As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O Regime Militar no Brasil (1964-85)


O golpe militar de 1964 representou o fim da era populista. Essa prática política, que começou com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, incorporou as massas à vida política, mas negou-lhes autonomia. Os trabalhadores eram tutelados pelo Estado e serviam de base de sustentação para os governantes.

            O nacionalismo econômico e o fortalecimento de grupos de esquerda, como estudantes, camponeses e sindicatos, desagradava os setores mais influentes da sociedade, que se tornaram protagonistas do movimento de 1964.

            Os militares representaram, então, uma alternativa para o populismo e o nacionalismo reformista. Naquele momento, o discurso referia-se a novas expressões, como segurança nacional e anticomunismo, pois se incorporava solidamente o alinhamento do Brasil com os interesses dos EUA na lógica da Guerra Fria.

            Durante o regime militar no Brasil, houve o fortalecimento do Poder Executivo, e o alto comando das Forças Armadas passou a controlar a sucessão presidencial. Apesar de ter havido um rodízio de presidentes, deve-se lembrar que a oposição estava proibida de indicar candidatos.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

            O Supremo Comando Revolucionário (uma junta militar) assumiu o poder e baixou o Ato Institucional no 1 (AI-1), que limitava o poder do Congresso Nacional, cassava diretos civis dos cidadãos e criava o Decurso de Prazo , pelo qual os projetos enviados pelo Executivo só poderiam ser rejeitados por maioria absoluta e seriam aprovados automaticamente se não fossem votados 30 dias após sua emissão. Estabelecia que o presidente deposto seria substituído por eleição  indireta. Foi esse dispositivo que permitiu a eleição do Marechal Humberto Castelo Branco para a presidência. Muitos parlamentares foram cassados, líderes sindicais presos e até a União Nacional dos Estudantes foi fechada.



Presidentes do Período Militar
Humberto Castelo Branco                     1964 - 1967   
Artur da Costa e Silva                           1967 - 1969
Emílio Garrastazu Médici                      1969 - 1974
Ernesto Geisel                                        1974 - 1978
João Batista de Oliveira Figueiredo       1979 - 1985



            O AI-2 (1965) extinguiu todos os partidos políticos e, posteriormente, criou a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Foi a estratégia encontrada para manter a aparência de que havia um poder Legislativo. O AI-3 (1966) estabeleceu eleições indiretas para governadores dos Estados e nomeação  dos prefeitos das capitais e cidades estratégicas (áreas de segurança nacional) pelos governadores. Em fins de 1966, foi editado o AI-4, que convocava o Congresso a aprovar uma nova Constituição. A Carta de 1967 concedeu ao Executivo o poder de legislar durante o recesso parlamentar.

            A nova Constituição entrou em vigor com a posse do general Artur da Costa e Silva, mas já havia uma certa apreensão da sociedade quanto à permanência dos militares no poder. Muitos políticos que haviam apoiado o golpe, como Carlos Lacerda e Ademar de Barros, perceberam que existia uma mobilização no sentido de afastar os civis do poder. Se antes imaginavam que a saída de Jango lhes abriria espaço político, agora viam que os militares pretendiam governar a seu modo. Foi nesse ambiente que Lacerda manteve contatos com JK e João Goulart, formando a chamada Frente Ampla.

            Em meados de 1968, a UNE, apesar de extinta, ainda conseguia liderar manifestações importantes, como a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, o Exército fazia grande campanha para que as comemorações do Dia da Independência tivessem ampla participação popular. Mas, na Câmara Federal, o deputado do MDB, Márcio Moreira Alves, num discurso, convidou a população a boicotar os desfiles de 7 de Setembro. Os militares pressionaram o Congresso para cassar o mandato do deputado, mas os parlamentares não aceitaram.

            Assim, em dezembro de 1968, o governo fez baixar o AI-5, que dava ao Executivo o direito de colocar em recesso o Congresso Nacional e estabelecia a suspensão de todas as garantias constitucionais dos acusados de crime contra a Segurança Nacional, a intervenção nos Estados e municípios, a restrição do habeas corpus, a censura prévia aos meios de comunicação etc.
            No final de 1969, Costa e Silva sofreu um derrame cerebral, mas os militares recusaram-se a passar o poder para o vice, e civil, Pedro Aleixo. Uma junta militar assumiu o governo, entregando-o em outubro de 1969 para o general Emílio Garrastazu Médici, depois de o Congresso ter “concordado” com a “eleição”.

