O atentado terrorista, ocorrido hoje (07/01) em Paris, aponta mais uma vez para a crescente tensão entre o radicalismo islâmico e os chamados valores ocidentais. Tal oposição entre "Ocidente" e "Oriente" remonta às Cruzadas e se intensificou em diferentes momentos, sendo que a expansão capitalista entre os séculos XIX e XX, responsável pelo colonização da África, Ásia e Oceania, comprometeu ainda mais o processo.
Os franceses, como os demais colonizadores, impuseram seu modelo de "civilização" através da língua, costumes e valores sem levar em conta a cultura local, que aliás, era vista como sinônimo de atraso e ignorância.
O final
da Segunda Guerra Mundial refletiu também nos vastos impérios coloniais que
alguns países possuíam, como era o caso da Inglaterra, França, Bélgica e
Portugal. Com a nova conjuntura internacional (o mundo bipolar), a manutenção
de colônias tornava-se muito difícil, principalmente depois da Declaração
Universal dos Direitos do Homem em 1948 pela ONU, que condenava a dominação e a
exploração estrangeiras.
Outra
conseqüência da guerra foi o desenvolvimento de manifestações nacionalistas em
favor da independência, pois muitas colônias haviam participado diretamente da
guerra e achavam mais do que justo receber de suas metrópoles a independência.
No entanto, as elites coloniais preferiram realizar um longo processo de
transição, ainda mantendo o controle sobre suas possessões.
O
enfraquecimento das potências européias e a ascensão dos Estados Unidos e da
URSS como superpotências transformou os movimentos de emancipação em uma grande
disputa de áreas de influência por ambos os lados.
O
processo de descolonização ocorreu em geral sob duas formas: a negociação
pacífica da independência ou então a guerra com as metrópoles. No primeiro
caso, as elites coloniais passaram por intensas negociações com as metrópoles,
realizando portanto a transmissão do poder sobre os territórios para as elites
locais. No segundo caso, a guerra de independência foi a movimentação de grupos
nacionalistas que pretendiam obter a autonomia à força, mas a união durante a
guerra não representava um mesmo conjunto de interesses.
As colônias francesas
passaram por vários conflitos de independência, como a Indochina em 1954 e a
Argélia em 1956, devido à intensificação dos movimentos nacionalistas que
pretendiam uma rápida emancipação. As respectivas elites coloniais (chamadas de pieds-noirs, pés negros em francês) ainda
procuravam manter o controle sobre as regiões mais ricas da colônia, obtendo
apoio dos setores conservadores da metrópole. O restante das possessões
africanas passaram por um lento processo de emancipação até 1977, quando todas
tornaram-se independentes.
No século XX, a imigração de contingentes vindos das colônias e pós-1960, a manutenção deste processo, mesmo com a emancipação destas colônias, preservou a dificuldade de integração destas populações na ex-metrópole (por mais que estivessem já estabelecidas, trabalhando e com filhos nascidos na França, portanto, franceses), tornando-as vítimas da exclusão socioeconômica, bem como do racismo e da xenofobia. A sociedade francesa sempre se orgulhou de seu Estado laico e da defesa das liberdades e da democracia.
As palavras "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" são um lema de ouro na França e estruturaram o pensamento ocidental nos últimos dois séculos. Desse modo, o atentado ocorrido seria na visão francesa, um modo de restringir a liberdade de imprensa e a democracia como um todo. Mas aos olhos islâmicos, representa a defesa dos valores de sua fé, já que a pessoa do Profeta ou a doutrina islâmica não devem ser criticados ou satirizados, soando como blasfêmia e assim, se tornariam passíveis de punição.
A força da expansão islâmica (religiosa e militar) pode ser entendida pela palavra jihad,
palavra árabe cujo significado é esforço, empenho e implica ação pacífica,
mas doutrinatória das populações não islâmicas, que deveriam se converter, entregando-se a Allah, após sincera reflexão moral e espiritual, pois
não se tratava apenas de uma opção religiosa, mas da
aceitação de um modo de vida que,
acompanhado da fé em Allah, conduziria o
convertido ao Paraíso.
No entanto, há um
desdobramento que significou entender jihad
como “guerra santa”, que segundo a explicação do historiador Christian Karam,
“teria um caráter violento e armado, seria de defesa ou ataque. Esta espécie de
jihad, que não se confunde com a jihad-esforço, dizia respeito à luta
armada contra os inimigos do Islã ou uma sociedade muçulmana rival, ou até
contra a própria ordem islâmica constituída.
A guerra santa de ataque ou defesa
era o único combate permitido pela lei islâmica (Charia) que a mantinha sob estrito controle. Ela deveria ser
precedida de um chamamento de adesão ao Islã ou de um tratado de paz, a fim de
tentar evitar o conflito, que, mesmo deflagrado, era conclamado publicamente e
declarado pela autoridade competente, mas sem atacar nem envolver pessoas que
não fossem combatentes. Por outro lado, a guerra santa de ataque seria
declarada como última e extrema opção diante do fracasso de uma política de
entendimento ou aceitação do Islã por meio da jihad-esforço.
É importante que lembremos de como, em
diferentes momentos históricos, a apropriação do discurso religioso pode se
tornar uma arma poderosa para a defesa de interesses menos nobres, especialmente
nas mãos dos extremistas, fato que ocorreu no Islã e noutras culturas também.
Lembremos que entre os
vários nomes ou títulos dados a Allah dentro do Islã, encontramos Paz: de salam, da qual temos tanto a origem para
Islã, como a formação da tradicional saudação árabe, Salam Maleikoum, que significa “a Paz esteja convosco” e é
retribuída com Al Aleik Salam, isto é “A
Paz esteja contigo”.
As recentes participações da França reprimindo extremistas muçulmanos no Mali(2013-14), bem como, o engajamento contra o Exército Islâmico no Iraque, além do apoio aos EUA no Afeganistão, colocam a França na linha de frente do foco de tensão que não se reduzirá de modo tão fácil e rápido e tal processo, pode por exemplo, projetar com maior intensidade os projetos políticos da extrema-direita francesa, num horizonte em que a sobrinha de Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional Francesa, Marine Le Pen se projete como a "salvadora da França" , numa espécie de "nova Joana D'Arc", vestida com o manto da xenofobia e radicalismo.
Vale lembrar que a islamofobia cresce, acompanhada de intolerância e violência.
Vale lembrar que a islamofobia cresce, acompanhada de intolerância e violência.
Tempos sombrios se colocam no horizonte, mas na noite de hoje, junto-me àqueles que defendem a democracia, a liberdade de expressão e consciência, bem como a defesa da tolerância, igualdade, paz e justiça.
"Je suis Charlie": eu sou Charlie, homenagem aos mortos na redação da Charlie Hebdo em Paris
Segue o link para a entrevista de Maud Chirio, uma colega e amiga historiadora, professora de História do Brasil Contemporâneo na França:
http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2015/01/09/historiadora-francesa-teme-que-obsessao-racista-tome-conta-da-sociedade/
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