sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O nascimento do mundo burguês

As terminologias "Alta Idade Média" e "Baixa Idade Média" são expressões criadas a posteriori para se referir ao início "Alto" e ao fim "Baixo" de um período, bem como a própria expressão "Idade Média". De maneira geral, a Baixa Idade Média, que se estende do século XI ao XV, foi o período que deu início a um longo processo de desagregação da sociedade feudal e consequente formação de um novo modo de produção: o capitalismo.
As transformações que movimentaram a sociedade europeia foram profundas, porém só podem ser percebidas a partir de um distanciamento do observador. Para aqueles que viviam naquela época, poucos eram os que se apercebiam das modificações econômicas, sociais e políticas.
Uma prova disso é que o grande evento que inaugurou a Baixa Idade Média, as Cruzadas, era uma clara reprodução de uma já conhecida característica feudal: o poder da Igreja e da nobreza.
Havia também certo prenúncio de aumento das tensões sociais. Muitos trabalhadores não aceitavam mais as condições impostas pelos nobres, sem, entretanto, disporem de uma alternativa real de ocupação.

AS CRUZADAS (1096 a 1291)

Neste contexto, as Cruzadas pregadas pelo papado vieram atender aos anseios de boa parte da população europeia da época, pois carregavam para o Oriente o excedente populacional da Europa, enquanto acenavam com a possibilidade de novos feudos para os grandes senhores e trabalho para a pequena nobreza marginalizada.
A iniciativa do Papa Urbano II tinha ainda a intenção de reforçar a imagem do papado, desgastada diante de tantas querelas, cismas e intrigas. Os mais otimistas chegaram a acreditar na reunificação da Igreja a partir da conquista de Constantinopla, sede da Igreja Católica Ortodoxa. Mas as justificativas oficiais para as Cruzadas eram de que se tratavam de uma ação religiosa e militar dos cristãos na busca de “recuperar o Santo Sepulcro que estava nas mãos dos infiéis”.
Essa soma de interesses materializou-se numa forma de de ação semelhante àquela usada pelos muçulmanos: a guerra santa. A Cruzada Popular comandada por Pedro, o Eremita, arrebanhou populares, camponeses e mendigos em toda a Europa e partiu em direção à Terra Santa. Pedro e seus seguidores, sem nenhum preparo militar, foram facilmente destroçados pelos turcos na Ásia Menor.
Então, desenvolveram-se as expedições oficiais, as quais foram comandadas por nobres. Desta vez, ao contrário do que ocorria nas guerras medievais, centenas de servos estavam prontos para a guerra, não contra a nobreza (como o controvertido William Wallace) mas ao lado dela.
A Primeira Cruzada, celebrizada como Cruzada dos Nobres, foi comandada por Godofredo de Bouillon e contava com o apoio de Roberto de Normandia, Balduíno de Flandres, Tancredo e Boemundo de Tarento. Tomaram Jerusalém em 1099, instalando o Reino de Jerusalém, o Principado de Antioquia e os condados de Trípoli e Edessa.
Diante do perigo de uma retomada de Jerusalém por parte dos turcos, foi organizada a Segunda Cruzada, sob o comando de Luís VII da França e Conrado III da Alemanha. Mas, devido ao desentendimento dos líderes, a cruzada não atingiu seus objetivos e Jerusalém foi retomada pelos muçulmanos de Saladino em 1187, a maior liderança do Islã depois de Maomé.
A Terceira Cruzada, ou Cruzada dos Reis, teve como comandantes Frederico Barba Ruiva, do Sacro Império Romano Germânico, Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e Felipe Augusto, da França. Com a morte de Barba Ruiva, Felipe se desentendeu com Ricardo e retornou à Europa. Ricardo assinou um pacto com Saladino, sultão do Egito, que permitiu a peregrinação de cristãos a Jerusalém.
A Quarta Cruzada ficou conhecida como Cruzada Comercial, pois atendeu somente aos interesses das cidades italianas, principalmente de Gênova e Veneza. Os combatentes saquearam Zama e tomaram Constantinopla, criando o Reino Latino do Oriente e conquistando para os europeus um importante entreposto comercial.
Após a Quarta Cruzada, surgiu na na Europa a ideia de que somente aqueles que tivessem o coração puro poderiam retomar a Terra Santa. Foi, então, organizada a Quinta Cruzada, ou Cruzada das Crianças, que redundou em enorme fracasso, uma vez que todas as crianças foram vendidas como escravas pelos turcos. As cruzadas posteriores (sexta a oitava) desviaram-se de seu objetivo original e pouco ou nada conseguiram.


