As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

terça-feira, 23 de junho de 2015

Curso de Filosofia no Cursinho da Poli

Caros estudantes e leitores

Estamos com uma novidade que visa prepará-los ainda melhor para os exames: o Cursinho da Poli organizou um curso de Filosofia, que acontecerá nas 3 unidades, conforme as informações abaixo. A idéia é que possamos discutir os principais temas e tópicos, cuja abordagem tem sido mais intensa nos exames como ENEM, Unicamp, Unesp e outros vestibulares a partir da análise de textos de autores e resolução de exercícios.  

Esta atividade é aberta também para aqueles que não são alunos do Cursinho da Poli, mas se interessam em participar. Portanto, não percam!! 


domingo, 14 de junho de 2015

Do invisível ao visível: o princípio, o fim e o meio.

Onipresente, onisciente e onipotente são os atributos daquele que, para os judeus, é “O” responsável por tudo e por todos no Universo. Criador de todas as coisas, fez o homem a sua imagem e semelhança, mas não permitiu a sua criatura que lhe venerasse em imagem, qualquer que fosse, dessa forma, seu louvor se daria exclusivamente pela palavra e pelos rituais que ela prescreve, tendo portanto, o “Povo escolhido” uma severa disciplina a seguir, distinguindo-se dos demais povos ao seu redor. Estes últimos fixavam em imagens pintadas ou esculpidas, as inúmeras manifestações de seu universo sagrado que era muito mais plural e rico em variedade, não concebido dentro de parâmetros antagônicos (salvação/danação; Paraíso/Inferno), mas sim na ideia da existência de um transitus, quer dizer, de uma passagem deste mundo visível para um “Além”.

Yaweh escolhera seu povo e lhes prometera uma terra em troca de fidelidade, celebrando uma aliança, marcada com o sangue da circuncisão a partir de Abraão e sua descendência e confirmada com Moisés através da entrega do Decálogo, que logo no seu início diz a Moisés e seu povo: “Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra.”

Dentro da trajetória humana, aos olhos da tradição judaico-cristã, a questão da similitude com Deus é vital para a compreensão do papel da imagem dentro da articulação das práticas religiosas do judaísmo e do cristianismo.
A partir da ação deste em “moldar” o Éden e a Humanidade, impondo-lhes obediência, que uma vez quebrada pelo “Pecado Original”, gerando a punição das criaturas, fizeram com que ocorresse a perda.

Segundo o teólogo Urbano Zilles, professor titular da PUC-RS, “o culto é endereçado não às imagens em si, mas ao próprio Deus, à Santíssima Virgem e aos Santos. O culto das imagens é, portanto, relativo. Diz S. Basílio que ‘a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original’ (Spir 18, 45) e o Concílio de Nicéia (787) diz que ‘quem venera uma imagem, venera nela a pessoa que nela está pintada’ (DS 601).
Por outro lado, os que rejeitam a veneração de imagens sempre apelam a textos do Antigo Testamento. Geralmente só citam Ex 20, 4-5 e Dt 5, 8-9). Não trouxe o Novo Testamento grandes novidades? São esses os únicos textos pertinentes do Antigo Testamento?

É tão certo que a proibição desses textos se refere às imagens de Javé ou às imagens pagãs ou apenas aos cultos dos cananeus? O que, então, significa o texto de Ex 25, 17-22 e outros?” 

Zilles recupera a contradição do Velho Testamento, pois “o texto de Ex 25, 17-22 diz: ‘Farás também um propiciatório de ouro puro. Farás dois querubins de ouro polido, nas duas extremidades do propiciatório: um de um lado e outro de outro lado, de modo que os querubins estejam nos dois extremos do propiciatório. Os querubins, com as asas estendidas por cima, estão encobrindo o propiciatório, um em frente do outro, voltados para o propiciatório. Porás o propiciatório sobre a arca, e dentro da arca o documento da aliança que te darei. Ali me encontrarei contigo, e de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins colocados sobre a arca da aliança, eu te comunicarei tudo o que ordenar aos israelitas’. Não é esta também a palavra de Javé? Ou também se quer manipular a Sagrada Escritura de acordo com ideologias do momento?’.


O cristianismo enquanto doutrina surgiu no seio do Império Romano , sendo tratado como uma seita perigosa, religião de escravos e de provocadores que não aceitavam o poder imperial e sua divindade. Foram três séculos de perseguições, provocando a morte de milhares de pessoas, além da perda de bens, exílios e outros problemas.
Mesmo com as perseguições, o cristianismo não deixou de crescer num processo que começou na base da sociedade romana e gradativamente foi atingindo os mais diferentes grupos sociais. Muitos se diziam praticante do culto aos deuses romanos e ao imperador, mas secretamente em suas casas ou na escuridão das catacumbas (cemitérios subterrâneos) realizavam o culto cristão, procurando escapar dos massacres, crucificações, das arenas para serem queimados vivos ou devorados pelos leões.

Trezentos anos de perseguição se seguiram entre a morte de Jesus e a liberdade de culto concedida pelo imperador romano Constantino (imagem abaixo) com o Édito de Milão no ano de 313, pois os seguidores de Jesus eram vistos como uma ameaça ao Império já que negavam a divindade do imperador e os deuses e se colocavam como seguidores daquele que se apresentou como filho do único Deus.


Ao longo do século IV, o movimento de difusão do cristianismo foi cada vez maior e sem o temor das perseguições e com a proteção dos imperadores, seja na manutenção da liberdade de culto, seja nas doações para a construção dos primeiros santuários. No ano de 391, o imperador romano Teodósio através do Édito de Tessalônica estabeleceu o Cristianismo como religião oficial de todo o Império Romano e tornou proibido o culto aos deuses de outros povos sob a ameaça de prisão e confisco de bens.

Na continuação da análise do cristianismo, Urbano Zilles, aponta que “já no Antigo Testamento a proibição de fazer imagens não era algo tão absoluto como pregadores fundamentalistas pretendem. Há, outrossim, textos que mostram que o próprio Senhor mandou fazer imagens para manter a piedade de Israel. Assim, no mesmo livro do Êxodo, também lemos, como vimos acima, que o Senhor mandou Moisés colocar dois querubins de ouro sobre o propiciatório da arca; era pelo propiciatório assim configurado que Javé falava ao seu povo. Por isso a Bíblia costuma dizer que ‘Javé está sentado sobre os querubins’ (Ex 25, 17-22). Caberia conferir, nesse sentido, outros textos como 1Rs6, 23-28; Nm 21, 4-9; etc. 

Nem todos os judeus interpretaram a proibição do Êxodo e do Deuteronômio como absoluta, porque também introduziram o uso de imagens nas sinagogas, como mostram os numerosos afrescos e mosaicos nas sinagogas de Bet-Alfa, Gérasa, Naara e a famosa sinagoga de Dura-Europos, na Babilônia, na qual Moisés foi representado frente à sarça ardente, o sacrifício de Abraão, etc., e túmulos judaicos em Roma, ornados com representações de animais e homens.
No Novo Testamento só é proibido venerar imagens dos deuses pagãos (1Tes 1, 9; 1Cor 5, 10). As mais antigas catacumbas romanas já eram enfeitadas com representações cristãs, com muitos elementos derivados da arte profana dos pagãos. 

