quarta-feira, 19 de março de 2014

Hoje, há exatos 50 anos, ocorria a Marcha da Família com Deus pela Liberdade

O Brasil de hoje, é sem sombra de dúvida, resultado de uma construção histórica bastante complexa e diversa. Fomos colônia de Portugal (1500-1808), sede do Império Português (1808-1815), Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822), Império do Brasil (1822-1889) e por fim, somos desde 1889, a República Federativa do Brasil.

Nessa longa trajetória, o papel do poder centralizado em relação aos interesses locais, conseguiu preservar a integridade do território, somando-se a isso, o uso de uma mesma língua (o português) a partir da erradicação das culturas indígenas e africanas, que conseguiram ainda dar alguma contribuição linguística e cultural ao Brasil, mas ocorrendo no âmbito privado e não institucional, além do papel da religião Católica que colaborou em muito para fornecer as bases de nossa sociedade e que também, no âmbito privado, recebeu contribuições de outras culturas, mas sem que isso fosse dominante.

Na economia, a escravidão foi presente por "quase quatro séculos, seja do indígena ou do africano, condição vil, cruel e desumana, sem justificativa aceitável aos nossos olhos de hoje e que nos deixou com dezenas de tipos de preconceitos (racial, social, religioso, ....) e foi uma importante forma de acumulação de riqueza para a nossa elite, bem como, um cruel mecanismo de exclusão social cujos efeitos ainda hoje são sentidos.

Olhando de hoje para atrás, percebemos que o papel do "mando", do "uso da força", do "controle do poder", marcaram profundamente nossa sociedade, fazendo com que o poder na sua forma autoritária fosse uma constante e portanto, tido por "natural e correto". 

Todo tipo de mobilização popular foi colocada como "ameaça" e tratada com ampla violência pelo poder constituído, sendo reprimidas de modo sangrento. Assim foi com a as rebeliões coloniais (Inconfidências Mineira e Baiana, Insurreição Pernambucana), as rebeliões do Império (Balaiada, Cabanagem, Sabina e Farroupilha) e da República (Canudos, Vacina, Contestado).

A concepção de uma "cidadania" é muito recente, pois tal condição, desde a colônia até pelo menos 1946, era sempre dos privilegiados, dos bem-nascidos, daqueles que detinham o poder.

Nossa cidadania não passou por situações como a Inglaterra do século XVII, a Independência dos EUA em 1776 ou a Revolução Francesa de 1789. Aqui, tudo no geral, sempre veio de "cima para baixo", como se fosse a coisa mais comum da vida.

Nos fins do século XIX, a Monarquia era vista pelos republicanos como algo retrógrado e descompassado e a saída era uma "República eleita pela nação". Muito bem, aos 15 de novembro de 1889, um golpe de Estado liderado pelo Exército e com apoio de setores civis depôs o imperador D. Pedro II, implantando a República.

Entre 1889-94, a Chamada República da Espada foi marcada pelo autoritarismo de Deodoro da Fonseca (1889-1891) e de Floriano Peixoto (1891-1894). A partir de 1894, assumiu o 1o. presidente civil, o político cafeicultor Prudente de Moraes. Começava a chamada "República das Oligarquias" que durou até 1930, quando um novo golpe de Estado, apoiado por parte da sociedade civil e liderado pelo Exército, depôs o presidente Washington Luís em 1930, dando lugar a Getúlio Vargas e tal "sucesso" fez com que os golpistas o chamassem de "Revolução de 1930".

Vargas permaneceu no poder enquanto contou com o apoio do Exército, de 1930 a 1945, sendo deposto pelos militares e assim, mais uma vez se buscou a "via democrática". De 1946 a 1964 temos a chamada República Liberal, mas este período não escapou de ameaças golpistas.
A pressão política sobre Getúlio em 1954, que culminou com seu suicídio, pode ser vista como uma tentativa de golpe. 

Entre 1954 e 1955, Café Filho deveria fazer a transição do poder para Juscelino Kubitschek, mas os setores conservadores não queriam que isso ocorresse, então o Ministro da Guerra General Henrique Teixeira Lott aproveitara o afastamento de Café Filho da presidência (por motivos de saúde), e assim depôs o presidente interino Carlos Luz (favorável ao golpe contra JK) e deu posse ao presidente do Senado, Nereu Ramos, que concluiu seu mandato sobre "estado de sítio" e finalmente, transmitiu a faixa presidencial para Juscelino.

Juscelino no seu mandato (1956-1961) sofreu dois levantes militares : Jacareacanga (fev/1956) e Aragarças (dez/1959), porém foram facilmente debelados. A oposição a JK conseguiu eleger seu candidato em 1960: Jânio Quadros.

No entanto, as tensões vividas nos poucos meses de governo de Jânio, especialmente por sua postura de tendências autoritárias e de desdém dos políticos, fez com que o presidente pensasse numa ação golpista: envio seu vice, João Goulart (também conhecido como Jango) para uma longa viagem ao exterior (URSS e China), tentou a renúncia e com o vice-presidente distante, mas contando com o apoio de seu eleitorado, Jânio tentaria voltar ao poder "nos Braços do povo" e neutralizaria seus opositores como, por exemplo, o Congresso Nacional. 

