O CONCEITO DE RENASCIMENTO
O
conceito de Renascimento vem da palavra italiana renascitá, pois se
acreditava que o período anterior, a Idade Média, fora uma "espessa e
longa noite gótica" imersa nas trevas e desprovida de cultura. Para os
homens deste período, a "verdadeira" cultura encontrava-se na
Antigüidade, a qual foi banida e em seu lugar a Igreja estabeleceu o
teocentrismo. O saber, portanto, encontrava-se nas artes e nos escritos clássicos.
Dessa
forma, os artistas e intelectuais buscavam uma concepção de cultura diferente
da medieval e que tinha suas raízes no mundo greco-romano. A proposta central
era afastar-se do teocentrismo, buscando o antropocentrismo, ou seja, o homem
como medida de todas as coisas.
Ao pensarmos o conceito de Renascimento, a
questão mais importante é pensa-lo como uma releitura de um pensamento
que aparentemente teria desaparecido e seria recuperado pelos estudiosos. Tal
idéia tinha força, porque os homens da época entendiam por arte os modelos da
cultura clássica, os quais desapareceram durante o medievo e portanto
precisavam ser recuperados, segundo Giorgio
Vasari e Alberti, ambos artistas renascentistas e importantes
personagens na criação dos conceitos renascimento e homem universal
(l’uomo universale), respectivamente.
Apesar
desta repulsa à Idade Média, é importante perceber que as transformações
sofridas durante o Renascimento foram resultados de um processo de continuidade
que perpassou o medievo e atingiu seu esplendor no momento seguinte, portanto,
não se pode considerar a Renascença como uma ruptura total, mas a mudança de
largo processo de experimentação e aprimoramento.
A partir
da reabertura do Mediterrâneo após as Cruzadas, a Europa assistiu uma intensa
transformação das relações sociais e do modo de vida, pois as cidades voltaram
a crescer e se tornaram o centro das atividades comerciais através da atuação
dos burgueses. A burguesia era um grupo oriundo da ordem dos trabalhadores e
portanto, não possuía a legitimidade como a nobreza ou o clero, os quais
controlavam a vida dos demais .
No que
diz respeito a prosperidade italiana, esta era relacionada com o monopólio do
comércio de especiarias com o Oriente, tendo se destacado as cidades de Gênova,
Veneza, Florença e Pisa. Estas cidades controlavam a venda de especiarias
dentro da Europa e também a sua compra com os árabes e turcos no Mediterrâneo.
Península Itálica no Séc. XV
Fonte: Wikipedia
ITÁLIA: O "BERÇO
DO RENASCIMENTO"
O
Renascimento tem como seu "berço" a Península Itálica devido a um
conjunto de fatores que favoreceram sua formação. Em primeiro lugar, o fato de
ter sido o centro do Império Romano e guardar milhares de ruínas e resquícios
da cultura greco-romana, como templos, estátuas, prédios públicos e dessa
forma, os italianos tinham uma convivência muito próxima com seu "glorioso
passado". Em segundo lugar, o enriquecimento proveniente do comércio
mediterrâneo que permitiu aos burgueses o investimento nas artes, sendo
denominados mecenas, com o objetivo de legitimar sua posição na sociedade e
buscar uma visão de mundo que se relacionasse com seu modo de vida, rompendo
portanto, coma visão de mundo medieval, na qual eram simples trabalhadores
inferiorizados pela nobreza e clero. O mecenato,
no entanto, não ficou restrito aos burgueses, pois nobres, papas e príncipes
também o fizeram.
Um fator
muito importante foi a sobrevivência de muitos textos clássicos através da sua
conservação em bibliotecas de mosteiros e abadias que foram copiados e
traduzidos por monges copistas, do intercâmbio entre sábios bizantinos e também
pela ação dos árabes na tradução e divulgação de vários textos, como por
exemplo o estudo de Aristóteles realizado por Ibn Rushd( chamado no Ocidente de
Averróis) em Córdova.
