Mutilações, sangue e muito mais sangue. Muito sangue em combates que, para o espectador, pelos efeitos em 3D, lhe "espirram sobre a face", acompanhado de uma trilha sonora e efeitos gráficos de imensa plasticidade, conferem ao filme "300: a ascensão de um Império" uma rica roupagem e, em certa medida, superam os efeitos do "300" de Zack Snyder de 2007.
"300"
O filme de Noam Murro deve ser visto como um conto de ficção com "inspirações históricas" para um mero plano de fundo, afinal, os eventos ocorrem dentro do contexto das Guerras Médicas (490-448 a.C.) no processo expansionista do Império Persa sobre a Europa oriental, tendo ali, uma resistência tenaz das cidades-Estado gregas, dando-se o destaque para a Esparta de Leônidas e a Atenas de Temístocles.
A isso, podemos somar a reconstituição das batalhas navais com os birremes gregos e dos persas, algumas vestimentas e armas. No mais, a História naufragou junto com os destroços ali apresentados.
Abaixo a imagem de um trirreme (3 sequências de remos)
Abaixo a imagem de um trirreme (3 sequências de remos)
O elo de "A ascensão do Império" com o primeiro filme é a cena final deste que é retomada, apresentando a cólera de Xerxes que, em pessoa, decapita o corpo de Leônidas e sai de Termópilas rumando em direção à Atenas, onde a pilha e a incendeia, exibindo a cabeça de Leônidas aos atenienses que fogem ou pelo menos tentam escapar da morte, da escravização e da violência.
As cenas são acompanhadas da narrativa de Gorgo, a rainha e viúva de Leônidas, reportando que tal processo que se abatia sobre o mundo grego tinha uma origem: a batalha de Maratona em 490 a.C., quando os gregos derrotaram os persas e Temístocles atingiu mortalmente Dário I, o pai de Xerxes, que percebera o perigo a que se pai se expusera e tenta salvá-lo, mas não o faz a tempo. Daí vem a dor da perda do pai, um ódio misturado a dor e pouco a pouco, com alguma manipulação, surge o rei-deus Xerxes.
Tudo que descrevi até aqui são elementos fictícios que receberam alguma pinceladas de "História": Leônidas fora decapitado a mando de Xerxes e não pelo próprio. Atenas foi pilhada e destruída, mas sua população já tinha sido evacuada e Dario morrera com mais de 70 anos doente e não de uma flechada de Temístocles.
Por outro lado, Xerxes não era o "primogênito", mas assumira indicado por Dario, sem manipulações de ninguém, pois no filme , Xerxes seria uma "criação" de Artemísia, a rainha de Halicarnasso, cidade-estado no litoral da atual Turquia que , de fato, se aliara a Xerxes e comandara sua esquadra contra os gregos.
Mas de outro lado, a "vilã" Artemísia é fruto do mais rebatido clichê holywoodiano: a menina que vira o brutal assassinato de seus pais, a destruição de sua terra e sofrera todos os tormentos, até que foi encontrada por um inimigo de seus inimigos e aí, treinada e preparada pelos persas, se transforma numa "assassina a serviço de Dario" e depois "almirante" de sua frota e com a morte de Dario, jogou e manipulou para colocar Xerxes no trono como se ele fosse um frágil marionete.
Alias, como uma cultura tão patriarcal permitiria tamanho espaço? O próprio mensageiro persa, que fora ameaçar Leônidas se indignara com a interferência de Gorgo no "300" e este personagem reaparece em "a ascensão do Império" como justamente aquele que "salvara e treinara" Artemísia, numa postura não condizente com aquela sociedade escravista e estamental que entendia que uma escrava morrendo na rua e um monte de estrume não tinham muita diferença.
