As terminologias "Alta Idade Média" e "Baixa Idade Média" são expressões criadas a posteriori para se referir ao início "Alto" e ao fim "Baixo" de um período, bem como a própria expressão "Idade Média". De maneira geral, a Baixa Idade
Média, que se estende do século XI ao XV, foi o período que deu início a um
longo processo de desagregação da sociedade feudal e consequente formação de um
novo modo de produção: o capitalismo.
As
transformações que movimentaram a sociedade europeia foram profundas, porém só
podem ser percebidas a partir de um distanciamento do observador. Para aqueles
que viviam naquela época, poucos eram os que se apercebiam das modificações
econômicas, sociais e políticas.
Uma prova disso é que o grande
evento que inaugurou a Baixa Idade Média, as Cruzadas, era uma clara reprodução
de uma já conhecida característica feudal: o poder da Igreja e da nobreza.
Havia também certo prenúncio de
aumento das tensões sociais. Muitos trabalhadores não aceitavam mais as
condições impostas pelos nobres, sem, entretanto, disporem de uma alternativa
real de ocupação.
AS CRUZADAS (1096 a 1291)
Neste
contexto, as Cruzadas pregadas pelo papado vieram atender aos anseios de boa
parte da população europeia da época, pois carregavam para o Oriente o
excedente populacional da Europa, enquanto acenavam com a possibilidade de
novos feudos para os grandes senhores e trabalho para a pequena nobreza
marginalizada.
A
iniciativa do Papa Urbano II tinha ainda a intenção de reforçar a imagem do
papado, desgastada diante de tantas querelas, cismas e intrigas. Os mais
otimistas chegaram a acreditar na reunificação da Igreja a partir da conquista
de Constantinopla, sede da Igreja Católica Ortodoxa. Mas as justificativas
oficiais para as Cruzadas eram de que se tratavam de uma ação religiosa e
militar dos cristãos na busca de “recuperar o Santo Sepulcro que estava nas
mãos dos infiéis”.
Essa
soma de interesses materializou-se numa forma de de ação semelhante àquela usada pelos
muçulmanos: a guerra santa. A Cruzada Popular comandada por Pedro, o Eremita,
arrebanhou populares, camponeses e mendigos em toda a Europa e partiu em
direção à Terra Santa. Pedro e seus seguidores, sem nenhum preparo militar,
foram facilmente destroçados pelos turcos na Ásia Menor.
Então,
desenvolveram-se as expedições oficiais, as quais foram comandadas por nobres.
Desta vez, ao contrário do que ocorria nas guerras medievais, centenas de
servos estavam prontos para a guerra, não contra a nobreza (como o
controvertido William Wallace) mas ao lado dela.
A
Primeira Cruzada, celebrizada como Cruzada
dos Nobres, foi comandada por
Godofredo de Bouillon e contava com o apoio de Roberto de Normandia, Balduíno
de Flandres, Tancredo e Boemundo de Tarento. Tomaram Jerusalém em 1099,
instalando o Reino de Jerusalém, o Principado de Antioquia e os condados de
Trípoli e Edessa.
Diante
do perigo de uma retomada de Jerusalém por parte dos turcos, foi organizada a Segunda Cruzada, sob o comando de Luís VII da França e Conrado III da Alemanha. Mas, devido ao
desentendimento dos líderes, a cruzada não atingiu seus objetivos e Jerusalém
foi retomada pelos muçulmanos de Saladino em 1187, a maior liderança do Islã depois de
Maomé.
A
Terceira Cruzada, ou Cruzada dos Reis, teve como comandantes
Frederico Barba Ruiva, do Sacro Império Romano Germânico, Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e Felipe
Augusto, da França. Com a morte de Barba Ruiva, Felipe se desentendeu com
Ricardo e retornou à Europa. Ricardo assinou um pacto com Saladino, sultão do
Egito, que permitiu a peregrinação de cristãos a Jerusalém.
A
Quarta Cruzada ficou conhecida como Cruzada Comercial, pois atendeu somente
aos interesses das cidades italianas, principalmente de Gênova e Veneza. Os
combatentes saquearam Zama e tomaram Constantinopla, criando o Reino Latino do
Oriente e conquistando para os europeus um importante entreposto comercial.