A
sobrevivência dos elementos da cultura clássica pode ser relacionado com sua
redescoberta a partir do interesse dos intelectuais pelos studia humanitatis (estudos
humanos que incluíam filosofia, poesia, história, matemática , eloqüência e o
perfeito domino do latim e do grego) , pois não se buscou a mera repetição dos
modelos antigos, mas sua reinterpretação à luz de sua época e dessa forma
constituiu-se o humanismo
Neste
contexto, destaca-se a obra de Dante Alighieri (1265-1321) A Divina Comédia, poema
épico composto por três partes (Purgatório,
Inferno e Paraíso), escrito em tercetos com versos decassílabos,
totalizando 100 cantos e totalmente escrito em dialeto toscano, o qual
futuramente daria origem a língua italiana. Apesar de inovadora, a Divina
Comédia ainda trazia vários elementos da cultura e visão de mundo medieval,
representados pela hierarquia, linearidade e imobilidade, tendo porém, uma
perspectiva que ressalta o valor humano, pois a passagem de Dante pelo Inferno
e pelo Purgatório não deturpa seu caráter, ao contrário, reafirma-o.
O QUE LEVOU AO RENASCIMENTO
Uma série de fatores proporcionou
a ocorrência do Renascimento a partir da Baixa Idade Média. Inicialmente, houve
o renascimento comercial, isto é, a
generalização do comércio pela Europa, fenômeno que se tornou irreversível
desde a abertura do Mediterrâneo. Isso tudo foi acompanhado pelo renascimento urbano, que implicou o
surgimento de novas cidades e uma série de funções para elas; a cultura
renascentista foi essencialmente urbana.
Ocorreu
também o surgimento e a ascensão dos
mercadores, ligados principalmente ao comércio marítimo. Para que isso
acontecesse, foi necessária a centralização do poder em algumas partes da
Europa, o que favoreceu a redução do poder da Igreja e das ideias que
condenavam o comércio de maneira geral. Tais mercadores, enriquecidos, passaram
a viver em castelos tentando igualar-se à nobreza de sangue. Passaram, então, a
praticar o mecenato, ou seja, a
abrigar, financiar e incentivar jovens artistas, tornando-se protetores das
artes. Estes jovens artistas entraram em contato com a herança do Império
Romano presente em esculturas, pinturas, obras arquitetônicas e literárias
espalhadas por toda a Península Itálica.
Outro
fator impulsionou o Renascimento foi que, com a queda de Constantinopla, que passava às mãos dos turcos, muitos sábios bizantinos fugiram para o Ocidente,
encontrando refúgio nos castelos dos burgueses italianos. Não se pode
esquecer de que, em Constantinopla, onde o Império Romano de alguma forma
sobreviveu, os textos clássicos ainda eram lidos, e o latim e o grego eram
línguas correntes entre poetas e literatos.
Aos
burgueses interessava duplamente financiar os artistas da época, pois, ao mesmo
tempo em que ascendiam socialmente dentro da Itália, divulgavam seus nomes e
sua grandeza até mesmo nos países distantes.
Lorenzo de Medici pintado por Giorgio Vasari (esq.) e o Papa Júlio II (dir.) pintado por Rafael Sanzio
Fonte: Wikipedia
O RENASCIMENTO E O CONTEXTO HISTÓRICO
Durante a
Baixa Idade Média ocorreu o renascimento comercial e urbano, o qual favoreceu
em especial algumas regiões da Europa como a Flandres (região que hoje
compreende Bélgica e Holanda) e o norte da Itália em virtude da intensa
atividade comercial. Neste momento , começou o fortalecimento do poder
monárquico em detrimento da nobreza, mas tanto na Itália não se formou uma
monarquia nacional centralizada, uma vez que constituíam regiões dominadas por
pequenos Estados sob o controle da burguesia (as Repúblicas de Florença,Gênova,
Lucca, Siena e Veneza);da nobreza (os Ducados de Milão, Módena, Ferrara,
Savóia) e da Igreja (região central da Itália). A região de Flandres era uma possessão dos Duques de Borgonha (passando
no final do século XV para o domínio dos Habsburgo) e era dotada também de
intensa atividade comercial, tendo porém uma burguesia desinteressada em
nobilitar-se como era o caso da italiana, valorizando portanto, sua posição de
mercadores e comerciantes.
