quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

06 de janeiro: a Epifania de Nosso Senhor

Na cristandade ocidental, o Dia da Epifania comemora-se tradicionalmente doze dias após o Natal, no Dia de Reis em 06 de janeiro. Com a reforma do calendário litúrgico, em muitos países a data celebra-se no domingo entre o dia 2 e o dia 8 de janeiro (dois domingos após o Natal).
A Epifania do Senhor é a manifestação do Filho de Deus no corpo de Jesus Cristo, o momento de revelação de Jesus ao mundo. Esta celebração centra-se na adoração dos três Reis Magos ao Menino Jesus, um símbolo do reconhecimento de Cristo como salvador da humanidade.
Para além deste momento, a Igreja celebra mais duas epifanias. Com especial incidência na primeira, celebram-se três epifanias do Senhor ao longo do ano litúrgico:
  • A epifania aos Reis Magos, pelo nascimento,
  • A epifania a São João Batista no rio Jordão, pelo batismo;
  • A epifania aos discípulos com a boda de Canã, pelo início da vida pública.
Na tradição católico ortodoxa, o dia 6 de janeiro celebra-se a festa da Epifania ou da Teofania. Originalmente, era a única festa cristã da manifestação de Deus ao mundo na pessoa de Jesus de Nazaré. Incluía a celebração do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a adoração dos Rei Magos e todos os acontecimentos da infância de Jesus como a Circuncisão, a Apresentação no Templo, assim como o seu Batismo por São João no Rio Jordão. É quase certo que esta festa, como a Páscoa da Ressurreição e Pentecostes se entendia como o cumprimento de uma festa judaica, neste caso, a Festa das Luzes (Chanucá).
O tema da Encarnação de Jesus, o qual se desenvolve no vitral central da fachada ocidental  da Catedral de Notre-Dame de Chartres, localizada na região do Eure-Loir, na França. Este vitral é conhecido como a Vida de Cristo. Há provavelmente uma significativa influência dos temas iconográficos ali desenvolvidos com os textos dos Evangelhos de Mateus e de Lucas, uma vez que alguns temas referentes ao nascimento de Jesus não se encontram nos textos de Marcos e  de João.
A dimensão teológica presente neste episódio se dá pela metáfora da luz como o Cristo e nele a salvação, desse modo, a estrela que brilhou excepcionalmente reitera a importância do menino que representa a esperança na Vida Eterna, portanto, a busca dos "reis magos" do Oriente Belquior (ou Mélquior, oriundo da Caldeia, na Mesopotâmia), Baltasar (tido como o mouro, vindo da Arábia) e Gaspar (procedente da Pérsia) representaria o reconhecimento de Jesus como o Messias, e ali identificado como o "rei dos reis". 

A Vida de Cristo - séc. XII
Crédito: Elias Feitosa
Esquema de organização do vitral

Ao observarmos esta baia no sentido ascendente, encontramos nas três primeiras cenas o início do desenvolvimento da Encarnação, apresentando a Anunciação, a Visitação e a Natividade(respectivamente na imagem abaixo da esquerda para a direita), momentos em que a figura de Maria está em evidência devido ao papel que teria de cumprir, tornando-se a mãe de Jesus. O desenvolvimento das cenas segue um ritmo crescente, com o início na Anunciação:
E, estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão que se chamava José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. E entrando, pois o anjo onde ela estava, disse-lhe: Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo! Ela ficou intrigada com essa palavra e pôs-se a pensar qual o significado da saudação. O Anjo, porém, acrescentou: Não temas, Maria! Achas-te, pois a graça diante de Deus! Eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um filho e tu lhe darás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará na casa de Jacób para sempre e o seu reinado não terá fim. Maria, porém, disse ao anjo: Como se fará isso se eu não conheço homem algum? O anjo lhe respondeu: O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra; por isso o Santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus”.[1]
Detalhe da base do vitral "A Vida de Cristo - séc. XII"
Crédito: Elias Feitosa