A sinagoga de Dura-Europos, séc. III d.C, Síria.


Nem o Antigo nem o Novo Testamento, bem entendidos, proíbem a arte, a produção de imagens profanas. A imagem religiosa encontrava resistência não só em vista do perigo da idolatria. Eusébio de Cesaréia se opôs ao pedido de Constantino de ter uma imagem de Cristo, dizendo ser impossível representar com cores mortas e sem vida este Jesus que já na terra era irradiação da glória divina (PG 20, 1545). Gregório Magno repele a adoração das imagens, mas aceita seu uso pedagógico: "O que para os leitores a escrita é, para os olhos dos não-instruídos, é a imagem, pois até os ignorantes vêem nela o que devem imitar, lendo nela inclusive os que não sabem ler" (Ep 11, 13). Em outros termos, a imagem adquire valor complementar ao da palavra e dos sacramentos. 

O cristianismo primeiro evitou, em geral, o culto das imagens por causa do perigo da idolatria. Mas cedo introduziu imagens como adorno e ilustrações, passando depois ao seu culto, sobretudo no Oriente. Aparecem, então, símbolos e figuras decorativas que lembram os mistérios da salvação em torno da pessoa de Jesus e dos apóstolos. Em pinturas e esculturas, artistas passaram a representar as imagens de Cristo: Jesus como pastor, Jesus como pescador com seus apóstolos ou Jesus nos diversos relatos evangélicos. As imagens passaram a recordar a imagem original.

Nos séculos IV e V, com o apoio da hierarquia, desenvolveu-se uma iconografia gigantesca, inspirando-se ora no Antigo Testamento, ora no Novo Testamento. Salientou-se o Cristo Pantocrator, a Virgem e os Santos no fundo das ábsides basilicais. No Oriente bizantino, desenvolveu-se a iconografia com excepcional exuberância. 
O culto das imagens exerce grande importância no rito bizantino como entre os cristãos ortodoxos em geral. A grade que fecha o santuário, chamada iconostase, é ornada de imagens. Trata-se de uma reação contra a iconoclastia dos séculos VIII e IX. 

Iconostase de Santa Helena e Constantino, Bruges, Bélgica


A Igreja do Ocidente aceita as imagens nos lugares de culto. Enquanto os calvinistas as rejeitam por contrariarem a Bíblia e alimentarem o perigo da idolatria, os luteranos mais recentemente defendem que o mandato de Cristo aos discípulos de pregar o Evangelho em todas as línguas inclui também o uso da linguagem figurada do artista (pintor ou escultor). Lembram que a Bíblia se serviu de imagens, palavras de sentido metafórico, para expressar verdades divinas. Os luteranos alemães afirmam que quem, como Lutero, reconhece na música o veículo apto da fé e do amor dos cristãos, não pode deixar de reconhecer também nas representações visuais um instrumento apto para proclamar a verdade revelada.

Calvinistas retirando as imagens e destruindo vitrais de uma antiga igreja católica que passou para o  seu controle.


Os ícones ocupam um lugar importante nos países de cristãos ortodoxos. Não só povoam os templos. Encontram-se ao longo das estradas, nos cruzamentos, nos pórticos de entrada dos povoados. Nas residências, o ícone com uma lamparina assemelha-se a um santuário familiar. Em cada residência o ícone ocupa lugar de honra, na entrada, para ser o primeiro a acolher o visitante. 

O ícone acompanha o fiel durante toda a vida. Recebe um ícone ao ser batizado e outro no casamento. Com ele os pais benzem o filho, quando parte em viagem, os circunstantes, e os moribundos. 
Para os cristãos ortodoxos, o ícone por excelência é o rosto de Cristo, cujo primeiro modelo não foi fabricado por mão humana (acheiropoietes em grego, portanto daí, a imagem aqueropita), pintado em pano pelo próprio Cristo, segundo a lenda, que o teria enviado a Abgar, rei de Edessa, e aí teria ficado escondido durante muito tempo. É uma tradição oriental que corresponde ao Santo Sudário (síndone) que hoje se guarda na catedral de Turim.

Cristo Pantocrator (Todo Poderoso), c. séc. XII, catedral de Cefalú, Sicília, Itália


A face humana de Deus "é imagem (eikôn) do Deus invisível" (Cl 1, 15), sua humanidade é o "visível do invisível". Quando o Verbo se fez carne, tornou-se necessário o ícone, que representa Cristo e os santos quase sempre frontalmente, tornando-o transparente, pois conduz do visível de Cristo ao invisível do Espírito. O ícone ensina-nos a descobrir em cada homem a imagem de Deus, pois é uma arte transfigurativa. 

Num ícone a luz não parte de um foco concreto. Os pintores fazem a luz irradiar do próprio fundo do mesmo. O corpo e as vestes são iluminadas com finos traços de ouro. Os animais, as plantas e as paisagens são estilizadas segundo sua essência espiritual. A obra de arte geralmente é abençoada durante a celebração eucarística. 

Para os cristãos orientais, a contemplação das imagens de Cristo, da Virgem e dos santos, não têm apenas valor didático ou comemorativo dos mistérios da Salvação, nem se satisfaz com estimular a devoção. Os ícones possuem valor dogmático verdadeiro e específico, ocupando lugar de destaque na economia eclesial. Diz o Concílio de Constantinopla, em 843: "A arte sagrada do ícone não foi inventada pelos artistas. É instituição que vem dos Santos Padres e da tradição da Igreja".


Para os orientais, o iconoclasmo peca por docetismo (do grego dokeo “para parecer” que entendia que o corpo de Cristo era uma ilusão e que sua crucificação foi apenas aparente), pois não sabe reconhecer a epifania do invisível; mostra-se insensível ao sagrado na história; nega que a santidade seja capaz de transfigurar a natureza. Dessa maneira, atacar os ícones é atacar o estado monástico, o culto dos santos, a própria maternidade de Maria e, em última instância, negar a encarnação de Cristo. 

ícone russo da Virgem Hodighítria: "Aquela que aponta o caminho", onde vemos a mão esquerda de Maria apontar para seu filho Jesus, pois ele é o "caminho da Salvação".


O ícone, na liturgia bizantina, faz com que a visão adquira certa primazia sobre a palavra, já que capta o elemento sensível do Verbo encarnado, sob a forma espiritual e impregnada de santidade, que nos é oferecida pela força do Espírito Santo. Não substitui os sacramentos, mas, de certo modo, permite-nos já agora perceber a glória final, revelando-nos a beleza do reino celestial. O iconógrafo, por isso, deve preparar-se, para a pintura, com orações e jejuns, com ascese e santidade, pois o ícone é feito para contemplação sensível da divindade invisível e santa. Através da percepção da santidade, que transparece na forma sensível, nós ficamos santificados pela força do Espírito Santo. Enquanto a iconografia oriental sempre indica a unidade entre o divino e o humano, a arte ocidental prefere acentuar a diferença.



