O papado, seu interior
e as diferentes formas de manifestação de sua influência sempre foram objeto de
discussão nas mais diferentes esferas sociais ao longo dos séculos e assim,
todo abordagem sobre este tema carrega uma aura de mistério, de dúvida sobre
aquele que se apresenta como sucessor de Pedro e Vigário de Cristo, depois de
uma eleição secreta, entre chaves (tradução da expressão latina cum clavis ou conclave, em português),
que pelo menos há cinco séculos vem ocorrendo na Capela Sistina, tendo os
afrescos de Michelangelo, Rafael, Boticelli e outros como testemunha.
Após uma votação dos
cardeais eleitores, obtendo-se uma maioria de 2/3 do Colégio de Cardeiais (modo
resolvido por um documento de 1970, de acordo com decisão de Paulo VI), o novo
escolhido é questionado pelo decano do Colégio dos Cardeais,:
Reverendo Cardeal, aceitas a tua eleição canônica como Sumo Pontífice?
Aceito em nome do Senhor. (Caso o cardeal a rejeite, ocorre uma nova votação)
Como queres que te chamemos?
O eleito escolhe um
nome para seu pontificado, geralmente homenageando um de seus antecessores ou
adotando um nome novo, como por exemplo, foi o caso de João Paulo I, que criou
este nome composto, homenageando seus dois antecessores João XXIII(1959-1963) e
Paulo VI (1963-1979). Assim, será apresentado pelo protodiácono e decano (cardeal
mais velho) no balcão principal da Basílica de São Pedro:
Latim
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Tradução em português
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Annuntio vobis gaudium magnum;
Habemus Papam:
Eminentissimum ac
reverendissimum Dominum,
Dominum (Nome),
Sanctæ Romanæ Ecclesiæ
Cardinalem
(Sobrenome),
Qui sibi nomen imposuit (Nome papal).
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Anuncio-vos uma grande alegria;
Temos um Papa:
O eminentíssimo e
reverendíssimo Senhor,
Dom (Nome),
Cardeal da Santa Romana Igreja (Sobrenome),
Que se impôs o nome de (Nome papal).
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Em seguida, aparece para ser saudado pela multidão,
que ansiosamente, se concentra na Praça de São Pedro e dali, já profere as suas
primeiras palavras no exercício da função de Pontífice Máximo da Igreja Católica
Apostólica Romana, dando a benção Urbi et
Orbi, isto é, para a Cidade e o Mundo, com o seguinte texto latino:
Sancti Apostoli Petrus et
Paulus: de quorum potestate et auctoritate confidimus ipsi intercedant pro
nobis ad Dominum.
Que os Santos Apóstolos
Pedro
e Paulo,
em cujo poder e autoridade temos confiança, intercedam por nós junto ao Senhor.
Resposta: Amém.
Precibus et meritis beatæ
Mariae semper Virginis, beati Michaelis Archangeli, beati Ioannis Baptistæ, et
sanctorum Apostolorum Petri et Pauli et omnium Sanctorum misereatur vestri
omnipotens Deus; et dimissis omnibus peccatis vestris, perducat vos Iesus
Christus ad vitam æternam.
Que por meio das orações e dos
méritos da Santíssima Virgem Maria, de São Miguel Arcanjo, de São João Batista,
dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo
e de todos os santos, Deus todo-poderoso tenha misericórdia de vós, perdoe os
vossos pecados e vos conduza à vida eterna em Jesus Cristo.
Resposta: Amém.
Indulgentiam, absolutionem et
remissionem omnium peccatorum vestrorum, spatium verae et fructuosae
poenitentiæ, cor semper penitens, et emendationem vitae, gratiam et
consolationem Sancti Spiritus; et finalem perseverantiam in bonis operibus
tribuat vobis omnipotens et misericors Dominus.
Que o Senhor Todo Poderoso e
misericordioso vos conceda indulgência,
absolvição,
e remissão de todos os vossos pecados, em
tempo para uma verdadeira e frutuosa penitência, sempre com coração contrito, e
a benção da vida, a graça, a consolação do Espírito Santo e perseverança final
nas boas obras.
Resposta: Amém.
Et benedictio Dei
omnipotentis, Patris et Filii et Spiritus Sancti descendat super vos et maneat
semper.
E que a bênção de Deus Todo
Poderoso, Pai e Filho e Espírito Santo desça sobre vós e permaneça sempre.
Resposta: Amém
Um belo e antigo ritual, que mostra ao mundo, a continuidade desta milenar
instituição que é a Igreja Católica Romana. Mas e se o papa eleito disser “não”?
Moretti como psicanalista tentando conversar com "Sua Santidade", sob o olhar perplexo dos cardeais.
Foi esta pergunta que moveu o diretor do filme Habemus papam Nanni Moretti na construção de um contexto fictício,
valendo-se de cenas reais do funeral de João Paulo II, para mostrar um conclave
que elevaria o cardeal Melville, interpretado pelo ator Michel Piccoli, ao
cargo mais importante da Igreja.
O cardeal Melville era um dos cardeais eleitores, mas não era um favorito,
como o cardeal Gregori, interpretado por Renato Scarpa. Há um velho provérbio
na Igreja que diz “quem entra como papa no conclave, saí como cardeal” e foram
poucos que consiguiram provar o contrário, 13 ao todo, e o mais recente, foi Bento
XVI, eleito em 2005.
O recém-eleito, tomado pela surpresa, diz “sim” ao Conclave e a tradicional
fumaça branca, tão esperada pela multidão na Praça de São Pedro é comemorada,
os sinos da Basílica dobram e se aguarda o anúncio do “Habemus papam” e no
exato momento da apresentação, o impensável acontece: um grito de dor ou pavor
é bradado pelo “futuro papa”, que saí correndo, deixando seus demais colegas em
pânico e o decano dos cardeais não concluiu o anúncio retornando seus passos
lentamente para trás, tomado pela perplexidade.
O que fazer? Como agir? Nesse grande vazio começa a busca pelo caminho mais
fácil: a aceitação da função pelo eleito, que é examinado por médicos,
encontra-se, aparentemente em boa saúde, mas não consegue ir adiante.
Algo deve ser feito e nisso, aqueles que vivem da prática de uma fé
verdadeira apelam para a ciência que busca entender a mente e seus meandros,
chamando um renomado psicanalista italiano, ateu convicto que deveria buscar
uma solução para o problema.
O papa no divã? Aquele que aparentemente é visto como alguém acima de todos
os mortais, sendo questionado como um paciente comum?
O papel do analista coube ao próprio diretor, aliás, muito bem desempenhado,
flertando com a ironia da situação, o velho conflito entre a Fé e a Ciência e
ainda por cima, a crise visível de uma instituição que envolve mais de um
bilhão de pessoas.
É uma discussão séria, ao pensarmos qual é o futuro da Igreja Católica
Romana, perante às inúmeras questões que a cercam no campo interno e na sua
relação com a sociedade e assim, o filme busca pelo inusitado, a construção de
um momento de reflexão, sem ficar restrito ao anticlericalismo exacerbado ou a
uma desacralização que pudesse ofender a instituição e seus fiéis.
Fica aqui a sugestão! Bom filme!
Habemus papam
Direção: Nanni Moretti
Ano: Itália, 2011
Duração: 102 minutos