O golpe militar de 1964 representou o fim da era populista.
Essa prática política, que começou com a Revolução de 1930 e a ascensão de
Getúlio Vargas, incorporou as massas à vida política, mas negou-lhes autonomia.
Os trabalhadores eram tutelados pelo Estado e serviam de base de sustentação
para os governantes.
O
nacionalismo econômico e o fortalecimento de grupos de esquerda, como
estudantes, camponeses e sindicatos, desagradava os setores mais influentes da
sociedade, que se tornaram protagonistas do movimento de 1964.
Os
militares representaram, então, uma alternativa para o populismo e o
nacionalismo reformista. Naquele momento, o discurso referia-se a novas
expressões, como segurança nacional e
anticomunismo, pois se incorporava solidamente o
alinhamento do Brasil com os interesses dos EUA na lógica da Guerra Fria.
Durante o
regime militar no Brasil, houve o fortalecimento do Poder Executivo, e o alto
comando das Forças Armadas passou a controlar a sucessão presidencial. Apesar
de ter havido um rodízio de presidentes, deve-se lembrar que a oposição estava
proibida de indicar candidatos.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
O Supremo
Comando Revolucionário (uma junta militar) assumiu o poder e baixou o Ato Institucional no 1 (AI-1), que limitava o poder do
Congresso Nacional, cassava diretos civis dos cidadãos e criava o Decurso de
Prazo , pelo qual os projetos enviados pelo Executivo só poderiam ser
rejeitados por maioria absoluta e seriam aprovados automaticamente se não
fossem votados 30 dias após sua emissão. Estabelecia que o presidente deposto seria
substituído por eleição indireta.
Foi esse dispositivo que permitiu a eleição do Marechal Humberto Castelo Branco
para a presidência. Muitos parlamentares foram cassados, líderes sindicais
presos e até a União Nacional dos Estudantes foi fechada.
Presidentes do Período Militar
Humberto Castelo Branco 1964 - 1967
Artur da Costa e Silva 1967 - 1969
Emílio Garrastazu Médici 1969 - 1974
Ernesto Geisel 1974 - 1978
João Batista de Oliveira Figueiredo
1979 - 1985
O AI-2 (1965) extinguiu todos os partidos políticos e, posteriormente, criou a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro). Foi a estratégia encontrada para manter a aparência de
que havia um poder Legislativo. O AI-3
(1966) estabeleceu eleições indiretas
para governadores dos Estados e nomeação
dos prefeitos das capitais e cidades estratégicas (áreas de segurança
nacional) pelos governadores. Em fins de 1966, foi editado o AI-4, que convocava o Congresso a aprovar uma nova Constituição. A Carta
de 1967 concedeu ao Executivo o poder de legislar durante o recesso
parlamentar.
A nova
Constituição entrou em vigor com a posse do general Artur da Costa e Silva, mas
já havia uma certa apreensão da sociedade quanto à permanência dos militares no
poder. Muitos políticos que haviam apoiado o golpe, como Carlos Lacerda e
Ademar de Barros, perceberam que existia uma mobilização no sentido de afastar
os civis do poder. Se antes imaginavam que a saída de Jango lhes abriria espaço
político, agora viam que os militares pretendiam governar a seu modo. Foi nesse
ambiente que Lacerda manteve contatos com JK e João Goulart, formando a chamada
Frente Ampla.
Em meados
de 1968, a UNE, apesar de extinta, ainda conseguia liderar manifestações
importantes, como a Passeata dos Cem Mil,
no Rio de Janeiro. Enquanto isso, o Exército fazia grande campanha para que as
comemorações do Dia da Independência tivessem ampla participação popular. Mas,
na Câmara Federal, o deputado do MDB, Márcio Moreira Alves, num discurso,
convidou a população a boicotar os desfiles de 7 de Setembro. Os militares
pressionaram o Congresso para cassar o mandato do deputado, mas os
parlamentares não aceitaram.
Assim, em
dezembro de 1968, o governo fez baixar o AI-5,
que dava ao Executivo o direito de
colocar em recesso o Congresso Nacional e estabelecia a suspensão de todas as
garantias constitucionais dos acusados de crime contra a Segurança Nacional, a
intervenção nos Estados e municípios, a restrição do habeas corpus, a censura prévia aos meios de comunicação etc.
No final de
1969, Costa e Silva sofreu um derrame cerebral, mas os militares recusaram-se a
passar o poder para o vice, e civil, Pedro Aleixo. Uma junta militar assumiu o
governo, entregando-o em outubro de 1969 para o general Emílio Garrastazu
Médici, depois de o Congresso ter “concordado” com a “eleição”.
O “MILAGRE” ECONÔMICO
Já no
governo de Castelo Branco, os ministros Roberto Campos e Otávio Gouveia de
Bulhões (respectivamente, Planejamento e Fazenda) desenvolveram o PAEG
(Programa de Ação Econômica do Governo), com o objetivo de controlar a inflação
e criar condições para a retomada do crescimento do País. Houve grande
favorecimento ao capital estrangeiro e uma forte contenção dos salários como
vias de controle de preços. Foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), que permitiu a rotatividade da mão-de-obra e o rebaixamento dos
salários.