Fonte: Bibliothèque Nationale de France


A principal consequência das Cruzadas foi o enriquecimento das cidades italianas de Pisa, Gênova e Veneza, que arrecadaram grandes somas em dinheiro com o transporte de cruzados, com parte dos saques e com o comércio de especiarias com os muçulmanos. Essas cidades  enriquecidas passaram a formar frotas militares que retomaram o Mediterrâneo e estabeleceram rotas regulares entre a Europa e a Ásia. Porém, a abertura do Mediterrâneo em nada ajudou a nobreza, que, desde então, passou a enfrentar um processo ininterrupto de decadência política.
A Cristandade enfrentava não só inimigos externos, mas também inimigos internos que se encontravam entre seus fiéis, os hereges. A palavra heresia vem do grego hairesis e significa escolha, desta forma ser um herege era escolher um caminho diferente do apontado pela ortodoxia da Igreja Católica. Em contrapartida, a Igreja defendia a tese de que a salvação era coletiva, portanto, todos devem obedecer as leis de Deus para obter a salvação. Quando aparecia alguém entre o "rebanho de Deus" que negava algum dogma da Igreja, tal ato representava uma ameaça e a Igreja deveria reconduzir a "ovelha desgarrada" para seu seio, usando se necessário a força.
Para combater as heresias, a Igreja criou a Santa Inquisição em 1162 no intuito de organizar a luta contra os hereges. Muitos movimentos heréticos surgiram na Europa medieval , como por exemplo os valdenses (na Espanha, Lombardia e Alpes franceses), os albigenses e cátaros (Languedoc, sul da França).
O caso dos cátaros (eram contrários a autoridade da Igreja, ao direito de propriedade, aos sacramentos católicos) representava uma ameaça à Igreja e também ao poder real da França, fazendo com  que o papa Inocêncio III e os reis da França, Luís VIII e Luís IX organizassem  uma cruzada(1209-1229) contra estes hereges, culminando com o massacre dos cátaros em várias cidades do sul. Com a vitória dos católicos, a região do Languedoc foi anexado à coroa da França.
As manifestações heréticas , no entanto, continuaram a aparecer em diferentes pontos da Europa e cada vez mais a Igreja procurou reprimir através da Inquisição no objetivo de manter a ordem. Neste contexto, começam a surgir as ordens mendicantes, irmandades religiosas que pregam a pobreza e condenam o luxo e a ostentação de Roma, destacando-se a Ordem dos Irmãos Menores fundada por Francisco de Assis, um  filho de um rico comerciante, que abandonou todos seus bens , pregando voto de pobreza. O movimento foi reconhecido (como outras ordens) pelo papa em 1210 no intuito de trazê-las para o controle da Igreja . Morreu em 1226 e foi canonizado dois anos depois.