O “MILAGRE” ECONÔMICO

            Já no governo de Castelo Branco, os ministros Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões (respectivamente, Planejamento e Fazenda) desenvolveram o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo), com o objetivo de controlar a inflação e criar condições para a retomada do crescimento do País. Houve grande favorecimento ao capital estrangeiro e uma forte contenção dos salários como vias de controle de preços. Foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que permitiu a rotatividade da mão-de-obra e o rebaixamento dos salários.
            Durante o governo Costa e Silva, os ministros Hélio Beltrão e Delfim Neto deram continuidade ao plano e, com isso, obtiveram empréstimos dos Estados Unidos e aval para o reescalonamento da dívida externa.

            Nos anos seguintes, principalmente durante o governo Médici, os empréstimos no exterior permitiram ao Estado idealizar uma série de grandes obras, que tinham por objetivo investir pesado em áreas nas quais a iniciativa privada não poderia atuar, além de, por serem de grande porte, chamar a atenção da população para um inevitável desenvolvimento do País. As chamadas obras faraônicas (como a Ponte Rio-Niterói, a Usina de Itaipu, a Ferrovia do Aço e a Transamazônica, sem falar no “programa nuclear” brasileiro) consumiram boa parte do dinheiro dos empréstimos,

            Com os ministros João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e Delfim Neto (Fazenda), a indústria teve um notável desenvolvimento em todos os setores, como bens duráveis e não-duráveis, máquinas, equipamentos e indústria de base. Mas tal modelo econômico, muito dependente de empresas estrangeiras e de empréstimos do exterior, não resistiu às crises internacionais dos anos de 1970. Dentre elas, a crise do petróleo de 1973 foi a que mais atingiu diretamente os cofres públicos. Milhões de dólares foram emprestados e gastos apenas com a importação de petróleo e os subsídios ao petróleo nacional. O programa Proálcool, apesar de desenvolver uma nova tecnologia para combustíveis, não conseguiu impedir o colapso do “milagre econômico”.

            Durante o governo Geisel, o mesmo João Paulo dos Reis Veloso, então acompanhado de Mário Henrique Simonsen, tentou reverter o quadro de crise econômica, ampliando a participação do Estado na economia. Mas um inimigo crescente começava a corroer o apoio que a classe média dava ao regime: a inflação.
            No começo da década de 1980, já sob o governo Figueiredo, e com Delfim Neto e Ernane Galvêas à frente da área econômica, a crise atingia seu ponto máximo, com desemprego, inflação alta, desvalorizações diárias da moeda, arrocho salarial e novos empréstimos no exterior, não mais para investimentos, mas apenas para saldar os débitos antigos.

            O ministro Delfim Neto ficou famoso ao criar a frase (que se referia à distribuição de renda no Brasil): “Primeiro é necessário fazer crescer o bolo, para depois dividi-lo”. O modelo econômico militar permitiu ao Brasil deixar de ser um País essencialmente agrícola para se tornar a oitava economia do mundo em capacidade produtiva, mas isso não significou distribuição de renda. Mesmo com o aumento da participação do Estado na economia, os desequilíbrios regionais permaneceram, e foram até ampliados, e a indústria nacional ficou ainda mais atrelada às multinacionais, que compraram empresas brasileiras ou, simplesmente, passaram a tutelá-las. Fazendo uma análise final, o bolo cresceu sim, mas os ricos enriqueceram ainda mais, enquanto a parcela pobre da população distanciou-se ainda mais das elites, tendo à sua disposição ensino, saúde, transporte e moradia muito piores do que antes.

CRISE E FIM DA DITADURA

            Os militares revezaram-se no poder ao longo de 21 anos, enfrentando, vez por outra, contestações das esquerdas que foram reprimidas violentamente. Principalmente durante o governo Médici, nos final dos anos 60 e início dos 70, os vários focos de guerrilha urbana e no campo foram esmagados pelo regime. A censura dominou os meios de comunicação, a música, as artes e até mesmo obras vindas do exterior. Centenas de brasileiros foram torturados e mortos nos porões da ditadura, enquanto a população era bombardeada com campanhas ufanistas e frases de efeito, como “Ninguém segura esse país” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”. O mesmo país que encantava o mundo ao conquistar a Copa do Mundo do México em 1970, com um futebol “mágico”, um possível reflexo da prosperidade interna, no entanto, nada mais era do que a manipulação desenfreada das informações, buscando esconder a truculência do regime.

            O regime começou a apresentar sinais de exaustão no início da década de 1980, com os protestos dos estudantes de Direito do Largo São  Francisco, em São Paulo, a chamada “Marcha da Panela Vazia” na Praça da Sé, e as greves de metalúrgicos do ABC paulista. Estas últimas tiveram, inclusive, repercussão internacional.
            Em 1974, a oposição esboçou uma reação ao vencer as eleições em 16 dos 22 Estados da Federação. Em resposta ao fracasso eleitoral da Arena, o Ministro da Justiça, Armando Falcão, criou a Lei Falcão (1976), que proibia o discurso dos políticos até mesmo durante a campanha eleitoral, mas facultava aos partidos a utilização de rede nacional de rádio e televisão durante uma hora por ano. O líder do MDB, Alencar Furtado, utilizou a rede para denunciar torturas contra presos políticos e foi cassado na tribuna livre da Câmara dos Deputados.

