terça-feira, 7 de abril de 2015

A montagem da colonização na América portuguesa (séc. XVI-XVII)

PERÍODO PRÉ-COLONIAL

A América portuguesa só era uma terra longínqua e desabitada aos olhos dos portugueses. Na realidade, era terra de milhões de índios (de diferentes culturas e formas de organização), que desconheciam a Europa e seus ideais expansionistas.

De qualquer forma, Portugal apossou-se do novo território exatamente no momento em que encontrava a rota para as ricas especiarias das Índias. Assim, não deu grande importância às terras americanas. O período entre 1500 e 1530 é denominado pré-colonial, pois, nele, só foram registradas as visitas de duas expedições exploradoras (1501 e 1503) e duas expedições guarda-costas (1516 e 1526). A única atividade econômica desenvolvida nessa época foi a exploração predatória de pau-brasil, obtido através de escambo (troca de mercadorias) com os índios.

Outros países europeus passaram, então, a se interessar pela exploração das terras que eram chamadas de “Índias Ocidentais” (América) - em especial França, Holanda e Inglaterra. Diante das incursões de corsários franceses, que também praticavam o escambo com os índios, o governo português foi obrigado a mandar uma expedição colonizadora para tomar posse do território. Essa expedição, comandada por Martim Afonso de Souza, partiu de Portugal e fundou a Vila de São Vicente (1532), onde introduziu o cultivo da cana-de-açúcar.

OCUPAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO

A colonização da América portuguesa por Portugal sofreu influência de diversos fatores, que diferenciam a ocupação dessas terras de qualquer outro modelo desenvolvido no continente. A manutenção das possessões portuguesas no Oriente exigia grandes contingentes populacionais. As febres e guerras dizimavam essa população, que tinha que ser continuamente reposta, por isso, colonizar a Terra de Santa Cruz, utilizando o latifúndio e a mão-de-obra escrava, não criaria para Portugal o risco de ter sua população drasticamente diminuída.

Viajar até o Novo Mundo era um grande risco, tanto que muitos portugueses morriam nas travessias marítimas, vitimas de acidentes, tempestades, lutas com piratas e escorbuto (doença provocada por deficiência de vitamina C, que ocasiona hemorragias e pode levar à morte). E fora os colonos que para cá vieram que eram degredados, isto é, presos condenados à expulsão do reino, ficando confinados nas regiões mais distantes..

Era vedado à nobreza exercer "ofício mecânico" (trabalhar com as mãos), bem como o "comércio a retalho" (comércio varejista). Aos filhos da famílias nobres, ficava reservada as carreiras militar, eclesiástica e do alto funcionalismo público, na administração do Império. Em outras palavras, ao contrário do espírito empreendedor que os puritanos (calvinistas) desenvolveram posteriormente no século XVII na América do Norte, os lusitanos não cultivavam o trabalho como algo digno, muito pelo contrário. O trabalho manual era visto como castigo e reservado para escravos e empregados subalternos.

Os postulantes a cargos públicos ou a títulos de nobreza deviam comprovar, através de atestados de pureza de sangue, que não descendiam (pelo menos nas últimas três gerações de sua família) de judeus, muçulmanos ou pessoas que tivessem passado pelo exercício de ofício mecânico. Dessa forma, todo aquele que pretendesse ascender à nobreza deveria se manter longe do trabalho braçal.

Sob todas estas condições, Portugal lançou mão de um artifício que já havia alcançado bons resultados em ilhas do Atlântico e foi oficialmente introduzido aqui em 1534. Nesse ano, por ordem do rei Dom João III, o Brasil foi dividido em 15 faixas perpendiculares à linha da costa, criando-se, assim, as capitanias hereditárias.



O objetivo básico era delegar a particulares a tarefa de colonizar a América Portuguesa, uma vez que tal empreitada mostrava-se muito dispendiosa. O capitão-donatário (responsável pela capitania) recebia as terras através de um documento chamado Carta de Doação, e havia uma série de direitos, estabelecidos pela Carta de Foral, dentre outros:
-       distribuir lotes de terra, as sesmarias, aos colonos de sua confiança;
-       fundar vilas;
-       impor a justiça;
-       escravizar os habitantes nativos;
-       cobrar impostos;
-       catequizar os indígenas e impor a religião católica.

