Ter, na América Latina um governo socialista além de Cuba,
era uma ousadia tremenda naqueles tempos quentes da dita "Guerra
Fria" e nesse caso, a eleição da coalizão de esquerda que democraticamente
levou Salvador Allende ao poder no Chile em 1970, se configurou como uma ameaça
à zona de influência dos EUA.
A tradição política chilena, ao longo do pós-45, fora de uma
constante valorização da direita conservadora, ciosa pelos valores cristãos e
pelo resguardo das posturas liberais ( economia de mercado e propriedade
privada), fazendo com que os clamores por melhoras no âmbito social fossem
postos de lado, já que a valorização da iniciativa privada e do capital eram a
via tida por " segura" naqueles tempos polarizados.
Allende aparecera num tour de force que vinha da violenta
pressão sobre a Cuba de Fidel Castro, desde 1961 e a execução do guerrilheiro
argentino Che Guevara, nas montanhas da Bolívia em 1969.
O Cone Sul estava infestado de regimes autoritários, as
eleições daquele ano de 1970 bastante disputadas e acompanhadas com muita
atenção pelos EUA , governados por Richard Nixon, através de seus agentes da
CIA, que estavam articulados com os segmentos conservadores, buscando atingir
Allende.
A figura de Allende era bastante forte na política nacional
(desde 1945 era senador, sendo que de 1939 a 1942 fora ministro da Saúde),
sendo que já tinha sido derrotado anteriormente em 3 eleições ( 1952,
1958 e 1964).
Allende se elegera com 36,2% dos votos pela União Popular,
derrotando o conservador Jorge Aleksandri com 34,9% dos votos na candidatura
que representava os setores da direita.
A oposição a Allende tinha grande apoio de segmentos da mídia e com isso, uma franca campanha de desestabilização foi iniciada, provocando o acirramento das diferentes correntes pró e contra Allende.
A nacionalização dos bancos e das minas de cobre , de reforma agrária , gerara apreensão no setor privado, a classe média encontrava-se pressionada pela estagnação da economia, perda do poder de consumo, alta da inflação e desemprego e ainda se sentiam aterrorizados pelas ações do grupo terrorista " Pátria y Libertad", grupo radical de direita que contava com apoio dos EUA.
Demonstrar que a instabilidade crescente era fruto da incompetência de Allende e da chamada " via chilena ao socialismo" foi o objetivo principal dos setores conservadores, especialmente a elite, a Igreja chilena, os industriais, agro-exportadores e começava a minar a lealdade das Forças Armadas.
No intuito de estrangular a economia chilena, os EUA incitaram suas empresas a deixarem de negociar com o Chile e se possível, aquelas que ainda tivessem representação lá, deixassem o país, colaborando em muito para o desabastecimento, favorecendo a alta inflacionária e o descredito em relação a Allende.
A extrema esquerda, por sua vez, tinha o grupo
"MIR" (Movimento de Esquerda Revolucionário) que buscava se colocar
como uma defesa ao projeto de Allende e nesse contexto, os enfrentamentos foram
crescentes com os críticos ao governo.
Nixon fora taxativo: "Salvem o Chile!". Dessa forma, o processo de estrangulamento econômico, acompanhado da injeção de recursos para a oposição visava construir o caos.
A primeira tentativa de golpe contra Allende foi detida em 29 de junho de 1973, quando um grupo de tanques dirigia-se ao Palácio de La Moneda e fora detido pelo general Carlos Prats, que sufocando o golpe, buscara Allende para que fosse feita a declaração de Estado de Sítio, que fora solicitada ao Congresso, mas negada, já que Allende não tinha a maioria ali e Allende discursara dizendo que não fecharia o Congresso por sua própria conta
Desde 1972, o general Augusto Pinochet, tornara-se general-chefe do Exército, fazia parte do gabinete militar de Allende, parecia ser apolítico e completamente leal ao governo, portanto, naquela altura trata-se de "lobo em pele de cordeiro".
Dessa forma, pela tensão e polarização interna do Chile,
atingido pela escassez de alimentos, alta dos preços e um riquíssimo "
mercado negro" que não parava de enriquecer uma minoria de privilegiados,
colocava a população nas ruas, clamando a favor e contra o governo, somando as
pressões da imprensa controlada pela oposição e as ações subterrâneas da CIA,
com o total aval de Nixon, um golpe de Estado era questão de tempo.
