terça-feira, 17 de junho de 2014

Parte I - Renascimento: a transição do mundo medieval para o mundo moderno

Uma série de fatores proporcionou a ocorrência do Renascimento a partir da Baixa Idade Média. Inicialmente, houve o renascimento comercial, isto é, a generalização do comércio pela Europa, fenômeno que se tornou irreversível desde a abertura do Mediterrâneo. Isso tudo foi acompanhado pelo renascimento urbano, que implicou o surgimento de novas cidades e uma série de funções para elas; a cultura renascentista foi essencialmente urbana.

"Mercador e sua esposa", Quentin de Metsys, c. 1514 - Museu do Louvre, Paris - França


Ocorreu também o surgimento e a ascensão dos mercadores, ligados principalmente ao comércio marítimo. Para que isso acontecesse, foi necessária a centralização do poder em algumas partes da Europa, o que favoreceu a redução do poder da Igreja e das ideias que condenavam o comércio de maneira geral. Tais mercadores, enriquecidos, passaram a viver em palácios tentando igualar-se à nobreza de sangue. Passaram, então, a praticar o mecenato, ou seja, a abrigar, financiar e incentivar artistas, tornando-se protetores das artes. Estes artistas entraram em contato com a herança do Império Romano presente em esculturas, pinturas, obras arquitetônicas e literárias espalhadas por toda a Península Itálica.

Outro fator impulsionou o Renascimento foi que, com a queda de Constantinopla, que passava às mãos dos turcos, muitos sábios bizantinos fugiram para o Ocidente, encontrando refúgio nos palácios dos burgueses e dos nobres italianos. Não se pode esquecer de que, em Constantinopla, se consolidou a presença de centros de estudo, assim, os textos clássicos ainda eram lidos, e o latim e o grego eram línguas correntes entre poetas e literatos.

Aos burgueses interessava duplamente financiar os artistas da época, pois, ao mesmo tempo em que ascendiam socialmente dentro da Itália, divulgavam seus nomes e sua grandeza até mesmo nos países distantes. O patrocínio dado às artes favorecia a distinção e prestígio da burguesia, a qual era bastante ansiosa em se igualar à nobreza, porém esta última não se sentia muito feliz com esta aproximação.

O RENASCIMENTO E O CONTEXTO HISTÓRICO

Durante a Baixa Idade Média ocorreu o renascimento comercial e urbano, o qual favoreceu em especial algumas regiões da Europa como a Flandres (região que hoje compreende Bélgica e Holanda) e o norte da Itália em virtude da intensa atividade comercial. Neste momento , começou o fortalecimento do poder monárquico em detrimento da nobreza, mas tanto na Itália não se formou uma monarquia nacional centralizada, uma vez que constituíam regiões dominadas por pequenos Estados sob o controle da burguesia (as Repúblicas de Florença,Gênova, Lucca, Siena e Veneza);da nobreza (os Ducados de Milão, Módena, Ferrara, Savóia) e da Igreja (região central da Itália). A região de Flandres era uma possessão dos Duques de Borgonha (passando no final do século XV para o domínio dos Habsburgo) e era dotada também de intensa atividade comercial, tendo porém uma burguesia desinteressada em nobilitar-se como era o caso da italiana, valorizando portanto, sua posição de mercadores e comerciantes.

Lorenzo di Medici, "il Magnifico", governante de Florença entre 1469 e1492.


O enriquecimento das cidades italianas fez com que as famílias burguesas que controlassem o governo das comunas a partir do podestá (líder político) que tinha sob seu controle um exército de mercenários liderados pelo condottieri (chefe de armas ou capitão de guerra). Em Veneza , porém, havia a figura do doge (chefe da República) apoiado pelo senado e pelo temível Conselho dos Dez (órgão sigiloso, com poderes de vida e morte sobre os cidadãos, composto por membros da aristocracia veneziana).

Destacaram-se como importantes membros da burguesia italiana os Médicis em Florença, os Baglioni em Perúgia e os Bentivoglio em Bolonha; em algumas cidades os próprios condottieri controlavam o poder como os Sforza em Milão.



ITÁLIA: O "BERÇO DO RENASCIMENTO"

O Renascimento tem como seu "berço" a Península Itálica devido a um conjunto de fatores que favoreceram sua formação. Em primeiro lugar, o fato de ter sido o centro do Império Romano e guardar milhares de ruínas e resquícios da cultura greco-romana, como templos, estátuas, prédios públicos e dessa forma, os italianos tinham uma convivência muito próxima com seu "glorioso passado". Em segundo lugar, o enriquecimento proveniente do comércio mediterrâneo que permitiu aos burgueses o investimento nas artes, sendo denominados mecenas, com o objetivo de legitimar sua posição na sociedade e buscar uma visão de mundo que se relacionasse com seu modo de vida, rompendo portanto, coma visão de mundo medieval, na qual eram simples trabalhadores inferiorizados pela nobreza e clero. O mecenato, no entanto, não ficou restrito aos burgueses, pois nobres, papas e príncipes também o fizeram.