Apesar de ter a posse de fato das terras, era vedado ao donatário vender a capitania, pois a propriedade de direito era do rei de Portugal. Desta forma, as capitanias constituíram-se num regime politicamente descentralizado, fundado em unidades autônomas e que, se numa certa medida, lembram a estrutura política do feudalismo, economicamente visavam à exportação para a metrópole, no caso, Portugal.

A medida não atingiu resultados satisfatórios, uma vez que somente as capitanias de São Vicente, administrada por Martim Afonso de Souza, e Pernambuco, sob a responsabilidade de Duarte Coelho, puderam prosperar devido ao sucesso da cultura canavieira. As demais, entregues à pequena nobreza portuguesa ou a cristãos-novos, não atingiram sucesso por vários motivos, seja pelos ataques indígenas, seja pela falência dos donatários ou simplesmente por causa do desinteresse da parte de outros nobres que sequer chegaram a viajar para a colônia.



Em 1548, através do Regimento, instituído por Dom João III, foi criado o primeiro Governo-Geral do Brasil, com o objetivo de auxiliar as capitanias e representar o rei na colônia. O primeiro titular desse cargo foi Tomé de Souza, que trouxe consigo colonos, degredados, as primeiras cabeças de gado e escravos africanos. Com o governador, chegou também um pequeno grupo de jesuítas, comandado por Padre Manuel da Nóbrega, que criou o primeiro colégio da colônia, na recém-fundada cidade de Salvador. Seus auxiliares diretos ocupariam os cargos de ouvidor-mor (responsável pela aplicação da justiça) e provedor-mor (responsável por todos os negócios ligados à Fazenda Real).

Durante o governo de Tomé de Souza, a escravização de índios ganhou novos critérios, determinando-se que só a partir da “guerra justa” (ataques de portugueses a índios que se mostraram hostis) os nativos poderiam ser escravizados.
O segundo Governo-Geral, comandado por Duarte da Costa (1553/58), foi marcado por atos autoritários e sofríveis. O filho do governador-geral, Álvaro da Costa, por liderar uma campanha pela livre escravização dos índios, desentendeu-se com o Bispo Pero  Fernandes Sardinha, que tentou regressar a Portugal para comunicar ao rei os despropósitos praticados na colônia. Acabou falecendo no litoral nordestino, devorado por índios antropófagos após o naufrágio de seu navio.



Mesmo assim, com idas e vindas do governante, várias vilas foram fundadas; uma delas no planalto da capitania de São Vicente, chamada inicialmente de São Paulo de Piratininga. Essa cidade fiou praticamente isolada de outras vilas, uma vez que, para chegar até ela, era necessário ultrapassar a “muralha”, nome pelo qual os exploradores se referiam à atual Serra do Mar.
Nesse mesmo período, ocorreu a invasão de franceses  huguenotes (calvinistas) no Rio de Janeiro, liderados por Nicolau de Vilegaignon. O sucesso dos franceses deveu-se a uma eficaz aliança com os indígenas locais, criando a Confederação dos Tamoios. Tal situação foi fruto da inabilidade política do governador que, ao permitir a livre escravização de indígenas, ameaçou inclusive tribos que outrora eram aliadas dos portugueses. Os franceses fundaram a França Antártica em 1555 e uma fortificação na atual Baía de Guanabara (Forte Coligny) e, a partir daí, os portugueses sofreram várias derrotas na tentativa de expulsar os invasores. O governo de Duarte da Costa foi um fracasso no sentido de resguardar a autonomia territorial.

