Durante o Cinquecento,
a capital do Renascimento passou a ser a Roma papal, graças ao mecenato de
papas como Alexandre VI (1492-1503), Júlio II (1503-1513) e Leão X (1513-1521).
Na literatura, ainda em Florença, destacam-se
O príncipe,
escrito em 1513 por Nicolau Maquiavel; de
Baltazar Castiglioni, O cortesão; de Ariosto, Orlando Furioso. Nas artes plásticas destacam-se Rafael Sanzio
(1483-1520), pintor famoso por trabalhos como as Madonas, A Escola de Atenas, os afrescos
laterais da Capela Sistina; e Michelangelo
Buonarrotti (1475-1564), autor das esculturas: Davi, Pietá, Moisés,
da planta da Cúpula da Basílica de São Pedro e dos afrescos da Capela Sistina.
Dentro do contexto da produção renascentista
encontramos a valorização do retrato e talvez um dos mais emblemáticos seja a Mona Lisa
ou La
Gioconda, pintura datada entre 1503 e 1506, encomendada por Francesco
del Giocondo, na qual está representada sua
esposa, Lisa Gherardini.
O retrato, um tema da pintura concebido para guardar
a imagem de alguém, no caso da Mona Lisa nos confere um grande desafio, pois
Leonardo criou uma atmosfera que mistura beleza e mistério, presentes em
inúmeros detalhes: desconhecemos a paisagem de fundo que a ambienta; somos
tocados pela delicadeza das cores e tons que parecem estar imersos numa névoa (sfumato), que não esconde a imagem mas
ao mesmo tempo lhe confere uma luz que é única, de
acordo com os escritos deixados no Tratado de pintura escrito por volta de 1482.
Apesar de todos os questionamentos que envolvem a
imagem da Mona
Lisa, podemos levar em consideração um elemento vital na compreensão
do período renascentista: a valorização do individualismo que ali se manifesta.
Tal fato implica na representação de uma pessoa,
identificada em seus mínimos detalhes, tomada como tema central da pintura e trazendo um retorno à tradição clássica da
representação dos vultos, porém dotada de
uma especificidade: o olhar da Mona Lisa está direcionado ao observador e
graças ao jogo de composição de Leonardo, temos a impressão que esse olhar “nos acompanha”.
A Capela Sistina foi pensada pelo papa Sisto IV para
servir de espaço para as cerimônias de caráter mais privado da corte papal e
também como espaço para a realização do conclave (eleição do papa pelo Colégio
dos Cardeais). A decoração interna das paredes laterais foi realizada por
vários pintores: Botticelli, Rafael, Cosimo Rosseli, Luca Segnorelli, Perugino,
Ghirlandaio e Pinturicchio. Já as pinturas do teto em abóbada (1508-1512) e a
parede do altar principal (1535-1541) foram feitas por Michelangelo, retratando
os temas bíblicos desde a Criação e terminando no Juízo Final.
A riqueza de detalhes acompanhada de uma
manifestação muito clara dos movimentos dos
personagens impõem ao observador um desafio gigantesco: a dificuldade de
contemplá-la por completo num único olhar,
fazendo de sua observação um processo semelhante à leitura, pois o observador
avança de uma parte para outra tal qual um leitor que percorre o texto ao longo de seus parágrafos.
Michelangelo dotou suas imagens de cores e gestos de
vigorosa intensidade, cuja manifestação confere uma aparência realista aos
temas retratados, diferente de uma representação estática e sobrenatural, pois
justamente a ideia de naturalidade ou ainda
de uma idealização da natureza se colocam
presentes na composição, nos traços, cores e volumes.
Ao observarmos, por exemplo, o detalhe da Criação do
homem, vemos a materialização de um canto gregoriano Veni Criator, segundo o qual se evoca a presença divina. Diferente
do texto bíblico, onde o Criador esculpiu o homem no barro dando-lhe vida,
Michelangelo apresenta Deus como um vigoroso ancião que se move em direção ao
homem e com o toque lhe concede a vida, evidenciada pela ação divina em relação
ao humano.