O texto bíblico nos oferece a principal referência sobre o tema da Anunciação, um momento em que o cumprimento das profecias do Velho Testamento, em especial de Isaías, iriam se cumprir. O evento é uma ligação entre o plano terrestre (Maria) e o plano espiritual (Deus) através de um mensageiro (o anjo) e a realização do poder divino através da concepção sem pecado. A aparição do anjo segue o padrão de algumas manifestações do Velho Testamento, no momento em que Deus teria algo a dizer aos homens e ao invés de fazê-lo diretamente, envia um mensageiro.
Sendo uma epifania, Maria vê o anjo e se assusta, fazendo com que o anjo lhe tranqüilize sobre aquilo que ali ocorria. Esta circunstância influenciou significativamente as representações do tema da Anunciação e no vitral, vemos nos gestos de ambos (de Gabriel e de Maria) a manifestação dos sentimentos de paz e medo, apesar da saudação inicial “Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo!”.
A composição da cena num plano simétrico detém uma unidade através do olhar de ambos que se encontram, onde a ação é controlada pelo anjo que porta um cetro na mão esquerda (semelhante a um cetro real) e com a direita faz o sinal de benção. Maria, por sua vez, retraí o corpo, recuando para perto de um móvel (algo que se parece com uma cadeira) e tem um livro na mão esquerda, enquanto corresponde a saudação com a mão direita. Outras epifanias aparecem na baia, no anúncio aos pastores (cena 4), falando com os Reis Magos (cena 10) e com José para retornar do Egito (cena18). Os anjos ainda aparecem no alto da baia (cenas 25 e 26) reverenciando Maria e Jesus.
Detalhe do vitral "A Vida de Cristo" - séc. XII
Crédito: Elias Feitosa

O episódio da Visitação também ressalta a importância do papel de Maria, qual foi saudada por sua prima Isabel como a “mãe do seu Senhor”, sendo que Isabel também trazia em seu ventre uma criança, João que foi chamado posteriormente de João Batista, primo de Jesus, profeta responsável pelo próprio batismo de Jesus (cena 21).
Maria se encontra presente em vários medalhões e ocupa um papel de destaque na parte superior da baia, onde aparece junto de Jesus enquanto menino, numa posição solene, entronizados no interior da mandorla e ao seu redor anjos simetricamente dispostos.
A posição de Maria e de Jesus no ápice da baia (cena 29 e 30) determina o amplo destaque da figura da Virgem na trajetória de Jesus e, portanto, do próprio cristianismo, pois compõe um conjunto formado inicialmente pela Visitação (cena 2), seguido pela adoração dos Magos (cena 8), depois pela apresentação no Templo (cena 14), posteriormente pelo batismo (cena 21). Toda essa série organiza a parte central da baia e orienta sua composição em direção ao alto, no eixo vertical, sendo que todas as cenas citadas se encontram no interior de círculos perolados de fundo azul.
A composição cromática merece uma atenção especial, pois o tom azul dos círculos se harmoniza com as vestes de Maria em todas as cenas e faz o contraste no espaço dos anjos, que também se encontram vestidos de azul num espaço de fundo vermelho (cenas 25, 26, 27 e 28).
Se o azul aparece nas vestes de Maria e dos Anjos, o mesmo ocorre nas vestes do Cristo, seja na manjedoura, seja na entrada em Jerusalém e por sua vez “revestido” do Espírito Santo pelas também azuis águas do Jordão.  Apesar de chamar a atenção por sua abundância, o azul aparece em outros personagens, muitos anônimos e outros conhecidos como os Reis Magos ou mesmo Herodes.
A Vida de Cristo - séc. XII
Crédito: Elias Feitosa


Nesse caso, a composição formal (alternância de quadrados e círculos) também sai favorecida pela composição cromática que caracteriza as duas figuras geométricas em quase toda a baia (da cena 1 até a 24), tendo seu ritmo alterado pelo ápice que forma um arco ogival e comporta a mandorla em seu centro, como se vê abaixo.

Ápice do vitral "A Vida de Cristo" - séc. XII
Crédito: Elias Feitosa

Ao observarmos a perspectiva axial de organização da baia e a presença da Virgem nessa orientação, podemos apontar o reforço de sua imagem como a Theotókos (Mãe de deus em grego). Tal situação é compreensível se analisarmos o encadeamento de eventos iniciados pelo episódio da Visitação (cena 2) na base do eixo, quando Isabel saúda sua prima Maria e o filho de Isabel, sente como a mãe, a força do Verbo que se fez carne no ventre de Maria. 
Num segundo momento, enquanto os Reis Magos reverenciam o Cristo, este se encontra nos braços da Virgem entronizada, na condição de sua Mãe e guardiã. O papel de Mãe é reforçado durante a apresentação no Templo no cumprimento do costume judaico.
Maria, portanto, aparece como início e o fim da temática iconográfica deste vitral, mas sempre numa condição cristológica que aponta as atenções para Cristo que é o elemento central, reforçando por sua vez a dimensão de Maria como metáfora da "Mater Ecclesiae", a "Mãe Igreja" que protege seu filho e intercede junto a Ele, levando os pedidos e súplicas dos homens.



[1] Bíblia de Jerusalém - Lc 1: 26-35

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