Retrato de Martinho Lutero, Lucas Cranach, o Velho. Datado de 1529, Hessisches Landesmuseum Darmstadt, Darmstadt, Alemanha.
Martinho Lutero, (1483-1546)
um monge da ordem de Santo Agostinho, doutor de teologia pela Universidade de
Wittenberg, onde se tornou professor de teologia bíblica, cargo que exerceu até
o fim da vida. Através de seus estudos pode constatar a incoerência praticada
pela Igreja Católica ao colocar as “boas obras” em posição de maior importância
que a fé.
No ano de 1517, Lutero fixou
na porta da igreja do castelo de Wittenberg, seu polêmico texto As 95 teses contra a Igreja, no intuito
de chamar a atenção para os inúmeros erros que a Igreja e seus dirigentes
estavam cometendo. Mas ao invés de abrir um espaço para o diálogo, as
autoridades clericais tentaram impor a retratação imediata de Lutero, o qual
negou terminantemente. Afinal, Lutero não se considerava errado, mas sim
preocupado com os erros de outros membros do clero.
A recusa da retratação
acabou por se transformar numa atitude perigosa, implicando no enfrentamento
direto da Igreja Católica e da autoridade do imperador. Em 1520, Lutero foi
excomungado pelo papa Leão X (oriundo da poderosa família Médici, e cujo pai,
Lourenço Magnífico, havia lhe comprado o título de cardeal aos 13 anos de idade)
e queimou publicamente a Bula Papal
que continha sua excomunhão. Perseguido pelo imperador e pelo papa, ficou
escondido sob a proteção do príncipe da Saxônia e nesse período realizou a
tradução do Novo Testamento para o
alemão.
Tomando por base Santo Agostinho,
Lutero construiu uma doutrina própria, mantendo apenas dois sacramentos (o
batismo e a eucaristia), defendeu o uso do alemão nos cultos, a livre
interpretação da Bíblia e contestava a transubstanciação (a transformação do
pão e vinho em corpo e sangue de Cristo durante a eucaristia) defendendo a
consubstanciação (o pão e vinho seriam aceitos simbolicamente, sem mudança de
matéria), e nesse momento, Cristo se faria presente, recebendo aquelas
oferendas.
O interesse da nobreza em apoiar Lutero era
quebrar o domínio da Igreja no seio do Império, já que esta detinha cerca de
30% das terras e, assim, a ruptura com Roma poderia representar o desrespeito à
autoridade papal e imperial, favorecendo o confisco de bens e terras da Igreja
Católica pela nobreza, fato que esclarece a adesão rápida de parte dos nobres
ao pensamento de Lutero.
As ideias luteranas também
tomaram corpo entre os camponeses, fomentando várias revoltas camponesas no
Sacro Império e impondo um estado de tensão que foi acompanhado de saques e
pilhagens, bem como do massacre dos revoltosos. Lutero, no entanto,
encontrava-se sob a proteção da nobreza e talvez essa condição tenha induzido
seu posicionamento em favor da nobreza e favorável à repressão dos camponeses.
Por volta de 1530, um outro
agostiniano, Felipe de Melanchton, expôs integralmente as ideias de Lutero na
cidade de Augsburgo, o que foi denominado a Confissão de Augsburgo, doutrina
renegada pela nobreza católica.
Lutero não chegou a ver o
término da crise religiosa, porque a solução para a questão só ocorreu em 1555
com um acordo entre luteranos e católicos, a Concordata de Augsburgo, na qual
se estabeleceu o princípio "cujus
regio, ejus religio", ou
seja, "tal príncipe, tal religião". Dessa maneira os príncipes
escolhiam a religião a ser adotada em suas terras e a população deveria acatar.
O luteranismo teve uma maior
aceitação na região norte da Alemanha, enquanto o sul permaneceu católico em
sua maioria, mas também chegou a outros países como Suécia, Dinamarca e
Noruega. Com a emigração para o continente americano, o luteranismo chegou ao
Novo Mundo, especialmente na América do Norte. Posteriormente, já no século
XIX, atingiu outras regiões do planeta, seja pela imigração, seja pelo
missionarismo religioso.
Lutero não poderia imaginar o impacto de seu gesto ao
longo tempo, provocando a abertura de um processo que levaria a novas formas de
vivência do cristianismo, moldando sociedades e pensamentos: o cristianismo da
Reforma. Ao mesmo tempo, ficaria assustado, no século XXI, com os abusos
praticados por uma fração dos segmentos do cristianismo quanto às relações espúrias
com o poder político e econômico, inclusive, contrariando uma de suas ideias, a
defesa do Estado laico.
Sugestão do Gabinete:
Lutero. Direção: Eric Till, 2003. Apesar de ser patrocinado pelo clero luterano, o filme apresenta uma síntese sobre a biografia de Lutero e suas ações que acabaram por desencadear uma nova cisão na Igreja Católica no século XVI.