O Renascimento além da Itália
Conforme apontamos no início dessa aula, as transformações econômicas entre os
séculos XV e XVI fizeram com que novos centros comerciais despontassem na
Europa, como a região de Flandres e depois a península
Ibérica, avançando também no século XVI para a Inglaterra e França. Todas essas regiões vivenciaram também grandes transformações culturais, cada qual ao seu
modo, e assim, alguns historiadores cunharam a expressão “Renascimento tardio”
em relação à Itália:
Flandres: encontramos na literatura o
humanista Erasmo de Roterdã (1466-1536),
autor de O elogio
da loucura, publicado em 1508 e responsável por uma severa crítica ao
desregramento do clero e nobreza que se manifestava de maneira cada vez mais intensa
para o assombro de muitos. Erasmo usou a voz
da loucura para apontar suas críticas sem se
comprometer, escapando das perseguições e censuras movidas por seus
inimigos mais poderosos; na pintura flamenga destacamos: Hieronymus Bosch
(1450-1516), autor de O jardim das
delícias, A pedra da loucura, A
nau dos loucos;
Pieter Brueghel (1525-1569), autor de O
massacre dos inocentes,
Torre de Babel; Rogier Van Der Weyden
(1399-1464), autor de A deposição da Cruz;
Jan Van Eyck com o quadro A virgem, o
Menino Jesus e o chanceler Rolin, O homem de turbante vermelho e O casal
Arnolfini, que analisaremos logo abaixo.
Portugal: recebeu influências com o retorno de Francisco Sá
de Miranda (1495-1558) da Itália em 1527, trazendo o dolce stil nuovo (verso decassílabo e soneto) e mais tardiamente
com Camões (1524?-1580) graças à publicação de Os lusíadas em 1572;
Espanha: o maior expoente foi Miguel
de Cervantes (1547-1616) com a publicação de D. Quixote de la Mancha em 1605;
França: o principal nome é
Rabelais (1483-1553), autor de Gargântua
e Pantagruel;
Grã-Bretanha: destacaram-se William
Shakespeare (1564-1618), dramaturgo, autor de Romeu e Julieta, Macbeth,
Hamlet, Rei Lear,
entre outras peças; e Thomas Morus
(1478-1535) que escreveu Utopia em
1516, sobre uma ilha fantástica dotada de
uma organização muito particular, a qual promovia o
pleno equilíbrio entre seus habitantes, que
não se envolviam em guerras ou outros problemas.
Dentre vários exemplos sobre o
Renascimento além da Itália, escolhemos uma breve apresentação do quadro O casal Arnolfini, pintado em 1434 por
Jan Van Eyck no intuito de registrar o
casamento do rico banqueiro e comerciante italiano Giovanni Arnolfini com a
jovem Giovanna Cenami, assim retratados em sua residência na cidade de Bruges,
no Flandres (atual Bélgica).
A cena nos é apresentada com a visão imediata do
casal no plano central, tendo ao fundo o leito nupcial, vários objetos em volta
(frutos, rosário, tapete e espelho) e ainda
contando com a presença de um cão e mais três
pessoas: duas que se encontram representadas
no espelho (ver detalhe abaixo) e a outra seria o próprio pintor, cuja assinatura e data estão marcadas
logo acima do espelho: “Jan Van Eyck esteve aqui, 1434.”
A união dos Arnolfini registrada no interior de sua
residência pode ser vista como a manifestação de uma cerimônia privada, no
ambiente profano (fora do templo), mas mesmo assim é dotada de uma ligação com
o sagrado, que se encontra representado pelas miniaturas da vida de Cristo presentes na moldura do espelho; o
rosário dado como presente de noivado para a noiva e por fim, uma única vela
acesa no lustre, evocando “os olhos de Deus representados pelo fogo sagrado”.
Por fim, não há como deixar de observar a riqueza e o luxo presente na vida dos noivos, os quais se
encontram ricamente trajados, a mobília, o tapete oriental, bem como a presença
de frutas estrangeiras, como as laranjas, oriundas de sua terra natal. E dentro
do âmbito privado, caberia ainda a pergunta: estaria Giovanna grávida? Seria essa a
explicação para uma cerimônia tão importante dentro do ambiente privado? Muitas
dúvidas e poucas certezas, mas mesmo assim o quadro não perde a sua importância
na história da arte.
O Renascimento e as ciências
Uma importante transformação ocorrida no contexto do
Renascimento foi a invenção da imprensa de tipos móveis pelo alemão Johan Gutenberg,
que em 1450 na sua oficina em Mongúcia começou a imprimir a Bíblia.
Tal fato implicou numa maior agilidade que o método até então utilizado: a
cópia manual, feita nos mosteiros e abadias pelos monges copistas, que se
responsabilizavam em copiar o texto e produzir também as imagens que o
acompanhavam, as iluminuras.