A INQUISIÇÃO

"Auto de fé presidido por São Domingos de Gusmán", Pedro Berruguete, c. 1495
Museu do Prado, Madrid, Espanha.
Fonte: Wikipedia


Já no período em que as Cruzadas haviam se desviado de seus objetivos originais, a Igreja viu aumentar o fenômeno das heresias. Hereges eram todos aqueles que, grosso modo, questionavam os dogmas católicos.
Assim, o Papa Gregório IX criou os Tribunais do Santo Ofício em1231. Os tribunais estabeleciam um padrão de ação que começava com o tempo das graças, no qual aqueles que se sentissem à vontade poderiam apresentar-se aos inquisidores quando estes chegavam em uma determinada cidade. Posteriormente, os acusados passavam a ser perseguidos. Uma vez presos, entravam na terrível fase do interrogatório – a tortura era considerada instrumento legítimo de obtenção da confissão.
Por fim, era dada a sentença. Dependendo da gravidade do crime, aquele que não mudasse suas ideias ou não confessasse a culpa poderia ser condenado à prisão, ao confisco de bens ou então à morte na fogueira. Alguns, uma vez se tratando de faltas menos graves, poderiam ser absolvidos e reintegrados à comunidade cristã.

RENASCIMENTO COMERCIAL E URBANO

Com a retomada do Mediterrâneo pelas cidades italianas, o comércio ressurgiu na Europa através das rotas que atravessavam todo o continente. Nos cruzamentos dessas rotas terrestres, surgiram as feiras, que atraíam grandes contingentes populacionais. A mais famosa dessas feiras foi a de Champanhe, no interior da França (século XIV) e, posteriormente, a feira de Flandres (atual Bélgica).
As novas rotas comerciais limparam as estradas e fizeram ressurgir as transações em moeda, enriquecendo os comerciantes. Esse novo grupamento, os burgueses, expandiu as transações comercias e enfraqueceu os nobres. A vida urbana renasceu com as Hansas ou Ligas, que eram associações de mercadores de diversas cidades, principalmente no norte da Europa. Ali se formou as mais poderosas associações de comerciantes da Baixa Idade Média: no norte destacavam-se as cidades da Flandres de Antuérpia, Roterdã, Amsterdã e Bruges; a leste e mais ao norte havia a Liga Hanseática formada por cidades alemãs, escandinavas e russas, destacando-se Lübeck, Hamburg, Bremen, Kopenhagen, Estocolmo, Novgorod entre outras cidades que faziam um forte intercâmbio comercial nos mares do Norte e Báltico.  Seus membros conseguiam trocar produtos do norte da Europa por artigos orientais trazidos por comerciantes italianos, de Gênova, Veneza, Florença e Pisa. Periodicamente, mercadores do norte e sul encontravam-se numa região estratégica para adquirirem produtos diferentes, a região de Champagne na França, principalmente nas cidades de Reims, Troyes, Provins, Lagni.
Nas cidades, também se desenvolveram as corporações de ofício, cujo objetivo era zelar pela qualidade dos produtos, evitar a concorrência nociva entre os membros e estabelecer um justo preço pelas mercadorias. Essa corporações eram associações de oficinas, e cada ofício tinha sua própria norma.
Em uma oficina, havia um mestre artesão, conhecedor do ofício, dono das ferramentas e das matérias primas, e um aprendiz, em geral com pouca idade e que aprendia a arte do ofício enquanto ajudava o mestre. As oficinas maiores tinham um oficial, trabalhador assalariado e que esperava uma oportunidade para se tornar mestre. Já as menores, contratavam um jornaleiro, que trabalhava por jornada em épocas de excesso de trabalho.
Várias outras atividades surgiram em função do crescimento das cidades, como banqueiros, cambistas, entre outros. Por outro lado, com a abertura do Mediterrâneo, uma grande quantidade de produtos chegavam do Oriente, como perfumes, temperos, alimentos e, inclusive, foi a partir daí que os europeus intensificaram a utilização da pólvora.
Assim, pode-se afirmar que, nessa época, a Europa vivia uma significativa prosperidade econômica e um grande afluxo para os centros urbanos, comprometendo toda a estrutura agrícola feudal.
Ao mesmo tempo, o rei via na nobreza feudal um obstáculo às suas pretensões de retomada e centralização do poder. Dessa forma, a aliança do rei com a burguesia foi inevitável. Entre os séculos XII e XIV, a Europa viu a fragmentação feudal dar lugar às monarquias nacionais.
A primeira delas aconteceu em Portugal, que conseguiu centralizar o poder monárquico após a Revolução de Avis(1383-1385), pois com vitória de D. João, mestre da Ordem de Avis sobre as forças castelhanas apoiadas pela rainha D. Leonor,  a tentativa de Castela recuperar o domínio de Portugal foi afastada com o surgimento da Dinastia de Avis .
Com os capitais fornecidos pela burguesia, o rei da França, Hugo Capeto, pôde aparelhar exércitos, retomar as terras dos nobres, cobrar impostos nacionais e criar um tribunal do rei, considerado superior aos tribunais feudais. Através de uma política de casamentos, compras, guerras e anexações, a dinastia capetíngia conseguiu diminuir os particularismos regionais e aumentar a centralização monárquica.
Na Inglaterra, o processo de centralização deveu-se à invasão da ilha pelo duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador, que derrotou o último rei anglo-saxônico na Batalha de Hastings (1066). A dinastia normanda impôs-se aos saxões, dividindo a Inglaterra em condados supervisionados por Sheriffs, homens de confiança do rei. A centralização monárquica predominou na Inglaterra até 1215, quando o rei João sem Terra foi obrigado a assinar a Magna Carta, que limitava fortemente o poder real perante a nobreza. A Magna Carta estabeleceu, dentre outras coisas, que:

