O Dia dos Namorados é mais uma data de caráter comercial que, como as outras, tem um grande apelo emocional já bastante estabelecido, afinal, entre o "Dia das Mães" e o "Dia dos Pais", não havia nenhuma grande data para o comércio fazer girar os seus lucros e dessa forma, aproveitando a tradição portuguesa da Festa de Santo Antônio no Dia 13 de junho, foi ali estabelecido o Dia dos Namorados no Brasil.
Vale lembrar que, no hemisfério norte, a data é 14 de fevereiro, dia do martírio de São Valetim, um bispo cristão que continuava a realizar casamentos apesar de uma proibição imposta pelo imperador Cláudio II(268-270) aos cidadãos romanos naquele período de guerras, pois o imperador entendia que, solteiros lutavam com mais empenho dedicação que os casados. Com a cristianização do Império Romano, a Igreja estabeleceu a festa de São Valentim no dia 14, aproveitando também, o fato de noa dia 15 de fevereiro existirem as "Lupercais", festas dedicadas a Juno, esposa de Júpiter, deusa associada ao casamento e a fertilidade.
Vitral da Igreja de Terni, ao norte de Roma, onde foi sepultado São Valentim
No caso brasileiro, a véspera do dia de Santo Antônio é acompanhada dentro da cultura popular de uma série de rituais, conhecidos como "simpatias", cujo objetivo é obter o nome do "futuro amado(a)" ou então, através da "ajuda" de Santo Antônio, fazer com que determinada pessoa se "apaixone" pelo solicitante e nesse processo, tem-se o costume de submeter uma imagem de Santo Antônio a uma série de "tormentos": colocá-la de cabeça para baixo num copo com água, amarrar a estátua com cordas ou ainda, "esconder o Menino Jesus" do santo, já que em algumas imagens , o Menino Jesus carregado pelo Santo é móvel. Portanto, a imagem do santo é submetida à "tortura, extorsão e sequestro" e na crença popular, espera-se que em virtude de tudo isso, o santo "atenda" a solicitação do fiel.
Muito bem, nessa mistura toda, unindo a cultura popular aos diversos elementos pagãos, somando a tudo isso, a devoção ao "Santo casamenteiro", pois Antônio durante suas pregações sempre exaltou a importância do Amor e daí, o apelo do fiéis por sua intercessão, a data acabou se consolidando e desse modo, os namorados, noivos, casados e "outras" inúmeras categorias de relacionamentos amorosos ficaram felizes, bem como, os comerciantes.
Mas, ao falarmos de fé no Brasil, existe o dogma do futebol. Uma devoção intensa e que ao longo do século XX, se estabeleceu como traço da identidade cultural e chegou ao status de "manifestação do patriotismo". Parar tudo para assistir a Seleção Brasileira ganhou a dimensão de culto, algo tão sagrado como outros eventos da fé, seja o Natal, a Páscoa ou o dia de Yemanjá ou então a lavagem das escadarias da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim.
Foi durante o século XX que o futebol foi deixando de ser um esporte de elite, que se atribui para nós a influência possivelmente trazida pelos ingleses (football) ou pela ação de um brasileiro, Charles Miller, que o trouxera para cá nos fins do século XIX e daí para cá, foram surgindo os clubes, os jogos de caráter semi-profissional até que ganhou uma dimensão bastante marcante, de norte a sul do Brasil, os campeonatos estaduais e nacionais deram fôlego para a formação de times, de jogadores, de federações estaduais e disso, surgiu a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) em 1914 e mais tarde, em 1979, transformou-se na CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Ontem, tecnicamente foi o "Dia dos Namorados", mas em virtude do início da Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil, o conflito comercial foi inevitável. A devoção pela "Seleção" e seus "craques" foi bastante intensa no tingir as ruas de verde-amarelo, seja nas roupas de muitos, seja nas decorações de casas, ruas e fachadas. Com certeza, devem ter ocorrido as tradicionais comemorações, mas não era um clima de "o amor está no ar".
A fé demostrada nos jogadores e na busca do hexacampeonato, somado à declaração de feriado municipal, fizeram da quinta um domingo: sol, com bares lotados, casas preparadas para receber os convidados na célebre forma churrasco e cerveja, além de outras possibilidades, obviamente, muitos fogos e buzinas, no melhor exemplo da "Pátria de Chuteiras".
Seja nas gerações mais velhas(que já tinham visto outros títulos), seja nas gerações mais novas (ansiosas no desejo de presenciar a vitória no Mundial), buscava-se a renovação da fé e esperança no atual time dirigido por Luís Felipe Scolari e assim, quem sabe ver, aqui na "Pátria Mãe gentil" a conquista de mais um título.
