quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Cristianismo: da fé dos oprimidos à religião dos opressores



Detalhe do vitral "A Vida de Cristo" - 
Fachada ocidental da Catedral de Notre-Dame de Chartres
Cerca de 1140-50

Atualmente é difícil imaginar um mundo sem a existência do cristianismo, uma religião com mais de 1 bilhão de fiéis espalhados pelo mundo, cujos valores ajudaram a formar aquilo que se entende por mundo “ocidental”. No entanto, em seus dois milênios de existência, a história do cristianismo foi marcada por discussões e disputas dos fiéis entre si, destes últimos com os “não-fiéis” (gentios), que tanto de um lado como outro, resultaram em divisões, rupturas, guerras, massacres. 

Trezentos anos de perseguição se seguiram entre a morte de Jesus e a liberdade de culto concedida pelo imperador romano Constantino com o Édito de Milão no ano de 313, pois os seguidores de Jesus eram vistos como uma ameaça ao Império já que negavam a divindade do imperador e os deuses e se colocavam como seguidores daquele que se apresentou como filho do único Deus.

Mesmo com as perseguições, o cristianismo não deixou de crescer num processo que começou na base da sociedade romana e gradativamente foi atingindo os mais diferentes grupos sociais. Muitos se diziam praticante do culto aos deuses romanos e ao imperador, mas secretamente em suas casas ou na escuridão das catacumbas (cemitérios subterrâneos) realizavam o culto cristão, procurando escapar dos massacres, crucificações, das arenas para serem queimados vivos ou devorados pelos leões.

Ao longo do século IV, o movimento de difusão do cristianismo foi cada vez maior e sem o temor das perseguições e com a proteção dos imperadores, seja na manutenção da liberdade de culto, seja nas doações para a construção dos primeiros santuários. No ano de 391, o imperador romano Teodósio através do Édito de Tessalônica estabeleceu o Cristianismo como religião oficial de todo o Império Romano e tornou proibido o culto aos deuses de outros povos sob a ameaça de prisão e confisco de bens.

A adoção do cristianismo como religião oficial representou mais um passo importante na construção daquilo que entendemos hoje por “igreja”, uma palavra derivada do termo grego Eclésia e significa assembléia, conjunto, grupo. A evangelização foi um fenômeno muito lento e gradual, da mesma forma que a organização da chamada Igreja Cristã. Cada comunidade tinha um líder, o qual era denominado episcópos (bispo) e tinha a autoridade máxima sobre os fiéis, mas nesse período, além de ser um líder religioso, o bispo era também um conselheiro político e chefe militar preocupado com a manutenção das comunidades cristã e se fosse o caso da defesa das mesmas.

Destacaram-se nesse contexto de formação alguns destes religiosos, tais como: o bispo Ambrósio de Milão (340-397) importante conselheiro e crítico do imperador Teodósio e também comentador dos textos bíblicos; Agostinho de Hipona (395-430) batizado por Ambrósio, responsável por uma vasta obra teológica; Eusébio Sofrônio, dito Jerônimo (340-420) que organizou a Vulgata, traduzindo a Bíblia do hebraico (Antigo Testamento) e grego (Novo Testamento) para o latim por volta do ano 400. Todos foram posteriormente canonizados, sendo considerados santos, além de doutores da Igreja por fundamentarem a doutrina cristã.

Os séculos IV e V foram o momento de desestabilização e crise do Império Romano, dividido em duas partes pelo imperador Teodósio por volta de 395 e pressionado por inúmeras tribos que viviam nas suas fronteiras (não tão sólidas e seguras) como de regiões mais distantes do norte da Europa e da Ásia Central e do Leste. O império ocidental agonizava, seja pela ruralização e crise econômica crescente desde o século III, seja pelos ataques e invasões de povos que os romanos chamavam de “bárbaros”, já que não possuíam aquilo que os romanos entendiam por civilização.