O
enriquecimento das cidades italianas fez com que as famílias burguesas que
controlassem o governo das comunas a partir do podestá (líder político) que tinha sob seu controle um exército de
mercenários liderados pelo condottieri (chefe
de armas ou capitão de guerra). Em Veneza , porém, havia a figura do doge (chefe
da República) apoiado pelo senado e pelo temível Conselho dos Dez (órgão
sigiloso, com poderes de vida e morte sobre os cidadãos, composto por membros
da aristocracia veneziana).
Destacaram-se
como importantes membros da burguesia italiana os Médicis em Florença, os
Baglioni em Perúgia e os Bentivoglio em Bolonha; em algumas cidades os próprios
condottieri controlavam o poder como
os Sforza em Milão.
A ESTÉTICA RENASCENTISTA
A
estética renascentista propôs o retorno aos valores clássicos: arte mimética (a
imitação da realidade com o objetivo de buscar a perfeição, segundo
Aristóteles, forjando a idéia de respeitar o modelo adotado e dentro dele a
busca da superação, com o auxílio da criatividade); a harmonia, a sobriedade (contenção dos sentimentos) e além
desta recuperação da Antigüidade, o tema central foi o antropocentrismo (o
homem como medida de todas as coisas) em detrimento do teocentrismo,
favorecendo o surgimento de uma forma de cultura laica (não religiosa), a qual
valorizava o individualismo.
Quanto à
temática, não foram abandonados os temas religiosos, como a vida de santos e as
passagens da Bíblia, pois o que ocorreu neste período é a representação mais
humanizada da divindade. Outro tema muito recorrente foi a mitologia
greco-romana, pois os mitos foram resgatados e ganharam uma roupagem adequada
ao gosto burguês.
A
produção artística do Renascimento pode ser vista como a construção do
imaginário burguês, pois a burguesia buscava a legitimidade e auto-afirmação,
querendo romper com a Idade Média e assim livrar do estigma da servidão,
afinal, os burgueses saíram deste estamento para depois morar nos burgos e
viver do comércio.
AS INOVAÇÕES TÉCNICAS
Durante o
Renascimento surgem inúmeras inovações nas artes plásticas: a perspectiva (a
representação dos objetos, lidando com os conceitos de espaço e volume, enfocados a partir de um
pondo de vista (ponto de fuga), o que permitiu ampliar o espaço, trabalhando a
profundidade e no entanto, delimita o olhar do observador ao ponto estabelecido
pelo pintor , também chamado de "técnica do
ponto fixo" . Um dos primeiros a utilizar esta técnica foi Giotto e
posteriormente, Brunelleschi estabelece uma relação matemática proporcional na
representação das imagens, também chamada de perspectiva geométrica; a pintura
a óleo, importada da Flandres que foi difundida ao longo do Quattrocento , permitiu o trabalho mais
detalhista por parte do artista, possibilitando-lhe o aprimoramento da técnica.
O homem de Vitrúvio - Leonardo da Vinci
Fonte: Wikipedia
FASES DO RENASCIMENTO ITALIANO
Trecento (1300-1399): É a fase de
transição entre a estética medieval e a renascentista. Destacam-se neste
período os pintores: Giotto( afrescos da Basílica de Assis), Duccio, Cimabue,
Simone Martini e Ambrogio Lorenzetti. Na literatura temos como autores
importantes Francesco Petrarca (1304-1374), autor de Ódes a Laura e da epopéia
De África e Giovanni Boccaccio(1313-1375) , autor de Decameron. A riqueza da
produção literária deste período estava na utilização dos dialetos, o toscano
principalmente, promovendo a formação da língua italiana.
A deposição da Cruz - Giotto de Bondone. C. 1304-06. Capella Scrovegni - Pádova, Itália
Fonte: Wikipedia
Quattrocento (1400-1499): Nesta fase
houver um maior desenvolvimento das artes plásticas que na literatura, pois os
escritores voltaram a apenas imitar a Antigüidade e assim não continuaram a
escrever nos dialetos e dessa forma usavam o grego e o latim. O centro da
produção renascentista é Florença. Na pintura encontramos o destaque de Masaccio
(1401-1428), autor de A Trindade, Virgem e o Menino com os
anjos; Sandro Botticelli( 1447-1510), autor de O nascimento de Vênus, A
alegoria da Primavera entre outras; Fra Angelico, autor da Anunciação, Cenas da vida de S. Estevão.