O bombardeio do Palácio de La Moneda
Allende (usando capacete) durante o bombardeio do Palácio de La Moneda
Na manhã de 11 de setembro de 1973, começou o levante contra Allende que estava na sede do governo e precisara ali se defender do cerco feito. O general Carlos Prats preservara sua lealdade a Allende, uma minoria tivera a mesma posição, mas o grosso das Forças Armadas se encontrava sob a liderança de Pinochet, o qual ordenara o bombardeio aéreo do Palácio de La Moneda, já cercado pelas tropas golpistas.
Allende tentou resistir, mas perante sua inevitável prisão ou possível execução, suicidou-se por volta das 14:15, sendo assim, uma junta militar assumiu o poder, liderada por Pinochet e ali começou o processo repressivo: prisões dos opositores, execução dos resistentes, censura com direito a queima de livros, além da reorganização de todas as instituições (privadas ou públicas) que tiveram qualquer atitude de apoio a Allende.
O "todo poderoso" General Pinochet e a Junta Militar que depôs Allende
A ditadura de Pinochet se estendeu até 1989 e estima-se que tenha deixado cerca de 50.000 mortos, sendo aí computados chilenos e estrangeiros considerados subversivos.
O general Pinochet, pela defesa de seus ideais, ingressou na
seleta lista de " criminosos contra a Humanidade", pois seu governo
promovera inúmeras ações de perseguição e extermínio como as " Caravanas
da morte", responsáveis pela execução de milhares de opositores, muitos
por exemplo no famoso Estádio Nacional de Santiago, além de colaborar com as
outras ditaduras do Cone Sul na famosa " Operação Condor", que
integrou os serviços de inteligência dos regimes militares do Brasil,
Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, para a troca de informações sobre
subversivos em seus respectivos territórios, bem como a comum autorização para
ações de sequestro e execução dos mesmos, como por exemplo, a morte do general
Prats, exilado em Buenos Aires, num atentado à bomba em 30 de setembro de 1974.
Apesar da tentativa do juiz espanhol Baltazar Garzon no ano
de 1998, em expedir um mandato internacional de prisão, visando
extraditá-lo da Inglaterra para a Espanha, para julgá-lo pela morte de cinco
cidadãos espanhóis no Chile durante seu governo, Pinochet, em virtude de seu
estado de saúde debilitado, conseguiu escapar do julgamento, mas ficara detido
em prisão domiciliar por 503 dias na Inglaterra. Pinochet teve que abdicar do
mandato de senador vitalício em virtude da sua declaração de
"insanidade" pelo seu advogado de defesa.
Pinochet morreu em 2006, ironicamente no dia 10 de dezembro que é
dedicado pela ONU como o Dia Internacional para os Direitos Humanos e dos Povos
Indígenas.
Sugestões do Gabinete:
Machuca. Direção: Andrés Wood, 2004: um
poético depoimento cinematográfico sobre a perda da inocência de um jovem
pré-adolescente que vê sua vida, família e país mudarem naqueles conturbados
momentos de 1973, onde Gonzalo Infante, aluno do prestigiado colégio St-Patrick
começa aprender sobre a convivência e as diferenças entre os modos de vida de
sua família e de um novo colega Pedro Machuca, um espelho das tensões do seu
pais.
Dawson, ilha 10. Direção: Miguel Littin, 2012:
No início do golpe, os ministros e autoridades
depostas tornam-se presos políticos dos militares e são levados para a gelada
ilha Dawson, no extremo sul do país, utilizada como campo de concentração da
ditadura chilena. Os presos políticos foram submetidos a violentos
interrogatórios, trabalhos forçados, constantes torturas físicas e
psicológicas.
Salvador Allende, Direção: Patrício Guzman,
2004: Em 11 de setembro de 1973, um golpe militar de
Estado abate a revolução do Chile eliminando o presidente eleito Salvador Allende. O diretor Patricio Guzmán ressuscita o
presidente deposto, figura carismática levada ao suicídio e cuja ditadura
tratou de apagar a memória. Como é recordado nos primeiros momentos do filme,
já não ''resta nada, ou quase nada, de Salvador Allende''. Somente um pedaço de
óculos quebrado e alguns papéis encontrados sobre seu corpo sem vida. Em uma
homenagem emocionante, Guzmán rende a esta personalidade farol do século 20 uma
homenagem ao mesmo tempo íntima e distante, propondo uma reflexão sincera sobre
certo ideal político.
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