Após
a Quarta Cruzada, surgiu na na Europa a ideia de que somente aqueles que
tivessem o coração puro poderiam retomar a Terra Santa. Foi, então, organizada
a Quinta Cruzada, ou Cruzada das Crianças, que redundou em
enorme fracasso, uma vez que todas as crianças foram vendidas como escravas pelos
turcos. As cruzadas posteriores (sexta a oitava) desviaram-se de seu objetivo
original e pouco ou nada conseguiram.
Fonte: Bibliothèque Nationale de France
A
principal consequência das Cruzadas
foi o enriquecimento das cidades italianas de Pisa, Gênova e
Veneza, que arrecadaram grandes somas em dinheiro com o transporte de cruzados,
com parte dos saques e com o comércio de especiarias com os muçulmanos. Essas
cidades enriquecidas passaram a formar
frotas militares que retomaram o Mediterrâneo e estabeleceram rotas regulares
entre a Europa e a Ásia. Porém, a abertura
do Mediterrâneo em nada ajudou a nobreza, que, desde então, passou a
enfrentar um processo ininterrupto de decadência política.
A
Cristandade enfrentava não só inimigos externos, mas também inimigos internos
que se encontravam entre seus fiéis, os hereges. A palavra heresia vem do grego
hairesis e significa escolha, desta
forma ser um herege era escolher um caminho diferente do apontado pela
ortodoxia da Igreja Católica. Em contrapartida, a Igreja defendia a tese de que
a salvação era coletiva, portanto, todos devem obedecer as leis de Deus para
obter a salvação. Quando aparecia alguém entre o "rebanho de Deus"
que negava algum dogma da Igreja, tal ato representava uma ameaça e a Igreja
deveria reconduzir a "ovelha desgarrada" para seu seio, usando se
necessário a força.
Para
combater as heresias, a Igreja criou a Santa Inquisição em 1162 no intuito de
organizar a luta contra os hereges. Muitos movimentos heréticos surgiram na
Europa medieval , como por exemplo os valdenses (na Espanha, Lombardia e Alpes
franceses), os albigenses e cátaros (Languedoc, sul da França).
O caso
dos cátaros (eram contrários a autoridade da Igreja, ao direito de propriedade,
aos sacramentos católicos) representava uma ameaça à Igreja e também ao poder
real da França, fazendo com que o papa
Inocêncio III e os reis da França, Luís VIII e Luís IX organizassem uma cruzada(1209-1229) contra estes hereges,
culminando com o massacre dos cátaros em várias cidades do sul. Com a vitória
dos católicos, a região do Languedoc foi anexado à coroa da França.
As
manifestações heréticas , no entanto, continuaram a aparecer em diferentes
pontos da Europa e cada vez mais a Igreja procurou reprimir através da
Inquisição no objetivo de manter a ordem. Neste contexto, começam a surgir as
ordens mendicantes, irmandades religiosas que pregam a pobreza e condenam o
luxo e a ostentação de Roma, destacando-se a Ordem dos Irmãos Menores fundada
por Francisco de Assis, um filho de um
rico comerciante, que abandonou todos seus bens , pregando voto de pobreza. O
movimento foi reconhecido (como outras ordens) pelo papa em 1210 no intuito de
trazê-las para o controle da Igreja . Morreu em 1226 e foi canonizado dois anos
depois.
A INQUISIÇÃO
"Auto de fé presidido por São Domingos de Gusmán", Pedro Berruguete, c. 1495
Museu do Prado, Madrid, Espanha.
Fonte: Wikipedia
Já
no período em que as Cruzadas haviam se desviado de seus objetivos originais, a
Igreja viu aumentar o fenômeno das heresias.
Hereges eram todos aqueles que, grosso modo, questionavam os dogmas católicos.