Ícones são, para os cristãos orientais, mais que simples exercícios estéticos ou meros instrumentos pedagógicos para a educação do povo simples. Para a compreensão ortodoxa, os ícones são, ao lado da proclamação da Palavra e da celebração da Eucaristia, algo como sacramentais, ou seja, uma forma singular da comunicação do crente com Deus. 



Para concluir, é ignorância afirmar que os católicos "adoram" imagens, como é ignorância afirmar que no Antigo Testamento há proibição absoluta do uso de imagens. Os católicos veneram os santos e imagens, tributando culto àqueles que são representados pelas imagens; reconhecem que o Livro do Êxodo proíbe aos judeus a confecção de imagens, porque poderiam oportunizar a que Israel as adorasse como faziam os povos vizinhos. Mas os católicos não se prendem fanaticamente a textos isolados por sua escolha. Sabem que já no Antigo Testamento o Senhor mesmo mandou confeccionar imagens para sustentar a piedade de Israel. No Novo Testamento, pelo mistério da encarnação, o próprio se dirige aos homens por meio da figura humana de Jesus. Este ilustra realidades invisíveis, através das imagens inspiradas pelas coisas visíveis: parábolas e alegorias. 

Capela de "Notre-Dame du Pilier", catedral de Chartres, França. Crédito: Elias Feitosa




Vale citar a palavra de S. João Damasceno: "A beleza e a cor das imagens estimulam a minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a dar glória a Deus". Ensina o Catecismo da Igreja Católica: "A contemplação dos ícones santos, associada à meditação da Palavra de Deus ao canto dos hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração, para que o mistério celebrado se grave na memória do coração e se exprima em seguida na vida nova dos fiéis" (PG 1162). Portanto, venerar imagens não contraria o Decálogo do Antigo Testamento e muito menos o Evangelho de Jesus Cristo. A agressão grotesca às imagens sagradas, como alguns pastores tem estimulado em diferentes partes do Brasil, mostra não só desconhecimento da Bíblia como um todo e da história do cristianismo, mas desconhece os fundamentos antropológicos da comunicação humana com o divino. 



Se o culto às imagens, às vezes, degenerar em idolatria, não se pode concluir daí que sempre, ou na maioria das vezes o deverá ser, da mesma maneira que, do fato de um pastor agredir a sensibilidade dos fiéis de outra Igreja, não se pode concluir que esta deva sempre ser a atitude de todos os pastores em relação aos fiéis de outras Igrejas. 

O bispo Sérgio von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, agredindo uma imagem de N. S de Aparecida, em cadeia nacional, durante programa de televisão em 1995.

Ataque à Igreja de N. S. do Carmo, ocorrido em 2014, na cidade de Sacramento, Minas Gerais.


Ataque à Igreja de Santo Afonso, em Carrapateira, Paraíba. 2015.






sábado, 6 de junho de 2015

Os reinos bárbaros e o sistema feudal

REINOS BÁRBAROS

Com a decadência de Roma, as tribos germânicas que viviam além do limites do Império passaram a cruzar as fronteiras em pequenas expedições de saque e pilhagem. O exército romano mostrou-se incapaz de perseguir os bárbaros que se esconderam nas florestas, e passou, então, a contratar chefes de tribos germânicas amigas para patrulhar as fronteiras contra outros povos bárbaros. Esse acordo celebrado entre Roma e as tribos bárbaras recebeu o nome de Foedus e daí as tribos que se associavam aos romanos passavam a ser chamadas de federados (federatti) .

Originários da Ásia central, os hunos sempre viveram em tribos independentes e em constantes lutas internas. Unificados por Átila, atravessaram boa parte da Ásia e da Europa em busca das riquezas do Império Romano. Chegando aos limites de Roma, provocaram uma debandada geral das tribos germânicas, desorganizando ainda mais o já combalido império.

As tribos bárbaras lutaram incessantemente entre si e devastaram todas as terras. A insegurança fez que a população fugisse das cidades, que eram o alvo preferido dos invasores, e procurasse abrigo no campo, sob a proteção de um patrício ou general poderoso, uma vez que este possuía um exército próprio para proteger-se em sua Villae (o latifúndio romano)
A larga convivência entre bárbaros e romanos fez que os primeiros assimilassem vários costumes dos últimos. A maior prova disso foi o fato de que os bárbaros gradativamente substituíram a tradicional organização tribal por algo que se aproximasse daquilo que viram funcionar no mundo ocidental romanizado.



A Igreja cristã, cujo poder era hegemônico em Roma, procurou apoio nos chefes bárbaros como forma de conseguir alguma proteção para a outrora capital do mundo. Diante do poder militar conquistado pelos francos frente a outras tribos bárbaras e da conversão ao cristianismo de seu rei, Clóvis, o bispo de Roma foi pessoalmente à Gália batizar o rei dos francos (496). A monarquia franca afirmava ser descendente de um herói mitológico de nome Meroveu, daí, o fato de posteriormente serem chamados de merovíngios.

Durante o governo de Clóvis, o reino franco ampliou suas fronteiras, dominando terras em toda a Gália. Com a morte do líder, ficou colocado o problema da dupla herança cultural dos francos. Enquanto a tradição germânica determinava que todos os bens fossem divididos igualmente entre os herdeiros, a romana entregava toda a herança ao filho mais velho. Clóvis preferiu seguir a tradição germânica, dividindo, assim, o reino entre seus quatro filhos. Entretanto, seus sucessores não tiveram a mesma habilidade e disposição política do pai, e mereceram ficar conhecidos como reis indolentes.

Paulatinamente, os soberanos merovíngios foram perdendo o poder para nobres subalternos, que se aproveitaram da carência de autoridade dos reis para se impor. Esses nobres eram os major domus, também chamados de prefeitos do palácio. Tais prefeitos passaram a governar efetivamente os reinos francos, exercendo o poder de fato, enquanto os reis detinham o poder de direito. Pepino de Heristal conseguiu consolidar a unificação dos reinos francos, entregando-os a seu filho, Carlos Martel. Este último foi o responsável pela interrupção da expansão muçulmana na Europa, vencendo os islâmicos na Batalha de Poitiers (732).




