 000 pessoas mortas. 
Durante a década de 1990, o país foi assolado com tensão sectária e pobreza extrema (especialmente entre a população xiita), decorrente da má gestão, da infra-estrutura precária e da corrupção do regime sunita de Saddam. Os Estados Unidos e seus aliados realizaram bombardeios esporádicos pelo país (como em 1996 e 1998). 
Duas zonas de exclusão aérea (as operações Northern Watch e Southern Watch) sobre o Iraque foram impostas pela OTAN, com o objetivo de limitar a capacidade do exército iraquiano de usar violência exagerada contra as minorias e tentar impedir repressões étnicas, ao mesmo tempo que tentava enfraquecer o regime baathista. Isso acabou por deteriorar ainda mais a infra-estrutura civil e militar do país.
As "Zonas de Exclusão Aérea": ao norte do paralelo 36 (Northern Watch) e ao sul do paralelo 33 (Southern Watch)

Após usar armas químicas e biológicas na guerra contra o Irã e na repressão dos xiitas e curdos, o regime de Saddam Hussein começou a sofrer pressão internacional para que ele abrisse mão de tais armamentos. Sanções econômicas foram então impostas pela comunidade internacional e pela ONU, devido a falta de colaboração das autoridades iraquianas. O resultado foi em uma acentuação da pobreza e deterioração da infra-estrutura interna. Contudo, apesar de tudo, o regime de Saddam permaneceu firme até 2003, quando uma coalizão ocidental dos Estados Unidos o derrubou do poder, ainda alegando a posse de "armas de destruição em massa" químicas e biológicas, tendo toda uma teia de relatório forjados pela CIA, que dessa forma, deu condições para a pressão encabeçada por George W. Bush dos EUA e Tony Blair pela Grã-Bretanha. Vale lembrar que, ambos, sustentaram a ação no Iraque até o fim, sempre dando como verdadeiras as "informações dos relatórios de inteligência".
Apesar da vitória sobre Saddam, a questão da falsidade das informações e sua manipulação, levaram ao desgaste tanto o governo de Blair, que renunciou ao terceiro mandato como primeiro-ministro em 2007 quanto Bush e os republicanos que foram derrotados em 2008 com a eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA. Ficou cada vez mais evidente que, apesar da retórica forjada nos relatórios faciosos, o interesse maior era o acesso às reservas iraquianas de petróleo.
Apesar da rápida vitória e deposição do regime de Saddam Hussein, a ocupação acabou sendo desastrosa. Grupos xiitas e sunitas armaram-se e começaram um movimento de resistência contra as forças da coalizão ocidental. Os rebeldes também começaram a combater não só os americanos mas uns aos outros, dando início a um sangrento conflito de caráter sectário e religioso. Diversas facções como o chamado "Exército Mahdi", uma milícia xiita, e a Al-Qaeda, primordialmente sunita, começaram, a partir de 2004, sangrentos embates por todo o país. Entre 2004 e 2007, o Iraque viveu uma guerra civil que acabou ceifando centenas de milhares de vidas. Nesse meio tempo, em 2006, Saddam Hussein foi levado a julgamento por crimes contra a humanidade e enforcado. 
Para sucede-lo no poder, foi instituído um governo (formado por autoridades estrangeiras) chamado Autoridade Provisória da Coalizão, chefiado pelo americano Paul Bremer. Contudo, tanto a execução de Saddam quanto a formação do governo provisório, não conseguiu trazer um fim na violência que assolava a nação. A dissolução do exército baathista e da antiga infra-estrutura governamental pelas potências ocidentais acabou levando o país ao caos, virando o Iraque numa zona de guerra sangrenta e brutal.
Estima-se que mais de 500 000 pessoas tenham morrido no conflito no Iraque entre 2003 e 2011.Nem mesmo a instalação de um parlamento democraticamente eleito em 2005 (o primeiro em décadas) conseguiu por um fim na violência sectária e religiosa que assolava o Iraque. Ibrahim al-Jaafari, nomeado primeiro-ministro, não conseguiu trazer o país a estabilidade esperada. Seu sucessor, Nouri al-Maliki, também falhou no propósito de trazer um fim a guerra. Em 2007, o presidente americano George W. Bush ordenou o envio de 20 000 novos soldados americanos, elevando o total de forças estrangeiras no Iraque para 176 000 combatentes (incluindo 148 000 estadunidenses). Após o envio destes reforços, aparentemente, a violência no país começou a cair. Com a situação de segurança melhorando e a economia do país começando a estabilizar, o Parlamento iraquiano pediu formalmente para que os Estados Unidos que retirassem suas tropas.  
No ano seguinte, forças dinamarquesas, australianas e de outros países começaram a retirar suas forças do Iraque. Ainda em 2008, o Reino Unido, principal parceiro dos americanos na região, também deram início a sua retirada do território iraquiano. No mesmo ano, o governo Bush e o primeiro-ministro do Iraque firmaram um acordo para a retirada completa dos soldados dos Estados Unidos do país, encerrando as atividades da coalizão por lá. Generais americanos criticaram o plano, afirmando que sua saída de lá poderia reascender o conflito. Porém, a administração do presidente Barack Obama, que sucedeu Bush, estava determinada a encerrar a guerra do Iraque de uma vez por todas. Em 2009, o exército dos Estados Unidos começou a passar a responsabilidade de defesa do país para as forças de segurança iraquianas (armadas e financiadas pelos americanos). 

Fonte: Jornal "O Estado de São Paulo"





Fonte: Jornal "Folha de São Paulo"

Fonte: Jornal "O Estado de São Paulo"



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