Assim,
o Papa Gregório IX criou os Tribunais do Santo Ofício em1231. Os tribunais
estabeleciam um padrão de ação que começava com o tempo das graças, no qual aqueles que se sentissem à vontade
poderiam apresentar-se aos inquisidores quando estes chegavam em uma
determinada cidade. Posteriormente, os acusados passavam a ser perseguidos. Uma
vez presos, entravam na terrível fase do interrogatório
– a tortura era considerada instrumento legítimo de obtenção da confissão.
Por
fim, era dada a sentença. Dependendo da gravidade do crime, aquele que não mudasse suas
ideias ou não confessasse a culpa poderia ser condenado à prisão, ao confisco
de bens ou então à morte na fogueira. Alguns, uma vez se tratando de faltas
menos graves, poderiam ser absolvidos e reintegrados à comunidade cristã.
RENASCIMENTO COMERCIAL E URBANO
Com
a retomada do Mediterrâneo pelas cidades italianas, o comércio ressurgiu na
Europa através das rotas que atravessavam todo o continente. Nos cruzamentos
dessas rotas terrestres, surgiram as feiras,
que atraíam grandes contingentes populacionais. A mais famosa dessas feiras foi
a de Champanhe, no interior da França (século XIV) e, posteriormente, a feira
de Flandres (atual Bélgica).
As novas rotas comerciais limparam
as estradas e fizeram ressurgir as transações em moeda, enriquecendo os
comerciantes. Esse novo grupamento, os burgueses,
expandiu as transações comercias e
enfraqueceu os nobres. A vida urbana renasceu com as Hansas ou Ligas, que eram
associações de mercadores de diversas cidades, principalmente no norte da
Europa. Ali se formou as mais poderosas associações de comerciantes da Baixa
Idade Média: no norte destacavam-se as cidades
da Flandres de Antuérpia, Roterdã, Amsterdã e Bruges; a leste e mais ao norte
havia a Liga Hanseática formada por cidades alemãs, escandinavas e russas,
destacando-se Lübeck, Hamburg, Bremen, Kopenhagen, Estocolmo, Novgorod entre
outras cidades que faziam um forte intercâmbio comercial nos mares do Norte e
Báltico. Seus membros conseguiam trocar produtos do
norte da Europa por artigos orientais trazidos por comerciantes italianos, de Gênova, Veneza, Florença e Pisa. Periodicamente, mercadores do norte e sul encontravam-se numa
região estratégica para adquirirem produtos diferentes, a região de Champagne
na França, principalmente nas cidades de Reims, Troyes, Provins, Lagni.
Nas
cidades, também se desenvolveram as corporações de ofício, cujo objetivo
era zelar pela qualidade dos produtos, evitar
a concorrência nociva entre os
membros e estabelecer um justo preço pelas mercadorias. Essa corporações
eram associações de oficinas, e cada ofício tinha sua própria norma.
Em
uma oficina, havia um mestre artesão,
conhecedor do ofício, dono das ferramentas e das matérias primas, e um aprendiz, em geral com pouca idade e que
aprendia a arte do ofício enquanto ajudava o mestre. As oficinas maiores tinham
um oficial, trabalhador assalariado e
que esperava uma oportunidade para se tornar mestre. Já as menores, contratavam
um jornaleiro, que trabalhava por
jornada em épocas de excesso de trabalho.
Várias
outras atividades surgiram em função do crescimento das cidades, como
banqueiros, cambistas, entre outros. Por outro lado, com a abertura do
Mediterrâneo, uma grande quantidade de produtos chegavam do Oriente, como
perfumes, temperos, alimentos e, inclusive, foi a partir daí que os europeus
intensificaram a utilização da pólvora.
Assim,
pode-se afirmar que, nessa época, a
Europa vivia uma significativa
prosperidade econômica e um grande afluxo para os centros urbanos,
comprometendo toda a estrutura agrícola feudal.
Ao
mesmo tempo, o rei via na nobreza feudal um obstáculo às suas pretensões de
retomada e centralização do poder. Dessa forma, a aliança do rei com a
burguesia foi inevitável. Entre os séculos XII e XIV, a Europa viu a
fragmentação feudal dar lugar às monarquias
nacionais.