-       o rei não poderia impor qualquer tipo de tributo sem o consentimento do Grande Conselho do Reino, que seria convocado com, pelo menos, dois dias de antecedência. Décadas depois, o Grande Conselho passou a se chamar Parlamento e reuniria-se três vezes ao ano.

-       nenhum homem livre poderia ser detido, senão em função de uma sentença pré-regulamentada e ditada por seus pares. Dessa forma, a Magna Carta garantia aos ingleses direitos de ordens individual e política, e até mesmo de resistência, a qualquer forma de autoritarismo que partisse do monarca.


A cultura medieval

Na Baixa Idade Média, com Tomás de Aquino no século XIII surge o conceito do livre arbítrio e um retorno ao estudo de Aristóteles, como a formação do pensamento escolástico.
As universidades surgem por volta do século XII e XIII, como Paris, Oxford, Salamanca, Bolonha, Coimbra. Tradicionalmente, estudavam-se duas modalidades das chamadas "artes liberais", o trivium e o quadrivium. O primeiro era formado pelas artes da Dialética, Gramática e Retórica e o segundo pelas artes da Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.
Na literatura uma das principais manifestações foram as novelas de cavalaria, as canções de gesta e as poesias trovadorescas, que contavam as histórias dos cavaleiros, seus combate s e seus amores, como o ciclo arturiano (O rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, A Demanda do Santo Graal) do ciclo carolíngio (Carlos Magno e de Rolando em Canção de Rolando). Estes textos eram escritos em latins vulgar e geralmente cantados pelos jograis e trovadores. Dentro da literatura clássica é de grande importância a obra de Dante Alighieri, autor da Divina Comédia e de Giovanni Boccaccio com seu livro Decameron.

GUERRA DOS CEM ANOS (1337-1453)

Batalha de Crécy, 1346. Iluminura do séc. XV. 
Fonte: Fonte: Bibliothèque Nationale de France