Roteiro batido de muitos filmes de ação que se repete, tendo Temístocles como antagonista e assim, o heroi, responsável pela reunião dos gregos contra um terrível poder: Artemísia, além de inúmeros navios, tinha um com estrutura de metal e carga de piche (petróleo cru) que foi usado como arma incendiária contra os pequenos navios de madeira gregos, bem como, havia também, "homens-rã suicidas"que tinham nas costas tanques deste óleo que poderia explodir, tal qual veríamos bem mais tarde, os homens-bomba da atualidade.
Sem contar a retomada do discurso que estivera presente em "300": a Grécia símbolo de "Razão, Justiça e Liberdade" enquanto a Pérsia representava "o Misticismo, a Opressão e Escravidão", além de que a fala de Temístocles sempre exaltava a importância do "país" que naquela altura era inexistente, os soldados eram homens livres, mas a produção e sustento provinha da exploração de escravos e nem todo grego era um filósofo que através do conhecimento fazia da Razão seu único caminho de ação.
Do primeiro filme também ressurge o disforme traidor Efialtes que, continuava aliado dos persas, mas numa posição subalterna, simples lembrança da traição que praticara, sem muito propósito ou importância.
Antes da batalha final, a vilã Artemísia tenta cooptar Temístocles, seduzindo-o diretamente, pois a tensão política se extrapola numa tensão sexual, fazendo com que Temístocles tente se impor como o "macho dominante" possuindo a fogosa Artemísia, que luta pelo controle sexual também, mas ele não se rende aos caprichos de sua sedutora inimiga, abandonando-a em meio ao coito.
Bem, o que dizer? Cena irreal e apelativa, desnecessária para um filme sério, mas para um pobre roteiro, tenta salvar algo.
Por fim, a batalha de Salamina, que fora em sequência a de Termópilas e antes de Plateia, fica como algo secundário, mas historicamente sabemos que o conhecimento do litoral e de sua navegabilidade, bem como do clima local, deram aos gregos uma imensa vantagem, favorecendo-lhes com a vitória.
Xerxes assistira tudo, do alto de um penhasco, vendo inclusive um episódio onde Artemísia se destaca e assim, seus cronistas colocam que "seus homens lutaram como mulheres, mas sua mulher lutara como um homem". Apesar de tudo isso, Artemísia se vê encurralada e para escapar do ataque grego, acabara atacando um navio persa, querendo assim, dar a entender que mudara de lado, mas tudo não passou de uma cortina de fumaça, que lá do alto, Xerxes tivera dificuldade de perceber.
Não foi isso que o filme mostrou, pelo contrário, há o enfrentamento das esquadras, Temístocles luta e mata Artemísia (que na realidade não morrera naquela batalha) e quando tudo parecia perdido para os gregos, aparece Gorgo, a rainha de Esparta, comandando sua esquadra, liderando seus homens como fizera Leônidas, lutando ombro a ombro.
Sabemos que as mulheres espartanas eram treinadas, mas para na pior da hipóteses, serem a última linha de defesa na cidade de Esparta, uma vez que o exército estivesse ausente. Gorgo era , na realidade uma mulher inteligente e perspicaz, mas não estava no comando de Esparta e nem liderou um ataque em Salamina com a frota espartana, pois naquela altura, o governo passara a Plistarco, filho de Leônidas.
Caem as cortinas ao som de "War Pigs", do Black Sabbath, na voz de Ozzy Osborne. Ficou, aparentemente, subentendido que virá um terceiro filme...
Que os deuses tenham piedade de nós!
Enquanto espetáculo plástico em 3D, como um conto fictício de inspiração histórica, vale a pena, mas não honra a memória daqueles que buscaram a "bela morte" no campo de batalha ao seguir Leônidas e seus bravos 300 guerreiros.
"300: a ascensão de um Império"
Adorei a resenha professor, amo história, adoro filmes, mas gosto muito de saber a verdade por trás dos trabalhos "Hollywoodianos"... Como vejo outras resenhas? Obrigada pelo trabalho e pesquisa
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