Na presença dos três chefes das Forças Armadas e da presidente Dilma Rousseff, o Congresso Nacional devolveu, simbolicamente, o mandato do ex-presidente João Goulart (1919-1976) nesta quarta-feira (18). O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), fez um pedido de desculpas "pelas inverdades praticadas pelo Estado brasileiro" contra um "patriota".
A cerimônia oficializa decisão tomada no mês passado por deputados e senadores que anulou a sessão de 2 de abril de 1964 do Congresso. Na ocasião, o então presidente do Congresso Nacional declarou vaga a Presidência da República --Goulart foi deposto pelo golpe militar de 1964. O argumento usado na ocasião foi de que o então presidente estava fora do país.
A proposta de devolver o mandato foi apresentada pelos senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Pedro Simon (PMDB-RS). No pedido, os congressistas afirmaram que a anulação faz um "resgate histórico" porque a vacância permitiu o golpe militar de 1964, embora Jango estivesse em Porto Alegre (RS). A ideia, de acordo com os parlamentares, seria retirar qualquer "ar de legalidade" do golpe militar de 1964.
O filho do ex-presidente, João Vicente, recebeu das mãos de Renan Calheiros, um diploma simbolizando a devolução do cargo. Ele foi abraçado por Dilma.
Os dois autores do projeto discursaram na sessão e destacaram a importância da sessão para o "resgate histórico". Randolfe, no entanto, aproveitou para alfinetar os militares da época."Setores que não queriam que este país avançasse. As forças que queriam que essa país avançasse estava em João Goulart, com as reformas de base", disse.
"A cerimônia não repara a tortura, os crimes, tudo que ocorreu nos 21 anos", completou. O senador do Amapá, no entanto, amenizou o tom. [A sessão] não é contra ninguém. É uma revolução a favor da história e do Brasil", disse.
A fala foi acompanhada pelos três chefes das Forças Armadas: general Enzo Peri (Exército), brigadeiro Juniti Saito (Aeronáutica) e o comandante Julio Soares de Moura Neto (Marinha). Eles não bateram palmas na hora em que o diploma foi entregue ao filho de João Goulart.
O filho do ex-presidente fez críticas ao Congresso da época, lembrando que o golpe foi legalizado pelo Parlamento. Ele disse que a medida foi uma injustiça e representa uma "triste mancha" para o país porque legalizou a ditadura e um governo de exceção.
"É importante uma Nação reencontrar sua história. Quase 50 anos depois e de forma ilegal [resgatamos o fato que] envergonhou o Legislativo da Nação",afirmou.
Ele também reforçou que o golpe foi contra as reformas de base propostas por Jango e cobrou reformas do atual Congresso, como a reforma agrária e a reforma política profunda. João Vicente ainda citou como avanço democrático do país a criação da Comissão da Verdade, criada para apurar fatos do regime.
Renan disse que o Congresso repõe a verdade e não deve fugir de suas obrigações ainda que tardiamente. Segundo ele, Jango foi vítima do autoritarismo e da ilegalidade. O senador também afirmou que o Congresso não tenta reescrevendo a história, mas reencontrando a verdade.
"Estamos recusando a falsidade que perdurou durante 49 anos. Estamos declarando que João Goulart não era fugitivo, mas uma vitima que tentou resistir", disse o peemedebista. "Ainda que simbólica e tardiamente, o mandato popular foi destituído ao único detentor após 50 anos de silêncio institucional injustificável".
O presidente do Senado fez um pedido de desculpas. "Peço desculpas pela inverdades patrocinada pelo Estado brasileiro, com participação do Legislativo e do Judiciário, contra um patriota".
Simon relembrou momentos do golpe e destacou a importância da cerimônia para o resgate histórico. "Vivemos um dia histórico, um dia inédito na história do Brasil. O Congresso Nacional já viveu grandes momentos de glória, alegria, vitória e vivemos dias que preferimos esquecer. Hoje vivemos um grande momento", afirmou.
A cantora Fafá de Belém cantou o hino nacional, no plenário do Senado. Ao finalizar, ela gritou: "viva a democracia".
Agendada para a semana passada, a sessão foi adiada diante das fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro --a família de Jango não conseguiu embarcar para Brasília.
A cerimônia contou ainda com a presença de diversos ministros da Esplanada e congressistas, além do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). A presidente Dilma Rousseff não discursou.
RESTOS MORTAIS
Em novembro, os restos mortais do ex-presidente foram exumados e levados a Brasília para perícias e homenagens. Amostras coletadas na capital federal serão analisadas em laboratórios fora do país.
O objetivo é apurar a causa da morte de Jango, como ele era conhecido. Na época, foi divulgado que ele morreu devido a um infarto, mas familiares e o governo federal suspeitam que ele tenha sido envenenando por agentes ligados à ditadura militar (1964-85).
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