A primeira delas aconteceu em Portugal, que conseguiu centralizar o poder monárquico após a
Revolução de Avis(1383-1385), pois com vitória de D. João, mestre da Ordem de
Avis sobre as forças castelhanas apoiadas pela rainha D. Leonor, a tentativa de Castela recuperar o domínio de
Portugal foi afastada com o surgimento da Dinastia de Avis .
Com
os capitais fornecidos pela burguesia, o rei da França, Hugo Capeto, pôde
aparelhar exércitos, retomar as terras dos nobres, cobrar impostos nacionais e
criar um tribunal do rei, considerado superior aos tribunais feudais. Através
de uma política de casamentos, compras, guerras e anexações, a dinastia
capetíngia conseguiu diminuir os particularismos regionais e aumentar a
centralização monárquica.
Na
Inglaterra, o processo de centralização deveu-se à invasão da ilha pelo duque
da Normandia, Guilherme, o Conquistador, que derrotou o último rei
anglo-saxônico na Batalha de Hastings (1066). A dinastia normanda impôs-se aos
saxões, dividindo a Inglaterra em condados supervisionados por Sheriffs, homens de confiança do rei. A
centralização monárquica predominou na Inglaterra até 1215, quando o rei João sem Terra foi obrigado a assinar a Magna Carta, que limitava fortemente o
poder real perante a nobreza. A Magna Carta estabeleceu, dentre outras coisas,
que:
- o rei não poderia impor qualquer tipo de tributo sem o
consentimento do Grande Conselho do Reino, que seria convocado com, pelo menos,
dois dias de antecedência. Décadas depois, o Grande Conselho passou a se chamar
Parlamento e reuniria-se três vezes ao ano.
- nenhum homem livre poderia ser detido, senão em função de
uma sentença pré-regulamentada e ditada por seus pares. Dessa forma, a Magna
Carta garantia aos ingleses direitos de ordens individual e política, e até
mesmo de resistência, a qualquer forma de autoritarismo que partisse do
monarca.
A cultura medieval
Na Baixa Idade Média, com Tomás de Aquino no século XIII surge o
conceito do livre arbítrio e um retorno ao estudo de Aristóteles, como a
formação do pensamento escolástico.
As universidades surgem por volta do século XII e XIII, como Paris,
Oxford, Salamanca, Bolonha, Coimbra. Tradicionalmente, estudavam-se duas
modalidades das chamadas "artes liberais", o trivium e o quadrivium.
O primeiro era formado pelas artes da Dialética, Gramática e Retórica e o
segundo pelas artes da Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.
Na literatura uma das principais manifestações foram as novelas de
cavalaria, as canções de gesta e as poesias trovadorescas, que contavam as
histórias dos cavaleiros, seus combate s e seus amores, como o ciclo arturiano
(O rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, A Demanda do Santo Graal) do
ciclo carolíngio (Carlos Magno e de Rolando em Canção de Rolando). Estes textos
eram escritos em latins vulgar e geralmente cantados pelos jograis e trovadores.
Dentro da literatura clássica é de grande importância a obra de Dante
Alighieri, autor da Divina Comédia e de Giovanni Boccaccio com seu livro
Decameron.
GUERRA DOS CEM ANOS (1337-1453)
Batalha de Crécy, 1346. Iluminura do séc. XV.
Fonte: Fonte: Bibliothèque Nationale de France
Em
seu processo de unificação, a monarquia nacional francesa teve que enfrentar o
particularismo do Ducado da Normandia, terra natal de Guilherme, o
Conquistador, e ancestral do monarca da Inglaterra. A posse de terras na França
pelo monarca da Inglaterra, a disputa pela região da Flandres, bem como as
disputas pela própria coroa da França, provocaram a guerra.
Com
a morte do rei Carlos IV, da Dinastia Capetíngia, a coroa francesa passaria a
Eduardo III, rei da Inglaterra. Mas os nobres franceses invocaram uma antiga
lei da época dos francos (Lei Sálica), que não permitia que o trono francês
fosse transmitido por uma mulher – no caso, o monarca da Inglaterra era neto, por
parte de mãe, do rei Felipe Capeto, o Belo. Dessa forma, o trono passaria a
Felipe de Valois, nobre sobrinho-neto de Felipe, o Belo, e apoiado pelos
adversários dos ingleses. Inconformado, o rei inglês, Eduardo III, declarou
guerra à França.