Em seu processo de unificação, a monarquia nacional francesa teve que enfrentar o particularismo do Ducado da Normandia, terra natal de Guilherme, o Conquistador, e ancestral do monarca da Inglaterra. A posse de terras na França pelo monarca da Inglaterra, a disputa pela região da Flandres, bem como as disputas pela própria coroa da França, provocaram a guerra.
Com a morte do rei Carlos IV, da Dinastia Capetíngia, a coroa francesa passaria a Eduardo III, rei da Inglaterra. Mas os nobres franceses invocaram uma antiga lei da época dos francos (Lei Sálica), que não permitia que o trono francês fosse transmitido por uma mulher – no caso, o monarca da Inglaterra era neto, por parte de mãe, do rei Felipe Capeto, o Belo. Dessa forma, o trono passaria a Felipe de Valois, nobre sobrinho-neto de Felipe, o Belo, e apoiado pelos adversários dos ingleses. Inconformado, o rei inglês, Eduardo III, declarou guerra à França.
A luta favoreceu os ingleses em sua fase inicial, que chegaram a dominar a maior parte do território francês. Em 1348, a Europa foi atingida pela peste negra, que dizimou cerca de 25 milhões de pessoas (um terço da população do continente) e só foi parcialmente debelada em 1350.
As constantes vitórias inglesas terminaram por encurralar os franceses em um pequeno território no norte do país. Mas a maré da guerra mudou quando o povo francês foi exortado por uma camponesa a cerrar fileiras em torno do rei e libertar o país do jugo inglês. Joana D'Arc afirmava ter tido visões, nas quais a Virgem Maria lhe dizia que os ingleses representavam o demônio na França. Seu fervor religioso contagiou toda a população que se atirou à luta contra os ingleses.
Em 1431, a “A Donzela de Orleans” foi aprisionada pelos borgonheses, aliados dos ingleses, julgada por heresia e queimada como bruxa. Os franceses mantiveram-se firmes na luta e, em 1453, os ingleses são expulsos da França, que se unificou em torno de Carlos VII.
A Guerra dos Cem Anos foi um dos episódios que demarcaram a chamada crise do século XIV. Outro fator importante foi a disseminação da “Peste Negra”. Tal epidemia foi fruto das péssimas condições de habitação da época, além da inexistência de uma política de saneamento básico.

A PESTE NEGRA E REVOLTAS CAMPONESAS

“O triunfo da Morte”, afresco de Buonamico Buffalmacco, 1350, Cemitério de Pisa, Itália.
Fonte: Wikipedia


No início do século XIV, houve uma progressiva crise no sistema feudal, cuja expansão foi mais baseada na incorporação de novas terras para o cultivo do que no desenvolvimento de tecnologia. A exploração predatória das novas terras contribuiu para o desgaste de sua fertilidade, e o desmatamento intenso provocou alterações ecológicas e climáticas. Períodos extremamente chuvosos alternavam-se com épocas de secas, o que fez diminuir a produção agrícola e encarecer os preços dos produtos.
Nessa mesma época, as minas de ouro e prata da Europa esgotavam-se. Com a falta de metais, as moedas em circulação perdiam seu valor e os nobres que podiam entesouravam o máximo possível de dinheiro. Essa situação provocou inquietação entre os mais pobres e falências de bancos e de casas comerciais. Em algumas décadas, a crise atingiu proporções catastróficas, gerando a Grande Fome.
A subnutrição causada pelas crises de fome talvez tenha contribuído para minar a resistência da população. A situação ficou ainda pior quando, a partir de 1348, começaram os surtos da chamada peste negra, que era a Peste Negra, doença transmitida através das pulgas dos ratos contaminados. Esses ratos, provavelmente, tinham vindo nos navios dos comerciantes italianos que chegavam do Oriente.
Muitos pesquisadores acreditam que o fator que favoreceu a disseminação da peste foram as péssimas condições de ocupação que se estabeleceram pela Europa, principalmente durante o renascimento da vida urbana. As casas eram amontoadas, não havia uma eliminação adequada do esgoto doméstico, e os europeus, independentemente da classe social à qual pertenciam, resistiam à ideia de tomar banho com frequência. Todos esses elementos conjugados permitiram a rápida proliferação da doença, que chegou a matar 30% da população do continente.