No entanto, do outro lado, estavam os céticos e hereges que ainda ousaram questionar o evento debaixo do grito de guerra (Não vai ter Copa!): protestos em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, sendo assim, na defesa do evento e "da ortodoxia" no cumprimento do ritual sagrado futebolístico, as forças de segurança foram para cima, debelando os manifestantes com todo seu aparato de repressão não-letal (bombas de feito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, escudos, cassetetes e muita força), mas mesmo assim, repórteres da imprensa local e internacional saíram feridos.
Vale lembrar que, apesar da truculência na repressão, os manifestantes estavam longe de uma conduta pacífica, pois os famosos blackblocks entraram em ação, somados a alguns outros tantos oportunistas que causaram danos ao patrimônio particular (carros de reportagem, fachadas de lojas e bancos) e de bem públicos, como placas de ruas e outras sinalizações. Em suma, um show de violência gratuita travestida de "defesa" da educação, saúde, moradia e outras coisas necessárias, mas que se tornaram esquecidas face aos horrores praticados.
Lembremo-nos que Pelé pediu que as pessoas separassem a política do futebol e da Seleção e Ronaldo Fenômeno declarou que baderneiro merece mesmo é tomar porrada. Dessa forma, se fosse preservada a nossa santa alienação e tudo corresse dentro da "ordem", não haveriam problemas ou melhor ainda, eles seriam esquecidos pelas glórias alcançadas pela Seleção Canarinho, dentro do melhor estilo do "Panis et circensis", ou seja, o Pão e Circo da antiga Roma. Isso me lembra 1970...
Talvez, este quadro não fosse o mais desejado pelas autoridades brasileiras, seleções, mídia e patrocinadores, mas sinaliza que tudo é passível de mudança e no caso, de fato, comparado com as edições anteriores realizadas no estrangeiro, o frenesi do "Pra frente Brasil, salve a seleção!" ficou de lado, dado espaço em alguma medida para um questionamento e crítica que, com certeza, está muito longe de acabar com o impacto do futebol na sociedade brasileira.
A Copa está acontecendo, com todo um aparato de segurança e de mídia que não há como ser detido e nesse universo, encontramos o peso da informação, as mobilizações e ao mesmo tempo, como os patrocinadores estavam/estão apreensivos com os resultados face a esta gama complicada de problemas, mas acima de tudo, a ideia é faturar e nisso, por exemplo, a AMBEV controladora da marca Brahma teve a brilhante sacada de "mudar" o Dia dos Namorados para o dia 11/06 e nesse caso, não dá ainda para saber o quanto de adesão isso teve, se valeu a pena financeiramente, mas na sua propaganda, eivada do já tradicionalíssimo chavão do uso da mulher bonita e cerveja, perpassando pelo estereótipo, que futebol é coisa de homem e mulher nada entende e só atrapalha, surgiu então, a brilhante ideia de propor a mudança da data.
Na verdade, a mudança da data não é nenhuma heresia, afinal, é só a mera troca de uma data comercial por outra. A grande questão é o argumento: preconceituoso e machista, reitera a desvalorização da mulher, mas isso aparentemente não é nada dentro da cultura patriarcal que ainda se encontra muito bem estabelecida no Brasil, sendo defendida inclusive pelos segmentos conservadores da sociedade ao rechaçarem eventuais mudanças nos códigos de sociabilidade como, por exemplo, a união civil entre homossexuais e o aborto.
Se o Brasil vai vencer, não dá para saber. Se o clima vai piorar ou melhorar também não.
Então, nos resta acompanhar os fatos, mas quem sabe, pensar nas possibilidades de mudança para nossa conduta e nossa identidade, quem sabe, por um Brasil mais justo, melhor e menos desigual e de preferência menos rude, como sugere a peça publicitária.
Abaixo, segue o polêmico comercial da Brahma, lembrando que deles e de ninguém recebo para escrever o que aqui divulgo.
Ontem, tecnicamente foi o "Dia dos Namorados", mas em virtude do início da Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil, o conflito comercial foi inevitável. A devoção pela "Seleção" e seus "craques" foi bastante intensa no tingir as ruas de verde-amarelo, seja nas roupas de muitos, seja nas decorações de casas, ruas e fachadas. Com certeza, devem ter ocorrido as tradicionais comemorações, mas não era um clima de "o amor está no ar".