O IMPÉRIO CAROLÍNGIO

Pepino, o Breve, filho de Carlos Martel, depôs Childerico III, o último rei merovíngio e, com o apoio do Papa Zacarias, fez-se coroar novo rei dos francos, dando início a uma nova dinastia.
Pepino confirmou os questionáveis acordos e doações de Constantino à Igreja. Segundo esses acordos, o título de imperador pertenceria ao papado. Por essa proximidade com o cristianismo e por defender a Igreja de um ataque dos lombardos, Pepino recebeu o título de patrício. Também foi o responsável por conceder uma série de terras na Península Itálica que formaram o Patrimônio de São Pedro.
Porém, com a morte de Pepino, ocorreu uma nova disputa pelo trono e consequente divisão das terras entre seus filhos, Carlos e Carlomano, e recomeçaram as lutas internas. Com a morte de Carlomano em 771, Carlos Magno, como ficaria conhecido, reunificou o reino e, atendendo a um pedido do Papa, realizou novos ataques aos lombardos que ameaçavam Roma, entregou a região de Ravena ao Papa e, assim, o Patrimônio de São Pedro estava protegido. Mais uma vez, confirmou as doações de Constantino e de Pepino, O Breve.

No dia de Natal do ano 800, durante uma missa celebrada pelo próprio Papa Leão III, Carlos Magno foi coroado Imperador Romano dos Francos. Não se pode esquecer de que o Império Bizantino continuava vivo em Constantinopla e seu imperador, Miguel I, não aceitou a ideia de que um bárbaro envergasse a púrpura imperial. Para ser reconhecido pelo soberano oriental, Carlos Magno entregou a ele os domínios da Dalmácia e Ístria.

"Carlos Magno, Imperador dos Francos", Albrecht Dürer, 1512, Germanisches Nationalmuseum, Nürnberg, Alemanha.


Para melhor administrar os territórios que compunham o reino dos francos, Carlos Magno dividiu-o em ducados (terras cedidas a um parente do rei, o Duque), condados (governados por um conde que devia obediência ao rei), marcas (em regiões fronteiriças governadas pelo marquês), e criou os missi dominici (os olhos e ouvidos do rei). Estes últimos fiscalizavam todo o Império Franco e garantiam que os interesses do rei não fossem lesados.

A espada e esporas de Carlos Magno. Museu do Louvre, Paris. Crédito: Elias Feitosa

Tesouro imperial de Carlos Magno, Aachen- Alemanha. Crédito: Elias Feitosa



O sucessor direto de Carlos Magno foi Luís, o Piedoso, que governou até 841 e apenas procurou manter aquilo que seu pai havia conquistado. Luís legou o império a seus três filhos. Lotário, o mais velho, pretendeu ser o único imperador, valendo-se das tradições romanas que garantiam poder ao primogênito, mas teve de enfrentar seus dois irmãos, que reivindicavam os costumes germânicos e lhe impuseram o Tratado de Verdun (ano 843), que dividia o império em três partes:
·        Carlos, o Calvo, ficou com a Francia Ocidental;
·        Luís, o Germânico, ficou com a Francia Oriental;
·        Lotário ficou com uma faixa de terra entre as duas partes (a Lotaríngia) e o título de Imperador.



Com a partilha do Império, a Francia Ocidental começou um lento processo de fragmentação sob Carlos, o Calvo, e seus descendentes. Luís, o Gago, e Carlos, o Simples, viram o poder passar lentamente às mãos dos condes, que já não prestavam homenagem (fidelidade militar) ao imperador e que, naquele momento, transmitiam a seus filhos o governo dos feudos. O poder real (ou imperial) submergiu na fragmentação do feudalismo.
Na Francia Oriental, Luís, o Germânico, enfrentou forte oposição dos grandes senhores da Saxônia e, em seu leito de morte, recomendou a seu filho que entregasse a coroa ao poderoso Duque de Saxônia, Henrique.
Os descendentes de Henrique governaram a Francia Oriental dando origem à Dinastia Otônida e ao Sacro Império Romano Germânico, fundado por Oto I, denominado Sacro Império Romano Germânico, o I Reich ("Império" na língua alemã) que existiu até 1806, quando fora extinto pela invasão de Napoleão Bonaparte.

O FEUDALISMO

O feudalismo é classicamente definido como um sistema composto de relações econômicas e sociais servis, descentralização administrativa e fidelidade política e militar entre nobres.
Neste sistema de relação homem a homem, um nobre doador de terras (beneficium), que era chamado de Suserano, comprometia-se a dar proteção a um outro nobre, o recebedor de terras, sendo considerado Vassalo do primeiro. Este último, em troca das terras recebidas, comprometia-se a prestar uma série de serviços ao seu suserano, a maior parte deles de caráter militar. Sem dúvida, o mais importante deles era o juramento de fidelidade absoluta e indissolúvel quando houvesse a necessidade de formar um exército.

O feudalismo era um sistema complexo, por vezes conflitante. Formou-se na Europa Ocidental entre os séculos VIII e XI da Era Cristã, como resultado da ruralização e da insegurança provocadas pelas invasões: os normandos (vindos do norte), os muçulmanos (vindos do sul), os húngaros e eslavos (vindos do leste) e pela já existe fusão de costumes romanos e bárbaros (germânicos) desde o século V. A ruralização e a insegurança provocadas por essas invasões terminaram por afastar as comunidades dos centros urbanos, dando origem aos feudos.

A contribuição romana se deu pela prática do trabalho servil. A servidão originou-se do colonato, exercício de trabalho que se espalhou pela zona rural romana em virtude da crise do escravismo e do encarecimento decorrente da escassez da oferta de escravos. Por outro lado, com a insegurança e as crises sucessivas, muitos romanos poderosos passaram a se refugiar em suas villaes, protegidos por uma guarda pessoal. Plebeus fugidos das cidades ofereciam-se como colonos, na busca da proteção, abrindo mão de sua liberdade em troca da permissão para produzir e viver nas terras daquele senhor. Finalmente, acabavam se transformando em servos da gleba, e é esse processo que aponta no sentido da ruralização da Europa.

Já os bandos guerreiros germânicos introduziram o costume do Comitatus, que era uma relação de amizade e troca de presentes entre um chefe tribal e seus homens de confiança. O maior símbolo dessa relação era a homenagem, na qual os homens juravam fidelidade absoluta ao seu superior.
Uma vez que o suserano era, por definição, aquele que doava terras, evidentemente todo vassalo que doava uma porção de terra tornava-se também suserano. Quanto ao rei, ele era considerado o suserano de todos os suseranos, com o direito de gozar seus privilégios em todos os feudos se assim desejasse. A fragmentação do poder político e a ruralização propiciaram um processo de organização de várias alianças entre os senhores feudais, criando uma teia de vínculos de dependência, que unia os senhores mais poderosos e seus vassalos e dessa forma , o poder local era muito mais forte que o poder central, já que o rei detinha o poder de direito, mas os senhores feudais detinham o poder de fato.

Nas palavras do historiador Francês Marc Bloch, em seu livro, Sociedade Feudal(1939):

"Eis dois homens frente a frente: um que quer servir; o outro, que aceita ou deseja ser chefe. O primeiro une as mãos e assim juntas coloca-as nas mãos do segundo [...] ao mesmo tempo a personagem que oferece as mãos pronuncia algumas palavras, muito breves, pelas quais se reconhece o homem de quem está na sua frente. Depois, chefe e subordinado beijam-se na boca: símbolo de acordo e de amizade. Eram estes os gestos que serviam para estabelecer um dos vínculos mais fortes que a época feudal conheceu."