Avanço da Peste Negra (1348-50)
Fonte: Wikipédia


Nesse período, a situação era de desolação. As condições de vida daqueles que sobreviveram à peste eram péssimas e a mortandade provocou escassez de mão-de-obra. Na Europa Ocidental, alguns senhores feudais passaram a empregar trabalhadores assalariados, trocando as prestações de serviços e as obrigações em espécie por pagamentos em dinheiro, o que permitiu que alguns servos comprassem a própria liberdade. Isso incentivou muitos servos a fugir para as cidades.
Mas muitos nobres tentaram reagir, congelando os salários e aumentando o valor das prestações devidas pelos servos, o que provocou inúmeras insurreições de camponeses na Inglaterra, Portugal, Castela e na França, onde as revoltas camponesas receberam o nome popular de jacqueries. O termo deriva da expressão em francês Jacques Bonhomme , que significa"zé-ninguém, zé povinho", portanto, uma forma depreciativa de lidar com os pobres.  
Milhares de camponeses rebelaram-se contra seus senhores, destruindo castelos e matando nobres. A nobreza contra-atacou com o apoio dos exércitos reais (nessa fase, já existiam algumas tropas profissionais) e a ação dos camponeses foi sufocada, e milhares de pessoas foram mortas.

O levante dos "zé-ninguém" contra a nobreza. Iluminura do séc. XV
Fonte: Fonte: Bibliothèque Nationale de France



Os burgueses (mercadores das cidades) lucravam com a inflação, pois seus produtos, agora, estavam em alta, enquanto salários, aluguéis e arrendamentos tinham seus valores depreciados. Muitos burgueses enriqueceram e casaram-se com filhas de famílias de nobres empobrecidos. Era o sinal claro da ascensão da burguesia e da lenta, mas irreversível, decadência da nobreza.



Documentos históricos:

Discurso do Papa Urbano II, em Clermont-Ferrand (1095)

“Deixai os que outrora estavam acostumados a se baterem, impiedosamente contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis... Deixai os que até aqui foram ladrões, tornarem-se soldados. Deixai aqueles que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes, lutarem agora contra os bárbaros como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna.
Uma vez que a terra que vós habitais, fechada de todos os lados pelo mar e circundada por picos de montanhas, é demasiadamente pequena para a vossa grande população; a sua riqueza também não abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus cultivadores... tomai o caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos. Essa terra em que como diz a escritura, jorra leite e mel” foi dada por Deus aos filhos de Israel. Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é mais do que todas frutífera, como um novo paraíso de deleites”.


O saque de Maara

Chega a noite de 11 de dezembro. Está muito escuro, e os franj (como os árabes chamavam os francos) ainda não ousam penetrar na cidade. Os notáveis de Maara entram em contato com Bohémond, novo senhor de Antioquia, que se encontra à frente dos atacantes. O chefe franco promete garantias se cessarem o combate, deixando para trás algumas construções. Agarrando-se desesperadamente à sua palavra, as famílias reúnem-se nas casas e porões da cidade e, a noite toda, esperam tremendo.
Na alvorada, chegam os franj. É uma carnificina. Durante três dias, eles matam mais de cem mil pessoas pela espada e fazem muitos prisioneiros. Os números de Ibn al-Athir são evidentemente fantasiosos, pois a população da cidade, na véspera da queda, era provavelmente inferior a dez mil habitantes. Mas o horror está menos presente no número de vítimas do que no destino quase inimaginável que lhes foi reservado.
“Em Maara, os nossos faziam ferver os pagãos adultos em caldeira, fincavam as crianças em espetos e as devoravam grelhadas.” Essa confissão do cronista franco Raoul de Caen não foi lida pelos habitantes das localidades próximas a Maara, mas até o fim de sua vida eles se lembraram do que viram e ouviram. Pois a lembrança dessas atrocidades propagadas pelos poetas locais, assim como pela tradição oral, fixara nos espíritos uma imagem dos franj difícil de ser apagada. O cronista Ussama Ibn Munqidh, nascidos três anos antes desses acontecimentos, na cidade vizinha de Chayzar, escrevera um dia:
“Todos aqueles que se informaram a respeito dos franj viram neles animais que m a superioridade da coragem e do ardor no combate, mas nenhuma outra, assim como os animais têm a superioridade da força e agressão.”


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