Um fator muito importante foi a sobrevivência de muitos textos clássicos através da sua conservação em bibliotecas de mosteiros e abadias que foram copiados e traduzidos por monges copistas, do intercâmbio entre sábios bizantinos e também pela ação dos árabes na tradução e divulgação de vários textos, como por exemplo o estudo de Aristóteles realizado em Córdova por Ibn Rushd (conhecido no Ocidente como Averróis que viveu entre 1126 e 1198).

Averróis num detalhe do afresco "Escola de Atenas" de Rafael Sanzio, Museus do Vaticano.


A sobrevivência dos elementos da cultura clássica pode ser relacionado com sua redescoberta a partir do interesse dos intelectuais pelos studia humanitatis (estudos humanos que incluíam filosofia, poesia, história, matemática , eloqüência e o perfeito domino do latim e do grego) , pois não se buscou a mera repetição dos modelos antigos, mas sua reinterpretação à luz de sua época e dessa forma constituiu-se o humanismo.

Neste contexto, destaca-se a obra de Dante Alighieri (1265-1321) A Divina Comédia, poema épico composto por três partes (Purgatório, Inferno e Paraíso), escrito em tercetos com versos decassílabos, totalizando 100 cantos e totalmente escrito em dialeto toscano, o qual futuramente daria origem a língua italiana. Apesar de inovadora, a Divina Comédia ainda trazia vários elementos da cultura e visão de mundo medieval, representados pela hierarquia, linearidade e imobilidade, tendo porém, uma perspectiva que ressalta o valor humano, pois a passagem de Dante pelo Inferno e pelo Purgatório não deturpa seu caráter, ao contrário, reafirma-o.

Afresco de Domenico de Michellino, c.1465, Catedral de Santa Maria dei Fiore - Florença, Itália.


O CONCEITO DE RENASCIMENTO

O conceito de Renascimento vem da palavra italiana renascitá, pois se acreditava que o período anterior, a Idade Média, fora uma "espessa e longa noite gótica" imersa nas trevas e desprovida de cultura. Para os homens deste período, a "verdadeira" cultura encontrava-se na Antiguidade, a qual foi banida e em seu lugar a Igreja Católica estabeleceu o teocentrismo. O saber, portanto, encontrava-se nas artes e nos escritos clássicos.

Dessa forma, os artistas e intelectuais buscavam uma concepção de cultura diferente da medieval e que tinha suas raízes no mundo greco-romano. A proposta central era afastar-se do teocentrismo, buscando o antropocentrismo, ou seja, o homem como medida de todas as coisas.

Ao pensarmos o conceito de Renascimento, a questão mais importante é pensa-lo como uma releitura de um pensamento que aparentemente teria desaparecido e seria recuperado pelos estudiosos. Tal idéia tinha força, porque os homens da época entendiam por arte os modelos da cultura clássica, os quais desapareceram durante o medievo e portanto precisavam ser recuperados, segundo Giorgio Vasari (1511-1574) e Leon Battista Alberti (1404-1472), ambos artistas renascentistas e importantes personagens na criação dos conceitos renascimento e homem universal (l’uomo universale), respectivamente.

Apesar desta repulsa à Idade Média, é importante perceber que as transformações sofridas durante o Renascimento foram resultados de um processo de continuidade que perpassou o medievo e atingiu seu esplendor no momento seguinte, portanto, não se pode considerar a Renascença como uma ruptura total, mas a mudança de largo processo de experimentação e transformação. 




A partir da reabertura do Mediterrâneo após as Cruzadas (séc. XI-XIII), a Europa assistiu uma intensa transformação das relações sociais e do modo de vida, pois as cidades voltaram a crescer e se tornaram o centro das atividades comerciais através da atuação dos burgueses. A burguesia era um grupo oriundo da ordem dos trabalhadores e portanto, não possuía a legitimidade como a nobreza ou o clero, os quais controlavam a vida dos demais .

No que diz respeito a prosperidade italiana, esta era relacionada com o monopólio do comércio de especiarias com o Oriente, tendo se destacado as cidades de Gênova, Veneza, Florença e Pisa. Estas cidades controlavam a venda de especiarias dentro da Europa e também a sua compra com os árabes e turcos no Mediterrâneo.

Visão de Florença no séc. XV

Visão de Veneza séc. XVI

Visão de Gênova séc. XV



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