A
luta favoreceu os ingleses em sua fase inicial, que chegaram a dominar a maior
parte do território francês. Em 1348, a Europa foi atingida pela peste negra,
que dizimou cerca de 25 milhões de pessoas (um terço da população do
continente) e só foi parcialmente debelada em 1350.
As
constantes vitórias inglesas terminaram por encurralar os franceses em um
pequeno território no norte do país. Mas a maré da guerra mudou quando o povo
francês foi exortado por uma camponesa a cerrar fileiras em torno do rei e
libertar o país do jugo inglês. Joana D'Arc afirmava ter tido visões, nas quais
a Virgem Maria lhe dizia que os ingleses representavam o demônio na França. Seu
fervor religioso contagiou toda a população que se atirou à luta contra os
ingleses.
Em
1431, a “A Donzela de Orleans” foi aprisionada pelos borgonheses, aliados dos
ingleses, julgada por heresia e queimada como bruxa. Os franceses mantiveram-se
firmes na luta e, em 1453, os ingleses são expulsos da França, que se unificou
em torno de Carlos VII.
A
Guerra dos Cem Anos foi um dos episódios que demarcaram a chamada crise do século XIV. Outro fator
importante foi a disseminação da “Peste Negra”. Tal epidemia foi fruto das péssimas condições de habitação
da época, além da inexistência de uma política de saneamento básico.
A PESTE NEGRA E REVOLTAS
CAMPONESAS
“O triunfo da Morte”, afresco de Buonamico Buffalmacco, 1350, Cemitério de Pisa, Itália.
Fonte: Wikipedia
No
início do século XIV, houve uma progressiva crise no sistema feudal, cuja
expansão foi mais baseada na incorporação de novas terras para o cultivo do que
no desenvolvimento de tecnologia. A exploração predatória das novas terras
contribuiu para o desgaste de sua fertilidade, e o desmatamento intenso
provocou alterações ecológicas e climáticas. Períodos extremamente chuvosos
alternavam-se com épocas de secas, o que fez diminuir a produção agrícola e
encarecer os preços dos produtos.
Nessa
mesma época, as minas de ouro e prata da Europa esgotavam-se. Com a falta de
metais, as moedas em circulação perdiam seu valor e os nobres que podiam
entesouravam o máximo possível de dinheiro. Essa situação provocou inquietação
entre os mais pobres e falências de bancos e de casas comerciais. Em algumas
décadas, a crise atingiu proporções catastróficas, gerando a Grande Fome.
A
subnutrição causada pelas crises de fome talvez tenha contribuído para minar a
resistência da população. A situação ficou ainda pior quando, a partir de 1348,
começaram os surtos da chamada peste negra,
que era a Peste Negra, doença transmitida através das pulgas dos ratos
contaminados. Esses ratos, provavelmente, tinham vindo nos navios dos comerciantes
italianos que chegavam do Oriente.
Muitos
pesquisadores acreditam que o fator que favoreceu a disseminação da peste foram
as péssimas condições de ocupação que se estabeleceram pela Europa,
principalmente durante o renascimento da vida urbana. As casas eram amontoadas,
não havia uma eliminação adequada do esgoto doméstico, e os europeus,
independentemente da classe social à qual pertenciam, resistiam à ideia de
tomar banho com frequência. Todos esses elementos conjugados permitiram a
rápida proliferação da doença, que chegou a matar 30% da população do
continente.
Avanço da Peste Negra (1348-50)
Fonte: Wikipédia
Nesse
período, a situação era de desolação. As condições de vida daqueles que
sobreviveram à peste eram péssimas e a mortandade provocou escassez de
mão-de-obra. Na Europa Ocidental, alguns senhores feudais passaram a empregar
trabalhadores assalariados, trocando as prestações de serviços e as obrigações
em espécie por pagamentos em dinheiro, o que permitiu que alguns servos
comprassem a própria liberdade. Isso incentivou muitos servos a fugir para as
cidades.