Jânio renunciou em 25 de agosto de 1961, o eleitorado nem se manifestou e o processo de sucessão prosseguiu. Jango voltou mas a tensão política estava elevadíssima no ar: os setores conservadores não queriam que ele tomasse posse, pois era considerado próximo ao socialismo e poderia ser um risco ao Brasil. Para evitar uma possível guerra civil, foi aprovado pelo Congresso Nacional uma Emenda Constitucional que instituiu o regime parlamentarista: Jango seria o Chefe de estado, mas sem poderes efetivos, os quais seriam exercidos por um Primeiro-Ministro apoiado pela maioria do Congresso Nacional.

Mais uma vez, a quebra da regra falou mais alto. Estava marcado para 1965 um plebiscito que deveria confirmar ou não a continuidade do parlamentarismo. Jango conseguiu antecipá-lo para 06 de janeiro de 1963 e o presidencialismo foi restaurado. A crise não se concluiu, pelo contrário, começou a acelerar seus movimentos, pois João Goulart queria aprovar as Reformas de Base "na Lei ou na marra".

Em 13 de março de 1964, no Comício da Central do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, Jango reafirmou suas posições que tendiam cada vez mais à esquerda e eram vistas como graves ameaças ao País e como resposta a Jango, aos 19 de março de 1964, cerca de 90.000 pessoas relacionadas aos segmentos conservadores da Igreja Católica, mas também de outros segmentos cristãos, com o apoio dos militares (o Exército dera folga aos soldados para participarem da Marcha)  foram para as ruas de São Paulo na chamada "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" e clamavam que as Forças Armadas salvassem o Brasil das garras do comunismo.

A resposta veio 12 dias depois, com o golpe militar apoiado e aplaudido por uma parcela dos civis, em 31 de março de 1964.

Hoje, vemos novamente grupos conservadores preocupados com "elevados padrões de moral e ética" se organizarem novamente para pedir a intervenção dos militares, entendendo que somente o pulso firme da corporação militar poderia garantir a "restauração da ordem", pois em nome desta última, tudo é válido, inclusive, a perda da liberdade, segundo seus apoiadores.

Já escrevi isso, mas não canso de repetir : A República Federativa do Brasil somos nós. Se ela não funciona direito é porque deixamos de fazer a nossa parte, que não se resume em eleger, mas também em fiscalizar e cobrar nossos representantes.

Minha pergunta é: o que Deus tem com tudo isso? Porque uma imposição forçada e golpista não pode ser substituída por uma ação responsável e participativa da sociedade como um todo? 

Num esboço de resposta, uma hipótese: para alguns pensar e decidir dá trabalho demais e cansa. Portanto, é muito mais cômodo obedecer sem pensar e daí, o risco de se abrir espaço para tudo aquilo que o autoritarismo traz dentro de si: repressão, censura, violência e não necessariamente a "visão salvadora" de que com ele a corrupção e imoralidade vão desaparecer.

Os escândalos que hoje são denunciados, só vem à público, em virtude da liberdade de imprensa, pois seria de uma ingenuidade pueril acreditar que não houve nenhum um tipo de corrupção durante o Regime Militar (1964-85). Porém, não havia liberdade de imprensa.

Outra questão a ser esclarecida é a argumentação frágil, destemperada embasada nas mais mirabolantes teorias conspiratórias: a existência de um "poder internacional" encabeçado por algo que seria a "Nova Ordem Mundial", cujo líder seria o Barão Nathaniel Charles Jacob Rothschild (descendente de uma poderosa família de banqueiros judeus alemães que se radicou na Inglaterra no século XVIII), o qual estria articulando uma "ação" para implantar o bloco comunista na América Latina. E mais, que os governos que tivemos desde 1985 foram fruto da manipulação e vontade do Barão Rothschild e ainda também, que o nosso conhecido senador e ex-presidente José Sarney seria o seu "emissário " aqui.

A expressão "Nova Ordem Mundial" é usada pelos maçons na sua forma latina "Novus Ordo Secolorum" e aqui, por incrível que pareça, estão ressuscitando das trevas, as mesmas teorias conspiratórias que circulavam entre os fins do século XIX e no início do século XX, sobre a existência de uma conspiração maçom judaica para "dominar o mundo". Nesse período, circulava por diferentes países um panfleto apócrifo (texto sem autoria identificável ou estabelecida) que ficou conhecido como "Protocolos dos Sábios de Sião". Lembremos que, tal pensamento, foi extremamente importante para a germinação do nazismo.

Muito bem, temos aqui uma situação ímpar:  o medo e a ignorância das "conspirações diabólicas" que ameaçam o mundo e o saudosismo do autoritarismo que, para seus defensores, é a "solução" para a nossa "ineficiente República" e a vã ilusão que uma intervenção militar será "transitória", somente para "arrumar as instituições" e depois restaurar a democracia. Em 1964, o general Castelo Branco e seus apoiadores pensaram o mesmo e a "democracia restringida" foi substituída por um longo governo autoritário que durou 21 anos.

E sobre Deus, bem, acredito que muitos dos seus seguidores que endossam o golpismo esquecem dos ensinamentos e valores cristãos, especialmente, a importância do amor ao próximo e a responsabilidade dada pelo livre arbítrio e que não há mal que se justifique pelo maior bem que se almeje.

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