Um dos
grandes nomes do Quattrocento é
Leonardo da Vinci (1452-1519), homem de múltiplas habilidades: pintor,
arquiteto, inventor, matemático e filósofo, portanto, o exemplo de "homem
universal". De sua vasta obra destacam-se: A virgem dos rochedos, La
Gioconda (Mona Lisa), projetos arquitetônicos, tratados de anatomia,
pintura e vários inventos. Leonardo representa a transição do Quattrocento para o Cinquecento.
O nascimento de Vênus - Sandro Botticelli, c. 1485 - Galleria degli Ufizzi - Firenze, Itália
Fonte: Wikipedia
Cinquecento (1500-1550): Nesta fase a
capital do Renascimento passa a ser a Roma papal, graças ao mecenato de papas
como Alexandre VI, Júlio II e Leão X e. Na literatura, ainda em Florença,
destaca-se a publicação de "O
Príncipe" , de Nicolau Maquiavel ; de Baltazar Castiglioni, "O Cortesão";
de Ariosto, "Orlando Furioso".
Nas artes plásticas destacam-se Rafael Sanzio, pintor famoso por suas Madonas, A Escola de Atenas e Michelangelo Buonarroti, autor das esculturas:
Davi, Pietá, Moisés; da planta da cúpula
da Basílica de São Pedro e dos afrescos da Capela Sistina.
O Juízo Final - Michelangelo Buonarroti - c. 1536-41 - Capella Sistina, Cidade do Vaticano
O RENASCIMENTO ALÉM DA ITÁLIA
O
Renascimento teve como centro a Península Itálica e gradativamente se espalhou
para o restante da Europa. Depois da Itália, o centro mais importante foi a
região de Flandres, pois também foi uma região de forte atividade comercial
dotada de uma burguesia com grande dinamismo. Na literatura destacou-se Erasmo
de Roterdam, autor de "O Elogio da Loucura".
Na
pintura, temos os irmãos Van Eick, sendo de Jan Van Eick o quadro "O casal Arnolfini"; Hieronymus
Bosch, autor de "O jardim das
delícias", "A pedra da Loucura", O trinfo da Morte";
Pieter Brueghel, autor de "O
massacre do Inocentes", "Torre de Babel", "A morte de
Ícaro"; Rogier Van Der Weiden, autor de "A deposição da Cruz".
O Jardim das Delícias - Hieronymus Bosch - c. 1505 - Museo del Prado, Madrid, Espanha
Fonte: Wikipedia
Em outros
países o Renascimento foi tardio em relação à Itália, tendo menor expressão:
Portugal recebeu influências com o retorno de Sá de Miranda da Itália em 1527,
trazendo o dolce stil nuovo( verso
decassílabo e soneto) e mais tardiamente com Camões graças à publicação de
"Os Lusíadas" em 1572; na Espanha o maior expoente foi Miguel de
Cervantes com sua obra "D. Quixote
de la Mancha"; na França, o principal nome é Rabelais, autor de "Gargântua e Pantagruel"; na
Grã-Bretanha , destacaram-se Willian Shakespeare, dramaturgo, autor de "Romeu e Julieta",
"Macbeth", "Hamlet", "Rei Lear" entre outras
peças e Thomas Morus com "Utopia".
O Renascimento e as Ciências
Representação do sistema heliocêntrico c. 1660
Fonte: Wikipedia
Durante a
Idade Média, um dos principais temas defendidos pela Igreja era o geocêntrismo,
ou seja, a Terra era estática e os planetas giravam ao seu redor. Tal
pensamento começou a ser questionado pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico,
defensor do Heliocentrismo (a Terra e os planetas giram em torno do Sol que é
estático). Esta teoria foi levada adiante por Galileu Galilei, físico
florentino, o qual desafiou a Igreja defendendo tal tese e foi obrigado a
retratar-se publicamente. Mais tarde os estudos de Johan Kepler acabaram por
confirmar o heliocentrismo.
Na
medicina destacaram-se Andra Vesalius na área da anatomia; Miguel de Servet, médico
espanhol responsável pela descoberta da circulação do sangue ou circulação pulmonar pelas artérias.