O rei Eduardo III da Inglaterra presta homenagem ao rei Felipe IV da França, c. 1329, Iluminura de Jacques Froissart, Grandes Chroniques de France Bibliothèque Nationale de France, Paris.


Outro elemento que ajuda a visualizar a autonomia dos feudos é o fato de que as leis escritas da época romana foram, aos poucos, sendo obrigadas a conviver com a tradição oral dos germânicos (direito consuetudinário), isso quando a tradição e os costumes não substituíram completamente o direito escrito.
Essa estrutura nobiliárquica feudal, entretanto, não levou em conta o aumento da população, bem como o número finito de divisões que uma propriedade suportaria, levando em conta a sua capacidade de produção. Dessa forma, a fome era uma dura realidade em grande parte dos feudos e quando havia algum excedente, os senhores procuravam trocar ou comercializar com outros territórios.Os senhores feudais, impossibilitados de dividir suas terras entre seus filhos, passaram a transmitir todos os seus bens ao filho mais velho, dando aos mais novos tão somente as armas para que pudessem exercer a função de cavaleiro. Os demais filhos saíam, então, à procura de guerras que lhes garantiriam um feudo ou mesmo um lugar na corte de um nobre qualquer.

A cavalaria desenvolveu um código de ética profundamente rígido, no qual eram intocáveis princípios como a honra, a lealdade e o da defesa incondicional do cristianismo. Como cavaleiros andantes, esses nobres vagavam por toda a Europa, oferecendo seus serviços a todos os reis, condes, duques e marqueses envolvidos em disputas locais. Tais disputas tornaram-se tão frequentes e sangrentas que a Igreja foi obrigada a impor a Trégua de Deus, limitando os dias da semana em que poderia haver combates.

Iluminura, c. séc. XV, "Investidura de Lancelot", BNF, Paris.


A sociedade feudal era estamental, ou seja, não havia mobilidade social, salvo em situações muito particulares. De maneira geral, pode-se dizer que as camadas sociais resumiam-se da seguinte forma: clero, nobreza e servos.
Sustentando praticamente todos os demais segmentos sociais, estavam os servos, famílias inteiras de pequenos agricultores que pagavam uma infinidade de contribuições para que o nobre lhes permitisse continuar no feudo.
Não se deve esquecer de que a moeda raramente era utilizada na Idade Média e, portanto, essas obrigações eram pagas com gêneros alimentícios ou trabalhos no castelo do senhor feudal(observe a iluminura no alto da página, na qual aparecem os camponeses fazendo a colheita nos arredores de Paris). Entre as obrigações servis, pode-se destacar:

Corveia : trabalho compulsório nas terras do senhor. Além desse, havia os dias trabalhados na terra
do senhor de forma gratuita;

Capitação: taxa paga pelo servo que correspondia a cada membro da família;

Talha: pagamento de parte da produção do servo e do vilão aos nobres;

Banalidades: pagamento de presentes obrigatórios ao senhor e taxas diversas pelo uso das instalações
do senhor;

Formariage: pagamento ao senhor pela permissão de casar, em alguns lugares envolvia a entrega da noiva para passar as núpcias com o senhor;

 Mão morta: para entrar em posse de heranças, ou ainda para permanecer no feudo em caso de morte
do chefe da família;

Tostão de Pedro: pago à Igreja.


           
A economia feudal baseava-se na agricultura, sempre voltada para a subsistência. Na maioria dos casos, não havia produção de excedente e o comércio de longa distância praticamente desapareceu, existindo, porém, um sistema de trocas comerciais diretamente com os próprios produtos, quanto às técnicas de cultivo e produção, estas permaneceram inalteradas, com processos extremamente rudimentares.
Apenas na virada do primeiro milênio algumas modificações significativas foram introduzidas. Uma delas foi a substituição do rodízio de cultivo bienal (a cada dois anos) pelo plantio trienal (a cada três anos), com a adoção do campo de pousio, permitindo o descanso da área cultivável, além do uso do arado de metal e do estribo e a mudança dos arreios na montaria, instrumentos que favoreceram uma melhor aragem do solo, bem como uma melhor condição para o desempenho da tração pelo animal, pois com os arreios ajustados no dorso, a divisão de peso era mais eficiente, favorecendo uma melhor utilização do animal durante o trabalho.

A maioria dos feudos europeus era semelhante no que se refere aos aspectos físicos. Havia um castelo, residência do nobre e seus familiares – geralmente, a única casa de pedra de grandes proporções em todo o feudo. Com o aumento da ameaça de invasões, o século XI produziu os primeiros castelos medievais fortificados, construídos integralmente de pedra.
Próxima ao castelo, estava a igreja, estabelecendo a presença do poder papal no feudo. Os padres eram filhos de servos que foram entregues à Igreja para seguir a vida religiosa, comumente, tinham uma precária formação religiosa e intelectual.
Um pouco mais adiante, estava a aldeia, onde havia as cabanas das famílias de servos, bem como o forno e o moinho, pertencentes ao senhor, mas que poderiam ser utilizados desde que uma taxa especial fosse paga (banalidade).

Não muito distante estava a área cultivável, chamada de domínios. Os servos deveriam trabalhar no manso senhorial como pagamento da corveia e, ainda, deveriam trabalhar no manso servil e entregar parte da produção, respeitando a taxa da talha. O manso servil era fracionado em lotes menores, chamados tenências, cada uma cuidada por uma família.Como os nobres poderiam possuir vários feudos, a administração só era possível com a presença local de um ministerial, vilão funcionário do senhor feudal e responsável por tudo, até a passagem deste. Ao contrário do que podemos imaginar, tal função não atraía o interesse dos moradores do feudo.

A Igreja Cristã sempre foi muito poderosa durante a predominância do feudalismo na Europa. O cristianismo era professado por todos os feudos. Mas é importante frisar que a reprodução desta religião misturava-se a uma infinidade de antigos costumes bárbaros.
A religião era utilizada como mecanismo de harmonização entre o poder dos nobres e a submissão forçada dos servos. Estes últimos deveriam acreditar que Deus teria estabelecido a função de cada um nessa vida e que não haveria mais diferenças sociais quando chegassem ao Paraíso. Por outro lado, os nobres acolhiam os servos em seus domínios partindo da ideia de que realizavam um ato divino: “uns rezam, outros lutam e os demais trabalham”.

Catedral da Sé Patriarcal de Lisboa c. 1147.
Crédito: Elias Feitosa


A Igreja era a detentora do monopólio do saber, tornando-se a guardiã do conhecimento no intuito de preservar seus interesses e garantir sua posição como incontestável. Dessa forma, incentivou a produção cultural que favorecesse seus objetivos, principalmente a reafirmação de seus dogmas e a supremacia do papado.