   Em 1977, o General Ernesto Geisel baixou o Pacote de abril, que determinava que:
- o número de deputados de cada Estado seria proporcional ao número de habitantes. Dessa forma, nos colégios eleitorais com maior número de analfabetos, cada voto (de eleitor e, portanto, alfabetizado) teria maior força;
- os territórios (sob controle militar) elegeriam dois deputados em vez de de um;
- cada Estado teria um número mínimo de oito deputados e um máximo de 55;
-         o mandato de presidente seria estendido de cinco para seis anos.

            Em 1979, o General Geisel cancelou as eleições para senador e nomeiou pessoas de sua confiança para o Senado (os senadores biônicos), mas revogou o AI-5. O General João Batista Figueiredo, abraçando uma emenda constitucional de 13 de outubro de 1978, permitiu o início da abertura política e a anistia a todos os acusados de crimes políticos. Não foi a anistia “ampla, geral e irrestrita” que pediam os movimentos populares, mas, “lenta, gradual e segura”.                              Restabeleceu-se a liberdade partidária, extinguindo-se o MDB e a ARENA, e foram prometidas eleições diretas para presidente "para breve".

            Os integrantes do MDB criam o PMDB e a ARENA deu origem ao PDS. Outros políticos fundaram um partido mais moderado e batizado com o nome de PP (Partido Popular), liderado por Tancredo Neves. Leonel Brizola e Ivete Vargas (sobrinha de Getúlio) lutaram pela herança do trabalhismo e da sigla PTB, sendo que a vitória coube a Ivete. Brizola, que havia acabado de voltar do exílio, decidiu-se pela criação do PDT (Partido Democrático Trabalhista), tentando rivalizar com o PTB, apesar de este apresentar um perfil muito mais conservador do que nos tempos de Getúlio.     Fruto de uma articulação de intelectuais e políticos de esquerda, estudantes e sindicalistas empolgados com o sucesso das greves do ABC, surgiu o PT (Partido dos Trabalhadores), que se tornou o substituto do PCB (ainda ilegal na época) junto ao comando dos trabalhadores organizados.

            Em 1982, ocorreram as eleições democráticas para governador ainda sob a legislação  casuísta da ditadura. Fortalecidas com o resultado das urnas, as oposições lançaram o movimento das Diretas Já em 1984, mobilizando milhares de pessoas em todo o País com comícios e passeatas. Mas a Emenda Dante de Oliveira (deputado do PMDB que apresentou o projeto constitucional) foi barrada pela bancada situacionista liderada pelo PDS e não conseguiu os votos de 2/3 do Congresso como exigia a lei. As eleições ocorreriam apenas em 1985, ainda pelo Colégio Eleitoral.


A LUTA ARMADA CONTRA A DITADURA

Desde a radicalização do regime, as forças de oposição tentaram criar mecanismos de combate ao regime militar e dentre as possibilidades, muitos grupos se engajaram na luta armada. Diferentes segmentos da esquerda buscaram a articulação de “células” formadas pelos membros dos partidos e suas tendências. A principal dificuldade para a sobrevivência destes grupos foi a significativa ausência de apoio popular ou mesmo do conhecimento da população sobre as ações praticadas contra o regime. Vale lembrar a manipulação dos meios de comunicação e a censura prévia foram eficazes para converter os inimigos do regime em “terroristas” que ameaçavam a segurança nacional.
A esquerda se articulou em vários grupos de ação como a ALN (Ação Libertadora Nacional) e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) que sequestraram o embaixador dos EUA Charles Elbrick, a VPR (Vanguarda Revolucionária Popular) liderada por Carlos Marighella e Carlos Lamarca que articularam a guerrilha de ação urbana (assaltos de bancos, sequestros, ataques aos postos militares e policiais) e a guerrilha rural (a ação entre 1971 e 1973 na bacia do Araguaia).
Da parte do regime militar foram organizados diferentes mecanismos para a repressão: o AI-14 previa “pena de morte em casos de guerra externa, psicológica, revolucionária ou subversiva” tendo como expoentes, a partir de 1969, a OBAN (Operação Bandeirante) grupo de militares patrocinado por diferentes segmentos do empresariado e elite para a perseguição e extermínio dos subversivos, que foi posteriormente substituído pelos DOI-CODI (Destacamento de Operações e informações; Centro de Operações de Defesa Interna), espalhando-se por vários estados e se constituíram nos principais centros de tortura da ditadura militar.

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