Essa união de franceses e indígenas tamoios só foi derrotada durante a presença do terceiro governador-geral, Mem de Sá (1558/72). Em 1567, seu sobrinho, Estácio de Sá, aliou-se ao cacique Arariboia e alguns índios que mantinham rivalidades com os tamoios. Mais ao sul, na região de Iperoig (Ubatuba), foi fundamental a intervenção dos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta,  que se infiltraram entre os índios, convencendo-os a mudar sua posição de se manterem aliados aos franceses. Anchieta chegou a ser aprisionado pelos indígenas, mas estes, temendo o poder bélico luso, decidiram ajudar na expulsão dos invasores. Após serem vitoriosos nos embates contra os comandados de Vilegaignon, os portugueses construíram um forte, batizando a localidade com o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Entre 1612 e 1615, os franceses voltaram a ocupar o Brasil, desta vez no litoral nordestino: primeiro Sergipe e Paraíba e, depois, Maranhão, onde fundaram a cidade de São Luís, que seria a capital da França Equinocial. Porém, forças luso-brasileiras, lideradas por Jerônimo de Albuquerque conseguiram, mais uma vez, expulsar os invasores. Essa mesma força militar chegou a rumar mais para o norte, com o objetivo de conquistar o Pará. Em 1816, foi construído o Forte do Presépio, que deu origem a cidade de Belém.

Após o governo de Mem de Sá, uma nova experiência foi colocada em prática na administração colonial portuguesa. O Brasil foi dividido em dois grandes Estados. Maranhão (ao norte) e Brasil (ao sul), com o objetivo de garantir que as duas regiões pudessem ser melhor observadas. Os portugueses tentavam enfrentar o problema de controlar um território tão extenso quanto as dificuldades para ocupá-lo.



Nesse período, a principal fonte de renda na colônia continuava a ser o pau-brasil retirado da mata atlântica, de norte a sul do litoral. Com o Governo-Geral, cresceu a agricultura da cana-de-açúcar e os primeiros engenhos movidos à mão, a boi e, posteriormente, com energia hidráulica. A agricultura desenvolveu-se, principalmente, na zona da mata nordestina. Ali, originou-se uma sociedade agrária, com divisão em senhores de engenho, moradores da casa grande e escravos, habitantes da senzala. Havia também os agregados, que eram brancos pobres, em geral parentes do senhor de engenho, que se colocavam sob sua proteção.
Sintetizando, o governo-geral representou o deslocamento de poderes e atribuições concedidos aos donatários para outro órgão, que estabeleceu na colônia o poder metropolitano, intervindo diretamente no processo de colonização, racionalizando-o, centralizando-o e tornando-o mais eficiente.

No Brasil colonial, os municípios apresentavam a mesma estrutura jurídica que os da metrópole. Fundar cidades era uma necessidade do povoamento e da defesa da terra, além de tornar práticas a tributação e a arrecadação. Porém, as dimensões gigantescas da colônia geraram um distanciamento entre colonos e o poder central, dando uma certa “independência” para as cidades, que passaram a lutar para resguardar seus interesses. É nesse bojo que nasceram as Câmaras Municipais, com a função de organizar as vilas e povoados. Tais Câmaras ganharam força e prestígio, defrontando-se frequentemente com a administração central. Os vereadores eram escolhidos junto ao voto dos "homens bons", que nada mais eram do que grandes proprietários de terra.

Pode-se, então, chegar a uma série de conclusões. Essa política portuguesa de ocupação das terras sempre privilegiou a grande propriedade rural, que era adquirida a partir de doações e não de compra. No longo prazo, ficou fácil perceber que essa política impediu a democratização do acesso à terra, criando uma espécie de linhagem de latifundiários que, devido às dimensões da colônia e às dificuldades para o governador-geral impor-se, não encontraram dificuldades para estabelecer seu poder local, muitas vezes com uma violência e um despotismo que em nada deviam às autoridades metropolitanas, como veremos mais adiante.


A “catequização” dos índios

O ato de catequizar consiste na doutrinação, em práticas devocionais e no próprio comportamento pessoal. No Brasil colonial, isso foi claramente usado para “aportuguesar” os índios, ou seja, para arranjar um lugar e um papel para os indígenas de acordo com a organização da sociedade portuguesa. Os representantes para tal fim, os jesuítas, percorriam o território brasileiro levando a mensagem divina e convertendo os índios que, caso se rebelassem, sofriam duras penas. Este processo foi unilateral, não havendo tempo para o índio assimilar tal conjectura social, somente para compreender, e na prática, que não era possível combater os portugueses, que dizimavam constantemente sua cultura.




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