A produção intelectual foi marcada inicialmente pela influência de Santo Agostinho (395-430), defensor da predestinação e das idéias de Platão, tendo originado o neoplatonismo (a fusão de valores cristãos com a doutrina platônica).

A arquitetura entre os séculos IX e XII , denominada posteriormente ,de românica representou o retrato daquele período, ou seja, de uma Europa rural, fechada e buscando proteção, pois as abadias, igrejas e mosteiros eram construídos como a "Fortaleza de Deus", tal qual a Sé de Lisboa, vista na imagem acima: paredes espessas, janelas pequenas, ambiente escuro, seguindo os padrões de construção das antigas basílicas romanas, com a presença de arcos e colunas de inspiração greco-romana.

Um dos principais centros de cultura durante a Alta Idade Média foram os mosteiros e abadias, como os mosteiros de Cluny e Císter, ambos localizados na França, os quais influenciaram  muitos outros .Nestes  locais realizavam-se estudos sobre a Bíblia, copia de textos em pergaminhos e livros como também sua decoração com iluminuras. Outro importante trabalho dos monges eram as traduções de textos dos pensadores da Antiguidade, como Aristóteles, Platão, Sócrates, entre outros.

Castelo junto ao antigo mosteiro de Cluny, séc. XV, hoje Museu Medieval de Paris.
Crédito: Elias Feitosa



segunda-feira, 1 de junho de 2015

A crise do Antigo Sistema Colonial

PERÍODO POMBALINO

Quando assumiu o poder na condição de "homem forte" do rei D. José I (1750-1777), o Marquês de Pombal, em consonância com a percepção de uma parcela da elite portuguesa do atraso em que se encontrava Portugal em relação aos principais países da Europa, orientou as suas ações no sentido de atingir quatro objetivos:

  • submeter a alta nobreza ao controle da Coroa;
  • fortalecer a qualquer custo os grandes comerciantes;
  • evitar a interferência da Igreja nas decisões da monarquia;
  • modernizar a máquina do Estado português.


Ao proceder dessa forma, repetindo o que França, Inglaterra e Prússia já haviam feito, Pombal procurou estabelecer as condições para o exercício eficaz do absolutismo em Portugal, dentro da concepção que ficou conhecida como despotismo esclarecido. As medidas tomadas, porém, não decorreram de um grande plano, previamente traçado, mas obedeceram às necessidades colocadas pelos diversos momentos atravessados pelo governo. Inicialmente, tratou-se da reconstrução de Lisboa, que tinha sido arrasada por um terremoto em 1755. Posteriormente, promoveu-se a reorganização militar para enfrentar o ambiente hostil na Europa com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), conflito que envolveu a França e a Grã-Bretanha, desdobrando-se na América, com embates entre portugueses que apoiaram a Inglaterra enquanto os espanhóis apoiaram a França e isso implicou em combates na fronteira sul da América portuguesa.


Essas providências, naturalmente, exigiam a retomada da atividade econômica e uma reorganização administrativa, além de uma legislação atualizada e da preparação mais adequada dos funcionários. E, finalmente, tornou-se necessária a remoção da capacidade de interferir daqueles que não participavam diretamente do restrito grupo no poder: os nobres tradicionais e os jesuítas, o setor da Igreja mais ligado a Roma.

Em 1759, Pombal decretou a expulsão dos jesuítas do Brasil e de Portugal. A alegação era de que a Companhia tornara-se quase tão poderosa quanto o Estado, ocupando funções e atribuições mais políticas do que religiosas. A Companhia entrou em choque também com setores da própria Igreja, que julgavam excessiva a proteção dos jesuítas aos nativos. O Marquês de Pombal (imagem à esquerda) fechou a instituição, mudou os estatutos dos colégios e das missões e impôs a eles direções leigas. As medidas faziam parte de um conjunto de reformas que visavam a reorganizar a administração, reduzir os conflitos internos e estimular a economia da colônia.

Foram criadas a Imprensa Régia, bibliotecas e indústrias. Houve regulamentação do salário dos camponeses e do tamanho das propriedades rurais. Ordenou-se a mudança da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, tal mudança tem relação direta com o controle da extração mineradora e também foram criadas quatro novas capitanias e Juntas de Justiça na maioria das divisões administrativas da colônia.

Na colônia, o território, bastante ampliado nas últimas décadas, carecia de estímulo ao povoamento e de mecanismos de defesa no litoral e nas áreas críticas do interior, na Amazônia e no sul. Por isso, procurou-se integrar a população brasileira ao processo. Foram tomadas algumas medidas, como limitar a escravização de indígenas e, ainda, permitir a integração destes nas milícias que deveriam lutar contra inimigos dos portugueses. Paralelamente, estabeleceu-se a equiparação ente índios e colonos, sendo até mesmo incentivado pelo governo os casamentos entre brancos e nativos.
No plano econômico, urgia contornar a decadência das exportações de gêneros primários importantes, como o açúcar e o tabaco, sem falar do esgotamento da produção do ouro a partir da década de 1760. Uma das medidas nesse sentido foi a criação da Derrama, que seria decretada todas as vezes em que os colonos das Minas Gerais não conseguissem pagar ao governo português 100 arrobas de ouro por ano. Como resultado, modernizou-se a organização militar, com a criação de novos regimentos auxiliares.

Ao mesmo tempo, procurou-se estimular a produção da colônia e o comércio, com a criação de duas grandes companhias monopolistas. A primeira, a Companhia Geral do Comércio do Estado do Grão-Pará e Maranhão, foi organizada em 1755, e deteria a exclusividade do comércio por 20 anos, em troca do estímulo às culturas do algodão e do arroz, através do fornecimento de créditos e facilidades de transporte do produto e da regularização do provimento de escravos negros para a região. Desta forma, os navios da companhia traziam produtos europeus e escravos africanos e levavam artigos amazônicos para a Europa e possessões lusas na África.

A Segunda, a Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba, foi fundada em 1759, com o objetivo de estimular o cultivo da cana e do tabaco, através de investimentos de capitais diretamente na produção do açúcar e da expansão de créditos. Em 1780, calculava-se que, de um total de 390 engenhos em funcionamento, 123 tinham sido organizados pela própria companhia.
O resultado prático dessas medidas foi que, ao enrijecer o monopólio sobre a compra e a venda dos produtos coloniais, Pombal fortalecia os grandes grupos mercantis metropolitanos, em detrimento da aristocracia portuguesa tradicional.

Ainda na colônia, na região das minas, foi criada uma nova legislação para regulamentar a exploração do ouro e dos diamantes, com o objetivo de impedir o contrabando e aumentar a arrecadação de impostos. Por outro lado, a expulsão dos jesuítas em 1759 tornou indispensável uma reforma do ensino básico, conduzida de maneira hesitante e sem muito sucesso. Em compensação, a reestruturação da Universidade de Coimbra (1772) criou condições para a formação de uma burocracia afinada com a política mais prática da época.