Durante o
governo Costa e Silva, os ministros Hélio Beltrão e Delfim Neto deram
continuidade ao plano e, com isso, obtiveram empréstimos dos Estados Unidos e
aval para o reescalonamento da dívida externa.
Nos anos
seguintes, principalmente durante o governo Médici, os empréstimos no exterior
permitiram ao Estado idealizar uma série de grandes obras, que tinham por
objetivo investir pesado em áreas nas quais a iniciativa privada não poderia
atuar, além de, por serem de grande porte, chamar a atenção da população para
um inevitável desenvolvimento do País. As chamadas obras faraônicas (como a Ponte Rio-Niterói, a Usina de Itaipu, a
Ferrovia do Aço e a Transamazônica, sem falar no “programa nuclear” brasileiro)
consumiram boa parte do dinheiro dos empréstimos,
Com os
ministros João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e Delfim Neto (Fazenda), a
indústria teve um notável desenvolvimento em todos os setores, como bens
duráveis e não-duráveis, máquinas, equipamentos e indústria de base. Mas tal
modelo econômico, muito dependente de empresas estrangeiras e de empréstimos do
exterior, não resistiu às crises internacionais dos anos de 1970. Dentre elas,
a crise do petróleo de 1973 foi a
que mais atingiu diretamente os cofres públicos. Milhões de dólares foram
emprestados e gastos apenas com a importação de petróleo e os subsídios ao
petróleo nacional. O programa Proálcool,
apesar de desenvolver uma nova tecnologia para combustíveis, não conseguiu
impedir o colapso do “milagre econômico”.
Durante o
governo Geisel, o mesmo João Paulo dos Reis Veloso, então acompanhado de Mário Henrique
Simonsen, tentou reverter o quadro de crise econômica, ampliando a participação
do Estado na economia. Mas um inimigo crescente começava a corroer o apoio que
a classe média dava ao regime: a inflação.
No começo
da década de 1980, já sob o governo Figueiredo, e com Delfim Neto e Ernane
Galvêas à frente da área econômica, a crise atingia seu ponto máximo, com
desemprego, inflação alta, desvalorizações diárias da moeda, arrocho salarial e
novos empréstimos no exterior, não mais para investimentos, mas apenas para
saldar os débitos antigos.
O ministro
Delfim Neto ficou famoso ao criar a frase (que se referia à distribuição de
renda no Brasil): “Primeiro é necessário fazer crescer o bolo, para depois
dividi-lo”. O modelo econômico militar permitiu ao Brasil deixar de ser um País
essencialmente agrícola para se tornar a oitava economia do mundo em capacidade
produtiva, mas isso não significou distribuição de renda. Mesmo com o aumento
da participação do Estado na economia, os desequilíbrios regionais permaneceram,
e foram até ampliados, e a indústria nacional ficou ainda mais atrelada às
multinacionais, que compraram empresas brasileiras ou, simplesmente, passaram a
tutelá-las. Fazendo uma análise final, o bolo cresceu sim, mas os ricos
enriqueceram ainda mais, enquanto a parcela pobre da população distanciou-se
ainda mais das elites, tendo à sua disposição ensino, saúde, transporte e
moradia muito piores do que antes.
CRISE E FIM DA DITADURA
Os
militares revezaram-se no poder ao longo de 21 anos, enfrentando, vez por
outra, contestações das esquerdas que foram reprimidas violentamente.
Principalmente durante o governo Médici, nos final dos anos 60 e início dos 70,
os vários focos de guerrilha urbana e no campo foram esmagados pelo regime. A
censura dominou os meios de comunicação, a música, as artes e até mesmo obras
vindas do exterior. Centenas de brasileiros foram torturados e mortos nos
porões da ditadura, enquanto a população era bombardeada com campanhas
ufanistas e frases de efeito, como “Ninguém segura esse país” e “Brasil: ame-o
ou deixe-o”. O mesmo país que encantava o mundo ao conquistar a Copa do Mundo
do México em 1970, com um futebol “mágico”, um possível
reflexo da prosperidade interna, no entanto, nada mais era do que a manipulação
desenfreada das informações, buscando esconder a truculência do regime.
O regime
começou a apresentar sinais de exaustão no início da década de 1980, com os
protestos dos estudantes de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, a chamada “Marcha da
Panela Vazia” na Praça da Sé, e as greves de metalúrgicos do ABC paulista.
Estas últimas tiveram, inclusive, repercussão internacional.