Com a queda do Império Romano ocidental em 476 e sua desorganização, um novo contexto se formou: os territórios foram partilhados (nem sempre de modo pacífico) entre as tribos germânicas, nórdicas e asiáticas que se estabeleceram na Europa Ocidental, dando origem a pequenos reinos. 
Mas nem tudo que era romano desapareceu, pelo contrário a Igreja cristã sobreviveu e seria o principal referencial das tradições e costumes romanos, os quais foram agregados em parte pelos novos senhores da Europa ocidental: os bispos atuaram como conselheiros e ministros dos reis convertidos; a tradição oral das tribos foi gradativamente substituída pela escrita e a língua latina como seu principal vetor na organização das leis e com os avanços na evangelização, novas igrejas eram construídas e comunidades eram fundadas como, por exemplo, os mosteiros e abadias, destacando-se nesse processo, Bento de Núrsia (480-547) que organizou a primeira ordem de monges em Monte Cassino no norte da Itália.

O modelo de vida monástica tinha como referência a vida do próprio Cristo, exaltando a pobreza, a castidade e a obediência. Bento de Núrsia estabeleceu esses princípios numa Regra disciplinar, a qual se tornou posteriormente uma referência para outras comunidades e ordens religiosas, que pode ser resumida na expressão “Ora et Labora”, isto é, oração e trabalho.

No entanto, cabe a pergunta: em que termo ocorreu essa evangelização?

Não é possível pensar num processo imediato e rápido, mas como algo lento e gradual que precisou incorporar elementos da cultura tida por bárbara para que os resultados fossem efetivos. Por exemplo, a construção de igrejas sobre antigos lugares de culto não-cristão (templos, árvores ou fontes sagradas) para os diferentes povos, bem como a fusão das festividades ou rituais e nesse caso, a comemoração do nascimento de Cristo é lapidar.

A data de 25 de dezembro foi ajustada para corresponder a festa do solstício de inverno, ou seja, a entrada do inverno no hemisfério norte, na qual se cultuava o sol (Solis Invictus, Sol Invencível em latim). Ao se comemorar conjuntamente a Natividade de Jesus e a festa do Sol, os padres foram criando uma intimidade maior dos chamados pagãos com os costumes cristãos e ao longo de alguns séculos, a cristianização se efetivou. Num lugar onde houvesse o culto de uma deusa Mãe ou da Terra, transformava-se numa igreja dedicada à Virgem Maria, como muitas catedrais em diferentes partes da Europa. Ou então, o calendário que foi organizado pela Igreja em 394, tendo o marco o nascimento de Jesus e não mais a contagem das Olimpíadas ou a fundação de Roma, sendo que os jogos foram banidos pela Igreja por representarem adoração aos deuses pagãos.

A data varia de acordo com a comunidade cristã. Por exemplo, os cristãos ortodoxos não aceitaram a reforma do calendário feita pelo papa Gregório XIII, em 1582, a qual ajustou um erro de marcação do calendário, fazendo com que uma diferença de 11 dias entre os fenômenos astronômicos e a marcação terrena fosse corrigida. Os fiéis dormiram no dia 04 de novembro e acordaram no dia 15 de novembro. Desse modo, para os cristãos ortodoxos e para os coptas (cristãos egípcios) o Natal ficou de acordo com o calendário juliano, anterior à reforma gregoriana, na data de 07 de janeiro, data relacionada à visita dos Reis Magos a Jesus. 

Pode-se dizer que o cristianismo não nasceu formado de uma matriz única, mas se constituiu como uma religião agregadora de diferentes elementos culturais para a sua organização e que possibilitou não só sua articulação dentro das novas esferas do poder do Império Romano do Ocidente e depois na Europa feudal, mas também da construção de uma visão de mundo e de uma conduta ética que seria o fio condutor daquilo que entendemos por “civilização ocidental”, sem deixar de lado as disputas de influência e poder sobre os espíritos e corpos, para não dizer, bens materiais dos seus fiéis, dilatando-se junto com a expansão europeia  a partir do século XV para diferentes partes do planeta e infelizmente, servindo de justificativa para ações dominadoras ou ditas civilizatórias, mas que na verdade, apenas serviam de pretexto para formas distintas  e vis de dominação.

Apesar da data ter sido uma construção histórica,  enfim, todos disputavam o controle absoluto sobre a doutrina deixada por um humilde homem, da cidade de Nazaré na Galiléia, tendo como mensagem principal “Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a ti mesmo”.





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