Em 1777, com a morte do rei Dom José I, assumiu o trono a rainha Dona Maria I(1777-1792), que fora a primeira mulher a governar a Coroa portuguesa. Ocorreu, então, a chamada  “Viradeira”, ou seja, a saída de Pombal e o consequente desmonte do processo que ele conduzia. Ao deixar o poder, o todo-poderoso ministro foi acusado de várias arbitrariedades, sendo, inclusive, condenado à prisão. Mas, apesar disso, as diretrizes de seu governo não foram modificadas nos aspectos fundamentais e continuaram, na maior parte, em vigor. Pombal fora banido da Corte e se retirou para suas terras, sem ser mais prejudicado. D. Maria (imagem ao lado) lhe "concedeu o perdão pelos seus crimes".
Durante mais de dois séculos, a colonização portuguesa funcionou sem maiores problemas. Dentro de um regime de monopólios, garantidos pela vigência do Pacto Colonial, os lusitanos exploraram o Brasil ao máximo, levando ouro, algodão e açúcar, além de obrigarem os colonos a adquirirem escravos negros, que eram muito mais caros do que os nativos indígenas. Entretanto, a partir da segunda metade do século XVIII, percebe-se que, de modo geral, a colonização caminhava para uma decadência sem volta.

A colonização era direcionada pelo capitalismo, estreitamente vinculado aos Estados Modernos da Europa, nos quais mercantilismo e absolutismo, em conjunto, eram as bases da política e do sistema colonial. Porém, a influência do movimento denominado Iluminismo, que no século XVIII representou a contestação do absolutismo, também ganhou versões econômicas, isto é, a política intervencionista preconizada pelo mercantilismo entrava em choque com duas novas propostas: a fisiocracia e o liberalismo econômico. Assim, com a industrialização em marcha na Inglaterra, o regime econômico mercantilista tornava-se um entrave para princípios como liberdade de iniciativa e concorrência. A posição de Portugal, na contramão desse processo, passou pela chamada crise do sistema colonial, que afetou quase ao mesmo tempo a Espanha.

Essa análise é fundamental para entender Portugal, um Estado absoluto e mercantilista ao extremo, mas que, nessa época, já se encontrava em franca decadência econômica, inteiramente dependente do capitalismo inglês. O maior exemplo disso foi, sem dúvida, a assinatura do Tratado de Methuen (1703), um acordo completamente desfavorável aos lusos, pois criava taxas alfandegárias que beneficiavam a entrada de tecidos ingleses em Portugal, enquanto os vinhos portugueses sofreriam tratamento semelhante na Inglaterra. Tal medida favoreceu superficialmente a nobreza vinicultora lusa, mas, por outro lado, praticamente arrasou as manufaturas de tecido portuguesas. Além disso, em virtude do déficit acumulado permitiu o escoamento das riquezas auríferas do Brasil para as ilhas britânicas, colaborando junto com outras fontes para a acumulação de capital britânico, aplicado posteriormente na Revolução Industrial.

De certa forma, a decadência do reino português decorreu do colapso de sua economia, amarrada ao mercantilismo. O enfraquecimento de Portugal colaborou para que os metropolitanos ampliassem as formas de arrocho tributário sobre os colonos, em especial os brasileiros. A progressão do processo explorador provocou, como reação, o crescimento da resistência colonial.
A partir do século XVII, passaram a ocorrer rebeliões contra a metrópole portuguesa em vários pontos do território. Essas revoltas foram consequências naturais da divergência de interesses entre colonos e a Coroa lusitana. 

Estas rebeliões podem ser divididas em dois grupos. O primeiro seria o das revoltas nativistas, que possuíam caráter nitidamente local, não questionavam o poder da metrópole, mas  apenas alguma lei específica que dificultasse a vida dos colonos, como impostos, proibição de escravizar índios etc. O segundo grupo seria o das revoltas emancipacionistas ou de libertação, que, pois influenciadas pelo Iluminismo francês e pela independência dos Estados Unidos em 1776,  pretendiam colocar um fim à dominação lusitana sobre o Brasil. 

MOVIMENTOS NATIVISTAS

O primeiro episódio nesse sentido ficou conhecido como Aclamação de Amador Bueno, o "Rei de São Paulo", e ocorreu em 1641. Essa ação encobria a rivalidade entre lusos e espanhóis na época da Restauração Portuguesa (fim da União Ibérica) e também o choque entre bandeirantes e jesuítas quanto à escravização de indígenas.
Inicialmente, o primeiro choque ficou conhecido como Botada dos Padres pra Fora, pois foi uma ação dos paulistas contra os padres jesuítas, que se recusavam a tolerar a escravidão de nativos. Como os paulistas, basicamente, viviam de produção para subsistência, a única atividade que rendia um pouco de dinheiro era o apresamento de índios, daí a expulsão dos padres pelos colonos.

Posteriormente, com a chegada da notícia da Restauração, os colonos paulistas, tinham naquela altura um expressivo número de espanhóis ou descendentes, decididos a romper com Lisboa, convidaram um fazendeiro, Amador Bueno da Ribeira, para se tornar monarca local, afastando-se da coroa lusitana. Mas, após pronunciar os dizeres de fidelidade vassálica, “Real, Real, Real! Viva D. João IV, Rei de Portugal!”, Amador Bueno recusou o convite e refugiou-se no Mosteiro de São Bento, onde os monges lhe deram abrigo. O ânimo da população esfriou e o movimento foi quase esquecido até que, tempos depois, os espanhóis que pretendiam coroar o fazendeiro foram expulsos pelo governo português. Mais tarde, os jesuítas deixaram a vila e a paz foi restaurada.

Anos depois, explodiu no Maranhão um movimento mais amplo, e que ficou famoso, com o nome de Revolta de Beckman (1684). Foi liderado pelos irmãos Manuel e Thomas Beckman, além de Jorge Sampaio, que pretendiam garantir o direito de escravizar índios apreendidos em “guerra justa”, e lutavam contra a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, também acusada de pagar muito pouco pelos produtos coloniais e, em contrapartida, cobrar preços abusivos dos colonos locais.
Outro problema era a presença dos padres jesuítas, contrários à escravização de nativos. O governo português chegou a enviar o Padre Vieira, com o objetivo de convencer os colonos a declinar do sentimento de revolta, mas não houve acordo. Os revoltosos depuseram o governador e tomaram o poder. Porém, o novo governador, Gomes Freire de Andrade, mandado pela metrópole, retomou o governo e ordenou a execução dos líderes da revolta. Para tentar pacificar os rebeldes, cedeu diante de algumas reivindicações dos colonos, no tocante à escravidão indígena e à extinção da Companhia.



Em 1708, explodiu a Guerra dos Emboabas, fruto do choque entre os bandeirantes paulistas, que haviam descoberto ouro em Minas Gerais, e pessoas “vindas de fora”, em sua maioria portugueses, chamadas de emboabas pelos paulistas, que se consideravam descobridores das Minas, exigiam o direito de explorar as jazidas antes da abertura delas a estrangeiros. Tal situação não interessava ao governo português, que via nisso minimizadas as oportunidades de tributar o maior número de garimpeiros que pudessem chegar.
Os vicentinos foram massacrados no episódio do Capão da Traição, após um ano de disputas, e viram-se obrigados a procurar ouro em Goiás e Mato Grosso. Em 1720, foi criada a Capitania das Minas Gerais, separando, assim, a região mineradora da capitania de São Paulo.

