sábado, 13 de setembro de 2014

Racismo: o exercício do preconceito espalhado em diferentes culturas e disfarces

O processo de colonização europeu implantado em diferentes partes do globo buscou se sustentar pelo controle da terra, de seus recursos e de suas populações e assim, transportou-se o modo de vida europeu, concedendo a estes a primazia e aos dominados, a subserviência.

A civilização europeia se apresentava como hegemônica sobre os povos conquistados, impondo seus valores em todas as esferas e também colaborando para a estruturação de mecanismos de controle e segregação, criando distâncias, fronteiras e fragmentações, as quais separavam os "europeus" dos "outros".

Na América ibérica, a ação catequizadora foi vital para a dominação, obrigando os povos indígenas sobreviventes a adotar os modos e costumes europeus, numa ação de aculturação intensa, que fez com que suas identidades culturais fossem de diluindo e fragmentando, a ponto de muitas culturas desaparecerem, já que não havia sido transmitida às gerações mais novas.

A aculturação foi acompanhada da exploração e de exclusão, pois os diferentes grupos indígenas foram sendo perseguidos, reprimidos e massacrados e quanto aos sobreviventes e mestiços, o que se esperava era a participação como mão-de-obra explorada, tendo só muito tardiamente, o reconhecimento da posse de algumas terras demarcadas pelo governo do Brasil no século XX.

Ao índio restou uma mera menção no calendário no dia 19 de abril e a infeliz citação para um programa/projeto de natureza duvidosa ou fracassada, usamos por exemplo, a expressão "programa de índio".

Enquanto o indígena foi expropriado e espoliado, ao mesmo tempo, milhões de negros foram escravizados por quase quatro séculos(séc.XV-XIX), majoritariamente na América portuguesa e em algumas regiões da América espanhola (litoral caribenho da América do sul e Antilhas).

Na América inglesa, a essência da Declaração de Independência assinada pelas treze colônias em 1776 era a defesa da liberdade que lhes foi negada como cidadãos ingleses, levando-os à luta armada. Àquela altura, era muito ambicioso o projeto de romper os laços com a terra ancestral e, dali em diante, construir um novo país, com leis escritas pelos homens livres da América. A partir do êxito dessa empreitada, essa terra não era mais inglesa, mas sim a primeira nação livre de todo o continente americano.


Mas, apesar dessa defesa incondicional de um direito que se dizia inalienável, nem a liberdade presente na Declaração de Independência nem a da Constituição se estendia aos indígenas, aos negros ou às mulheres, todos excluídos da prática política e sem direitos reconhecidos por lei. Isso só foi resolvido em 1862, no contexto da Guerra de Secessão (1861-1865), quando o republicano Abraham Lincoln aboliu a escravidão.

Em 1920, as mulheres passaram a votar, e só em 1961 os direitos civis foram igualados, extinguindo-se inclusive a segregação racial que vigorava nos estados do sul. No caso dos indígenas, os sobreviventes da colonização perderam suas terras e foram “deportados” para reservas no remoto oeste, entre desertos e montanhas, um percurso muito bem sintetizado na expressão “caminho das lágrimas”, afinal, nas palavras dos desbravadores do Oeste selvagem era comum ouvir a terrível expressão: "Índio bom era o índio morto!", mesmo que alguns não compartilhassem dessas e ideias e procurassem um convívio pacífico e amistoso com os nativos, o que predominava era a exclusão.



Os linchamentos de negros no sul dos EUA: "cidadãos de bem" aplicando a justiça (1930)


Oklahoma, 1911.

Ação da Ku Klux Klan

mais um linchamento

Enquanto isso, no Brasil de hoje:

Suspeitos de envolvimento num assalto no Rio de Janeiro, 1982: transportados para a delegacia como, possivelmente, seus ancestrais, no período colonial.


Rapaz envolvido em roubo, preso a um poste depois de ser surrado por populares em Ipanema, Rio de Janeiro, 2014.



Linchamento de uma mulher no Guarujá, SP. Acusação: envolvimento com rituais de magia negra e sacrifício de crianças. Nenhuma prova concreta, morreu no hospital em decorrência dos ferimentos recebidos dos vizinhos que "achavam estar fazendo justiça". Deixou marido e uma filha à espera de justiça pelos tribunais.


Apesar da derrota sulista em 1865, o ideal racista não desapareceu. Organizou-se a Ku Klux Klan (Derivado do grego kuklos, que significa círculo, e assim temos “o clã do círculo”, cujos integrantes usavam uma túnica com o desenho da cruz celta, uma cruz dentro de um círculo.), um movimento formado por ex-oficiais confederados e outros que não aceitavam a integração dos negros à sociedade estadunidense, que se valeu de todo tipo de crime (espancamento, estupro, assassinato, incêndios e sequestros) para instaurar um clima de terror entre negros, mestiços e simpatizantes da causa negra.

Nos uniformes é visível, na altura do peito, a "cruz dentro do círculo", símbolo da ideologia WASP (white, angle-saxon and protestant, isto é, branca, anglo-saxã e protestante)defendida pela Ku Klux Klan.


No período de reconstrução do país, intensificou-se a industrialização, favorecendo a continuidade da expansão territorial graças também ao grande contingente de imigrantes. Em pouco tempo, a extensão do parque industrial, fruto da ênfase do governo na ampliação das fábricas e na exploração dos diferentes recursos naturais, bem como a implantação de ferrovias e portos abriram caminho para os EUA se consolidarem como potência regional e, depois de 1914, mundial, ocupando gradativamente o lugar da antiga Metrópole, a Grã-Bretanha.

Os negros precisaram esperar mais um século para ter igualdade de direitos com os brancos, e não foi um processo pacífico. Nos estados sulistas, havia um violento sistema de segregação racial: negros não podiam frequentar os mesmos lugares que os brancos (escolas, transporte coletivo, praias, banheiros etc.) e essa situação só começou a ser combatida nos governos de John Fitzgerald Kennedy (1961-1963) e Lyndon Johnson (1963-1968), sob uma intensa pressão do movimento negro, que viu assassinados líderes como Malcom X (1965) e Martin Luther King (1968).

Mesmo depois de tantas lutas e dificuldades, a sociedade estadunidense ainda convive com o racismo. Mesmo estando hoje atenuado, ele subjaz aos ditos “valores nacionais”, que procuram excluir também os imigrantes – ilegais ou legais – de várias origens que vivem no país. Ao mesmo tempo, os EUA continuam querendo ser reconhecidos pelo mundo como “a terra das oportunidades”.

O Brasil conseguiu criminalizar o racismo, mas ainda precisa lutar contra suas manifestações encobertas sobre a comum de desculpa esfarrapada de "brincadeira", a qual é sempre usada quando alguém tem sua integridade atingida e o agressor, buscando escapar, transforma a agressão, a ofensa em "piada". Falta muito para conseguirmos uma atenção maior sobre este tema, livrando-o dessa pseudo-infantilização, pois racismo é crime e deve ser tratado como tal, e a justiça aplicada na devida condição de seus termos.

Mais exemplos das ditas "brincadeiras" que escondem ódio e racismo:




Trote aplicado por veteranos da faculdade de Direito da UFMG em Diamantina: "lê-se claramente: Caloura Chica da Silva", acorrentada com seu "dono". Ação totalmente inaceitável, ainda mais de estudantes do curso de Direito.


Um comentário:

  1. Ótimo texto professor. Eu me pergunto até quando estaremos olhando para as outras pessoas e ao invés de enxergar a humanidade, enxergar uma cor de pele, uma religião ou um modo de agir/pensar.

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