A fé demostrada nos jogadores e na busca do hexacampeonato, somado à declaração de feriado municipal, fizeram da quinta um domingo: sol, com bares lotados, casas preparadas para receber os convidados na célebre forma churrasco e cerveja, além de outras possibilidades, obviamente, muitos fogos e buzinas, no melhor exemplo da "Pátria de Chuteiras".
No entanto, do outro lado, estavam os céticos e hereges que ainda ousaram questionar o evento debaixo do grito de guerra (Não vai ter Copa!): protestos em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, sendo assim, na defesa do evento e "da ortodoxia" no cumprimento do ritual sagrado futebolístico, as forças de segurança foram para cima, debelando os manifestantes com todo seu aparato de repressão não-letal (bombas de feito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, escudos, cassetetes e muita força), mas mesmo assim, repórteres da imprensa local e internacional saíram feridos.
Vale lembrar que, apesar da truculência na repressão, os manifestantes estavam longe de uma conduta pacífica, pois os famosos blackblocks entraram em ação, somados a alguns outros tantos oportunistas que causaram danos ao patrimônio particular (carros de reportagem, fachadas de lojas e bancos) e de bem públicos, como placas de ruas e outras sinalizações. Em suma, um show de violência gratuita travestida de "defesa" da educação, saúde, moradia e outras coisas necessárias, mas que se tornaram esquecidas face aos horrores praticados.
Lembremo-nos que Pelé pediu que as pessoas separassem a política do futebol e da Seleção e Ronaldo Fenômeno declarou que baderneiro merece mesmo é tomar porrada. Dessa forma, se fosse preservada a nossa santa alienação e tudo corresse dentro da "ordem", não haveriam problemas ou melhor ainda, eles seriam esquecidos pelas glórias alcançadas pela Seleção Canarinho, dentro do melhor estilo do "Panis et circensis", ou seja, o Pão e Circo da antiga Roma. Isso me lembra 1970...
O capitão da Seleção de 1970 Carlos Alberto e o Presidente General Emílio Médici
Charge do cartunista Jaguar - 1970
A famosa "Pra frente Brasil"
Talvez, este quadro não fosse o mais desejado pelas autoridades brasileiras, seleções, mídia e patrocinadores, mas sinaliza que tudo é passível de mudança e no caso, de fato, comparado com as edições anteriores realizadas no estrangeiro, o frenesi do "Pra frente Brasil, salve a seleção!" ficou de lado, dado espaço em alguma medida para um questionamento e crítica que, com certeza, está muito longe de acabar com o impacto do futebol na sociedade brasileira.
Fonte: Revista Veja
A Copa está acontecendo, com todo um aparato de segurança e de mídia que não há como ser detido e nesse universo, encontramos o peso da informação, as mobilizações e ao mesmo tempo, como os patrocinadores estavam/estão apreensivos com os resultados face a esta gama complicada de problemas, mas acima de tudo, a ideia é faturar e nisso, por exemplo, a AMBEV controladora da marca Brahma teve a brilhante sacada de "mudar" o Dia dos Namorados para o dia 11/06 e nesse caso, não dá ainda para saber o quanto de adesão isso teve, se valeu a pena financeiramente, mas na sua propaganda, eivada do já tradicionalíssimo chavão do uso da mulher bonita e cerveja, perpassando pelo estereótipo, que futebol é coisa de homem e mulher nada entende e só atrapalha, surgiu então, a brilhante ideia de propor a mudança da data.
Na verdade, a mudança da data não é nenhuma heresia, afinal, é só a mera troca de uma data comercial por outra. A grande questão é o argumento: preconceituoso e machista, reitera a desvalorização da mulher, mas isso aparentemente não é nada dentro da cultura patriarcal que ainda se encontra muito bem estabelecida no Brasil, sendo defendida inclusive pelos segmentos conservadores da sociedade ao rechaçarem eventuais mudanças nos códigos de sociabilidade como, por exemplo, a união civil entre homossexuais e o aborto.
A posição da "bancada evangélica" na Câmara dos Deputados
Se o Brasil vai vencer, não dá para saber. Se o clima vai piorar ou melhorar também não.
Então, nos resta acompanhar os fatos, mas quem sabe, pensar nas possibilidades de mudança para nossa conduta e nossa identidade, quem sabe, por um Brasil mais justo, melhor e menos desigual e de preferência menos rude, como sugere a peça publicitária.
Abaixo, segue o polêmico comercial da Brahma, lembrando que deles e de ninguém recebo para escrever o que aqui divulgo.
Agora, uma réplica ao frenesi da Copa, obviamente não veiculado pela grande mídia:
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