Entre 1710 e 1712, estourou a Guerra dos Mascates, conflito entre as cidades de Olinda, na qual mandavam os senhores de engenho que haviam lucrado durante a dominação holandesa, e Recife, ocupada principalmente por comerciantes portugueses.
Recife era um vilarejo sem autonomia política e ligado a Olinda, mas a decadência dos olindenses contrastava com a prosperidade econômica dos recifenses. Não demorou muito para que o Recife obtivesse do governo português o direito de se tornar uma cidade, separando-se de Olinda, o que realmente acabou acontecendo através de uma Carta Régia publicada em 1709.
Julgando-se traídos, os senhores de engenho financiaram uma guerra contra os habitantes do Recife, mas não tiveram o sucesso esperado. O conflito terminou com a vitória dos recifenses e a transferência da capital da capitania de Pernambuco para aquele local, estabelecendo seu predomínio sobre Olinda e toda a região.

A Revolta de Filipe dos Santos ou Revolta de Vila Rica de 1720 foi o episódio mais próximo de uma contestação real da dominação portuguesa, mas seus objetivos eram essencialmente tributários. O tropeiro Filipe dos Santos insuflou os garimpeiros locais contra os impostos abusivos, principalmente o quinto e a obrigatoriedade de apresentar o ouro encontrado nas Casas de Fundição, comunicando suas reclamações ao governador local, o Conde de Assumar, que se prontificou a atender os pedidos apresentados. Na verdade, o governador desejava ganhar tempo suficiente para pedir reforço militar. Enganados pelo conde, os revoltosos foram presos e Filipe dos Santos, depois de um julgamento sumário, foi enforcado e barbaramente esquartejado, tendo seu corpo despedaçado por cavalos.

MOVIMENTOS EMANCIPACIONISTAS

"Liberdade ainda que tardia", o lema dos Inconfidentes


Os dois movimentos que merecem destaque no quadro de contestação das estruturas coloniais foram as Conjurações Mineira e Baiana. De maneira geral, tinham a influência do Iluminismo, ou seja, contestação da tradicional política absolutista e proposta de uma sociedade baseada na igualdade de todos perante a lei. Mas esses movimentos foram muito particulares, pois, em cada um, a interpretação sobre o que seria igualdade passava pela condição social dos membros-líderes.
A Inconfidência Mineira de 1789 foi essencialmente um movimento de elite, alimentado basicamente pelas ideias de um grupo de homens que, longe de se assemelharem ao conjunto da população brasileira da época, criticavam a impossibilidade de ascensão social e política aos habitantes da colônia. Os integrantes, em sua maioria maçons, inspiraram-se no movimento de independência dos Estados Unidos, ocorrido anos antes.

Dentre os participantes, ganharam notoriedade os poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, o Padre José Oliveira Rolim, os militares Francisco de Paula Leite e Domingos de Abreu e, por fim, o também militar e dentista prático, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como “Tiradentes”.
O objetivo da revolta era transformar a colônia em uma república, mas que pouco se diferenciaria da estrutura implantada pelos portugueses. Propunha-se uma nova bandeira, uma Constituição liberal e a criação de uma Universidade, mas o caráter econômico voltado para o mercado externo seria mantido. Mesmo a questão do fim da escravidão deu margem a várias discussões, pois era difícil contrariar os interesses daqueles que possuíam e dependiam do trabalho escravo.

Para iniciar a insurreição, o plano era simples. Em meio à ameaça da Derrama, os rebeldes esperariam que os membros militares tivessem poder sobre suas tropas, tomando, assim, as ruas e proclamando a independência, que seria prontamente apoiada pela população. Porém, três membros ativos do movimento, Joaquim Silvério dos Reis, Brito Malheiros e Correia Pamplona, delataram os companheiros ao governador da capitania, Visconde de Barbacena, com a garantia de que a participação deles na Inconfidência seria esquecida e suas dívidas, perdoadas.

O "mártir republicano" Tiradentes, de Pedro Américo, 1893. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, Minas Gerais.


Os líderes foram presos e houve, então, um longo processo que terminou com o degredo (deportação) de quase todos os participantes, exceto Tiradentes, que, sendo praticamente o único que havia assumido a participação no movimento, foi enforcado e esquartejado. Sua casa foi destruída e o chão, salgado; seus descendentes foram amaldiçoados e a cabeça do inconfidente ficou exposta em Vila Rica, praça que hoje leva o seu nome. Posteriormente, o movimento republicano no século XIX construiu em torno de Tiradentes a imagem do “herói da República”, promovendo a reprodução de retratos onde a figura do inconfidente foi "branqueada" e associada à figura de Jesus Cristo: a morte injusta de homem que lutou por uma grande causa, conforme observamos acima nas pinceladas de Pedro Américo.

A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, ocorrida em 1798, era profundamente diferenciada do movimento mineiro. Inicialmente controlada por uma sociedade maçônica, “Cavaleiros da Luz” e influenciada pela Revolução Francesa, com o destaque do jornalista e médico Cipriano Barata, a rebelião ganhou as camadas mais baixas da população, recebendo a adesão de negros, libertos ou ainda escravos, mulatos e brancos pobres. As propostas, aparentemente inspiradas no pensamento do iluminista Jean Jacques Rousseau, defendiam a igualdade de todos e buscavam o fim da monarquia e da escravidão.
Tal qual em Minas, houve delatores que entregassem os membros do movimento. Além disso, vários panfletos convocando a população para a revolta foram distribuídos em Salvador, o que acabou chamando a atenção das autoridades. As tropas da Coroa deram preferência para fazer dos líderes negros, especialmente os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino dos Santos, os exemplos contra novas revoltas. Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas eram soldados e tanto esses, como outros participantes negros e mulatos foram enforcados e esquartejados, tendo as partes de seus corpos espalhadas por Salvador.

Os líderes mulatos executados em Salvador

O médico, político e maçom Cipriano Barata

A movimentação dos colonos contra a Coroa portuguesa mostrava que, apesar da violência na repressão, os questionamentos e conflitos eram intensos, dando a entender que o modelo administrativo português já não dava mais conta de controlar o Império luso e os fatores externos (Independência dos EUA e a Revolução Francesa) provocaram mudanças significativas no cenário político e territorial europeu e americano, que por sua vez, se relacionaram direta e indiretamente com o Portugal.

A rainha D. Maria I foi considerada incapaz devidos a sérios problemas psíquicos e assim, seu segundo filho, tornou-se o Príncipe Regente D. João, responsabilizando-se pela administração do reino naquele conturbado momento.

Quais foram os resultados? 
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