Mas
muitos nobres tentaram reagir, congelando os salários e aumentando o valor das
prestações devidas pelos servos, o que provocou inúmeras insurreições de
camponeses na Inglaterra, Portugal, Castela e na França, onde as revoltas
camponesas receberam o nome popular
de jacqueries. O termo deriva da expressão em francês Jacques Bonhomme , que significa"zé-ninguém, zé povinho", portanto, uma forma depreciativa de lidar com os pobres.
Milhares de camponeses rebelaram-se contra seus
senhores, destruindo castelos e matando nobres. A nobreza contra-atacou com o
apoio dos exércitos reais (nessa fase, já existiam algumas tropas
profissionais) e a ação dos camponeses foi sufocada, e milhares de pessoas
foram mortas.
O levante dos "zé-ninguém" contra a nobreza. Iluminura do séc. XV
Fonte: Fonte: Bibliothèque Nationale de France
Os
burgueses (mercadores das cidades) lucravam com a inflação, pois seus produtos,
agora, estavam em alta, enquanto salários, aluguéis e arrendamentos tinham seus
valores depreciados. Muitos burgueses enriqueceram e casaram-se com filhas de
famílias de nobres empobrecidos. Era o sinal claro da ascensão da burguesia e da lenta, mas irreversível, decadência da nobreza.
Documentos históricos:
Discurso do Papa Urbano II, em
Clermont-Ferrand (1095)
“Deixai os que outrora estavam
acostumados a se baterem, impiedosamente contra os fiéis, em guerras
particulares, lutarem contra os infiéis... Deixai os que até aqui foram
ladrões, tornarem-se soldados. Deixai aqueles que outrora se bateram contra
seus irmãos e parentes, lutarem agora contra os bárbaros como devem. Deixai os
que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa
eterna.
Uma vez que a terra que vós
habitais, fechada de todos os lados pelo mar e circundada por picos de montanhas,
é demasiadamente pequena para a vossa grande população; a sua riqueza também
não abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus cultivadores... tomai o
caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a
a vós mesmos. Essa terra em que como diz a escritura, jorra leite e mel” foi
dada por Deus aos filhos de Israel. Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é
mais do que todas frutífera, como um novo paraíso de deleites”.
O saque de Maara
Chega
a noite de 11 de dezembro. Está muito escuro,
e os franj (como os árabes chamavam os francos) ainda não ousam penetrar na cidade. Os notáveis de Maara entram em contato com
Bohémond, novo senhor de Antioquia, que se encontra à frente dos atacantes. O
chefe franco promete garantias se cessarem o combate, deixando para trás
algumas construções. Agarrando-se desesperadamente à sua palavra, as famílias
reúnem-se nas casas e porões da cidade e, a noite toda, esperam tremendo.
Na
alvorada, chegam os franj. É uma
carnificina. Durante três dias, eles matam mais de cem mil pessoas pela espada e fazem muitos prisioneiros. Os números de Ibn
al-Athir são evidentemente fantasiosos, pois a população da cidade, na véspera
da queda, era provavelmente inferior a dez mil habitantes. Mas o horror está
menos presente no número de vítimas do que no destino quase inimaginável que
lhes foi reservado.
“Em
Maara, os nossos faziam ferver os pagãos adultos em caldeira, fincavam as
crianças em espetos e as devoravam grelhadas.” Essa confissão do cronista
franco Raoul de Caen não foi lida pelos habitantes das localidades próximas a
Maara, mas até o fim de sua vida eles se lembraram do que viram e ouviram. Pois a
lembrança dessas atrocidades propagadas pelos poetas locais, assim como pela
tradição oral, fixara nos espíritos uma
imagem dos franj difícil de ser
apagada. O cronista Ussama Ibn Munqidh, nascidos três anos antes desses
acontecimentos, na cidade vizinha de Chayzar, escrevera um dia:
“Todos
aqueles que se informaram a respeito dos franj viram neles animais que têm
a superioridade da coragem e do ardor no combate, mas nenhuma outra, assim como
os animais têm a superioridade da força e agressão.”