sábado, 28 de fevereiro de 2015

Fanatismo e intolerância: a destruição da História praticada pelo Exército Islâmico

É saber sabido para a maioria dos historiadores que "a História é contada pelos vencedores", salvo exceções, o controle sobre o passado acaba por servir como um legitimador de um grupo, partido ou corrente religiosa e nesses casos, as vozes dos "vencidos" são caladas. Observemos também que o "vencido" pode assumir as posições e ideias do "vencedor", mas precisamos estudar caso a caso, sem generalizações grosseiras.

Os exemplos são vários: quando os romanos se expandiram pela bacia do Mar Mediterrâneo e dominaram entre 509 a.C. e 395 d.C., terras na Europa, África e Ásia, várias culturas foram assimiladas e romanizadas, como cantava o famoso poeta Virgílio na Eneida: "Poupar submissos, debelar soberbos". Obviamente, a cultura romana recebeu influências de outras culturas, mas poderíamos dizer que fora numa escala desproporcional. Aliás, a base linguística, a estrutura de leis e a organização do tempo seguidas na maior parte do Ocidente, entre outros exemplos, são de origem romana.

No entanto, no seio do Império Romano, uma seita marginal se transformou na religião imperial num espaço de três séculos e dessa forma, a cristianização de Roma destruiu aquilo que foi rotulado como "cultura pagã" ou pelo menos, assimilou através da releitura de tradições e costumes, mas o cristianismo detinha a hegemonia. Justamente na transição do Império para o Cristianismo, a Biblioteca de Alexandria foi vítima de mais um ataque em virtude da associação direta de sua existência com as crenças pagãs e assim, foi em nome da fé que o bispo Teófilo de Alexandria ordenou a sua destruição, junto dos ídolos e altares dos deuses, que a partir do Édito de Tessalônica em 391 d.C., tornaram-se ilegais, dando lugar aos altares dos templos cristãos.

Ressalta-se aqui um dado importantíssimo: em virtude da ascensão do Cristianismo e de seu papel na sociedade romana, o poder político conseguiu subverter a própria doutrina que foi sendo contrariada ao passo que seus líderes buscaram o conflito a intolerância, gerando mais dor e sofrimento, num contexto que deveria ser o oposto, uma vez que a mensagem de Jesus é a defesa da justiça, da liberdade, da paz e do amor ao próximo, cabendo aquele que foi ofendido nunca reagir, mas sim oferecer a outra face. Infelizmente, estas premissas ficaram para trás quando o poder e a força falaram mais alto, tendo como justificativa a defesa da fé e de Deus.




Ratos, insetos e tensões políticas sempre foram grandes inimigos das bibliotecas, dificultando sua conservação ou ainda, sob as “luzes das tochas” idéias muito mal iluminadas resolveram atentar contra o conhecimento, sob as justificativas mais bizarras ou “mais nobres”, preferindo a queima do livro, para cegar e emudecer mais a Humanidade.

Os seguidores de Maomé (570-632) dominaram diferentes territórios e culturas, tudo aquilo que fosse contrário ao Islã era destinado à destruição. 



Portanto, a postura expansionista islâmica não era em nada diferente das ações cristãs contra a cultura pagã ou se olharmos em outros momentos, o processo de destruição e aculturação promovido pelos europeus durante a conquista e colonização do Novo Mundo (séc. XV-XVIII) ou do movimento neocolonialista europeu focado na África, Ásia e Oceania.

No momento atual, assistimos mais uma vez, a ascensão de um grupo (o Exército Islâmico do Iraque e Levante - ISIS em inglês) que se impõe em áreas no leste da Síria e no norte do Iraque e ali instituiu aquilo que a seu ver é o "correto": destruição dos inimigos e de sua cultura, respeitando a premissa de que a Charia (Lei Islâmica) deve controlar a vida de todos. Caso haja entre eles os chamados "infiéis", imponha-se a conversão ou do contrário, pratica-se a destruição. Isso não é uma novidade completa.



Em março de 2001, quando o Taliban ainda controlava o Afeganistão, um conjunto de estátuas de Buda esculpidas num paredão de rocha (datadas do séc. V d.C. na região de Bamiyan) foram destruídas por representarem "idolatria" e assim, seguindo a Charia, os talibans as explodiram. Atualmente, o governo do Japão tem financiado sua reconstrução desde 2006.

Reconstrução de um dos Budas de Bumiyan - Afeganistão 


Nesta semana, assistimos a destruição do Museu de Antiguidades de Mosul e de sua Biblioteca Pública (inúmeros livros, incluindo manuscritos raros foram destruídos): estátuas do período assírio (séc. VIII-VII a.C.) com golpes de marreta e furadeiras. Vejam os links abaixo:




https://www.youtube.com/watch?v=2ai33CUg5oY

Alguns poderiam pensar, de modo mais limitado, que não é um problema que nos atinge, porém a dimensão da questão é outra: trata-se de uma parcela significativa de História da  Humanidade e não exclusivamente do Iraque que está sendo destruída. Obviamente que tem valor para a cultura local, mas também tem para o resto do mundo, portanto, é inadmissível aceitar tal conduta. 

O discurso radical e intolerante não desapareceu em diferentes partes do mundo, querendo usar argumentos nobres para mais uma vez, calar, censurar e até exterminar tudo aquilo que é tido por “diferente”, que dentro desta lógica se torna sinônimo de “perigoso” e por isso deveria ser proibido ou destruído, segundo os delírios radicalizantes da intolerância, fato que sempre representam uma grave perda para a Humanidade.


Precisamos de luz (Conhecimento) para iluminar nossas ações e decisões, mas que sejam sempre pautadas na dignidade, na liberdade, igualdade, justiça e na tolerância entre todos, independentemente, de qualquer condição (crentes e discrentes), dentro deste complexo universo que hoje já soma mais de sete bilhões de indivíduos.






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