A divulgação e ampliação do uso da imprensa tiveram
um grande impacto na sociedade ocidental, favorecendo a divulgação do
conhecimento numa escala muito maior que antes, bem como tornando o livro mais
acessível, muito embora ainda não houvesse uma
democratização do conhecimento e cultura, algo que talvez estejamos vivenciando
agora em nossa época, guardadas as devidas proporções, porque o analfabetismo e
a educação de qualidade ainda travam uma batalha constante.
Durante a Idade Média, um dos principais temas
defendidos pela Igreja era o geocentrismo, teoria pautada no pensamento de Cláudio
Ptolomeu (100?-170?), o qual concebia a
Terra como estática, tendo o Sol e os planetas girando ao seu redor.
Sistema Geocêntrico
Tal pensamento começou a ser questionado pelo
astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), ao publicar, um pouco antes de
morrer, o tratado De revolutionibus orbium
celestium, defendendo o heliocentrismo (a
Terra e os planetas giram em torno do Sol,
que é estático).
Sistema heliocêntrico
A teoria heliocêntrica foi levada adiante por
Galileu Galilei (1564-1642), físico e matemático florentino, responsável pelo
aprimoramento do telescópio em 1609 e também pelo furor causado quando desafiou
a Igreja ao defender intensamente os estudos de Copérnico. Devido a suas ideias acabou acusado de “inimigo da
fé” e foi duas vezes processado pela
Inquisição. Apesar de não ter sido condenado
à morte, recebeu um castigo de maior crueldade para quem vive daquilo que
estuda e ensina: foi obrigado a retratar-se publicamente, renegando suas
pesquisas e acabou seus dias em prisão domiciliar. Os estudos de Galileu foram
importantes para os trabalhos de Johann Kepler (1571-1630), que analisou o movimento dos planetas,
elaborando a teoria das órbitas elípticas, vigente até os dias de hoje. Os estudos de Galileu também colaboraram para o
aprofundamento do assunto com os trabalho de Isaac Newton (1642-1727), físico inglês
que consolidou a posição de seus antecessores e publicou trabalhos sobre a
chamada lei de gravitação universal, conhecidas por nós hoje como leis de Newton, as quais não só explicam uma série
de eventos físicos que vivenciamos, como também acabaram por confirmar o heliocentrismo.
Somente em 1992, a Igreja Católica, então chefiada
pelo papa João Paulo II, perdoou Galileu, reconhecendo o valor de suas
pesquisas e a gravidade do erro que a instituição cometeu com o estudioso
florentino.
Na medicina destacou-se André Vesálio (1514-1564) na
área da anatomia ao publicar o tratado Sobre
a estrutura do corpo humano(imagem acima), trabalho realizado pela experiência na
dissecação de cadáveres; Miguel de Servet (1511-1553), médico espanhol
responsável pela descoberta da circulação do sangue ou circulação pulmonar pelas
artérias; William Harvey (1578-1657) estudou medicina em Pádua, onde Vesálio
fora professor e deixou um grande número de discípulos. Harvey aprimorou as
pesquisas de Servet sobre o sistema circulatório e publicou em 1628 o tratado Estudos anatômicos dos movimentos do coração
e do sangue dos animais, considerado uma das mais importantes obras da sua
época, tendo apenas omitido a existência dos vasos capilares, pois ainda não tinha sido inventado o microscópio. A descoberta
dos capilares ficou por conta dos trabalhos do médico italiano Marcelo Malpighi
(1628-1694), já que o microscópio foi inventado na Holanda em 1657.
Obras em destaque:
Rafael Sanzio: "Escola de Atenas", afresco, c. 1506-1510 - Museus do Vaticano, Roma, Itália.
Michelangelo Buonarroti "Cúpula da Basílica de São Pedro"
Michelangelo Buonarroti "David", c. 1501-1504, Academia de Florença, Itália.
Rogier van der Weyden "A deposição da cruz" óleo sobre madeira, c.1435, Museo del Prado, Madrid, Espanha.
Pieter Brueghel "O Casamento camponês"c. 1567, Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria.
Mathias Grünewald "Retábulo de Isenheim" c. 1510-12, Unterderliden Museum, Colmar, França.
Albrecht Dürer "Autorretrato", c.1500, óleo sobre madeira, Alte Pinakothek, Munique, Alemanha.
Albrecht Dürer "Rhinocerus", gravura, c. 1515, British Museum, Londres, Inglaterra.
Albrecht Dürer "Os quatro cavaleiros do Apocalipse" c.1501-1502, coleção particular.
Hieronymus Bosch "O jardim das Deícias", óleo sobre madeira, c.1490-1510, Museo del Prado, Madrid, Espanha.
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