Em 1974, a
oposição esboçou uma reação ao vencer as eleições em 16 dos 22 Estados da
Federação. Em resposta ao fracasso eleitoral da Arena, o Ministro da Justiça,
Armando Falcão, criou a Lei Falcão (1976), que proibia o discurso dos políticos até
mesmo durante a campanha eleitoral, mas facultava aos partidos a utilização
de rede nacional de rádio e televisão durante uma hora por ano. O líder do MDB,
Alencar Furtado, utilizou a rede para denunciar torturas contra presos
políticos e foi cassado na tribuna livre da Câmara dos Deputados.
Em 1977, o General Ernesto Geisel baixou o Pacote
de abril, que determinava que:
- o número de deputados de cada
Estado seria proporcional ao número de habitantes. Dessa forma, nos colégios
eleitorais com maior número de analfabetos, cada voto (de eleitor e, portanto,
alfabetizado) teria maior força;
- os territórios (sob controle
militar) elegeriam dois deputados em vez de de um;
- cada Estado teria um número mínimo
de oito deputados e um máximo de 55;
-
o mandato de presidente seria estendido de cinco
para seis anos.
Em
1979, o General Geisel cancelou as eleições para senador e nomeiou pessoas de
sua confiança para o Senado (os senadores
biônicos), mas revogou o AI-5. O General João Batista Figueiredo, abraçando
uma emenda constitucional de 13 de outubro de 1978, permitiu o início da abertura política e a anistia a todos os acusados de crimes
políticos. Não foi a anistia “ampla, geral e irrestrita” que pediam os
movimentos populares, mas, “lenta, gradual e segura”. Restabeleceu-se a liberdade partidária,
extinguindo-se o MDB e a ARENA, e foram prometidas eleições diretas para
presidente "para breve".
Os
integrantes do MDB criam o PMDB e a ARENA deu origem ao PDS. Outros políticos
fundaram um partido mais moderado e batizado com o nome de PP (Partido
Popular), liderado por Tancredo Neves. Leonel Brizola e Ivete Vargas (sobrinha
de Getúlio) lutaram pela herança do trabalhismo e da sigla PTB, sendo que a
vitória coube a Ivete. Brizola, que havia acabado de voltar do exílio,
decidiu-se pela criação do PDT (Partido Democrático Trabalhista), tentando
rivalizar com o PTB, apesar de este apresentar um perfil muito mais conservador
do que nos tempos de Getúlio. Fruto de
uma articulação de intelectuais e políticos de esquerda, estudantes e
sindicalistas empolgados com o sucesso das greves do ABC, surgiu o PT (Partido
dos Trabalhadores), que se tornou o substituto do PCB (ainda ilegal na época)
junto ao comando dos trabalhadores organizados.
Em 1982,
ocorreram as eleições democráticas para governador ainda sob a legislação casuísta da ditadura. Fortalecidas com o
resultado das urnas, as oposições lançaram o movimento das Diretas Já em 1984, mobilizando milhares de pessoas em todo o País
com comícios e passeatas. Mas a Emenda Dante de Oliveira (deputado do PMDB que
apresentou o projeto constitucional) foi barrada pela bancada situacionista
liderada pelo PDS e não conseguiu os votos de 2/3 do Congresso como exigia a
lei. As eleições ocorreriam apenas em 1985, ainda pelo Colégio Eleitoral.
A LUTA ARMADA CONTRA A DITADURA
Desde a
radicalização do regime, as forças de oposição tentaram criar mecanismos de combate
ao regime militar e dentre as possibilidades, muitos grupos se engajaram na
luta armada. Diferentes segmentos da esquerda buscaram a articulação de
“células” formadas pelos membros dos partidos e suas tendências. A principal
dificuldade para a sobrevivência destes grupos foi a significativa ausência de
apoio popular ou mesmo do conhecimento da população sobre as ações praticadas
contra o regime. Vale lembrar a manipulação dos meios de comunicação e a
censura prévia foram eficazes para converter os inimigos do regime em
“terroristas” que ameaçavam a segurança nacional.
A
esquerda se articulou em vários grupos de ação como a ALN (Ação Libertadora Nacional) e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) que sequestraram o
embaixador dos EUA Charles Elbrick, a VPR
(Vanguarda Revolucionária Popular) liderada por Carlos Marighella e Carlos
Lamarca que articularam a guerrilha de ação urbana (assaltos de bancos,
sequestros, ataques aos postos militares e policiais) e a guerrilha rural (a
ação entre 1971 e 1973 na bacia do Araguaia).
Da parte
do regime militar foram organizados diferentes mecanismos para a repressão: o
AI-14 previa “pena de morte em casos de guerra externa, psicológica,
revolucionária ou subversiva” tendo como expoentes, a partir de 1969, a OBAN (Operação Bandeirante) grupo de
militares patrocinado por diferentes segmentos do empresariado e elite para a
perseguição e extermínio dos subversivos, que foi posteriormente substituído
pelos DOI-CODI (Destacamento de
Operações e informações; Centro de Operações de Defesa Interna), espalhando-se
por vários estados e se constituíram nos principais centros de tortura da
ditadura militar.