As Ricas Horas do Duque de Berry

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As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Delegado do DOI-Codi nega torturas e até que conhecia superior hierárquico

Fonte: Portal iG - Por Vasconcelos Quadros - iG São Paulo  - Atualizada às 

O depoimento do delegado Aparecido Calandra, conhecido nos porões da ditadura como Capitão Ubirajara, nesta quinta, na Comissão Nacional da Verdade, foi tão inverossímil que seu próprio advogado admitiu que poderia pesar contra ele.


“Existe o princípio da razoabilidade”, disse o advogado Paulo Esteves, que vai analisar detalhadamente o depoimento em que Calandra nega até que soubesse que houve maus-tratos nas dependências policiais onde atuou por contínuos oito anos. Comum no meio jurídico, o princípio da razoabilidade pode ser usado na Justiça para formar convencimento do juiz quando o réu, deliberadamente, nega fatos evidentes.
“Não conheço. Nunca vi. Não ouvi”, repetiu o delegado, diante de dezenas de testemunhas e documentos demonstrando sua forte atuação na sede da Operação Oban [Operação Bandeirante], coordenada pelo DOI-Codi[Destacamento de Operações Internas-Centro de Operações de Defesa Interna] do II Exército, na área do 36º Distrito Policial, no Paraíso, Zona Sul da capital paulista.

Nas cercanias do DP, vizinhos ouviam gritos de torturados e os imóveis eram desvalorizados à época pela proximidade com o centro de horror. Nesse local, segundo levantamento da CNV, passaram 52 presos políticos desaparecidos, mortos sob tortura ou em falsos tiroteios com a polícia.
Há relatos de que pelo menos dois militantes da esquerda armada, Horoaki Torigoe e Carlos Nicolau Danielle, teriam passado pelas mãos do “Capitão Ubirajara” antes de desaparecer. Na longa lista de militantes da luta armada que descrevem Calandra como um torturador frio e estrategista, estão pelo menos três parlamentares, o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) e o vereador paulistano Gilberto Natalini (PV).







    “É inesquecível. O Calandra era o Capitão Ubirajara (foto acima).  A especialidade dele era torturar mulheres, sua predileção. Ele torturou minha mulher (Arlete)”, afirmou Adriano Diogo, que foi interrogado pelo delegado. Fisionomia séria, fala mansa, num tom frágil, vestido com um terno bege, camisa e grava rosa, a barba e os cabelos brancos pela idade, o delegado reagiu com silenciosa apatia.
    Frente a frente pela primeira vez com suas supostas vítimas, Calandra afirmou que ficou oito anos no DOI-Codi cumprindo uma função burocrática. Disse que era assessor jurídico emprestado pela Polícia Civil ao II Exército e que não conheceu outros colegas que prestaram serviços no local, nem o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o “porão” e, como chefe do setor, hierarquicamente era o único superior de Calandra.
    As alegações e negativas começaram a cair por terra pela fartura de depoimentos, um documento em que ele assina a requisição de perícia no caso da morte do jornalista Vladimir Herzog – que momentos antes ele jurou só ter tido conhecimento apenas pela imprensa – e um elogio do II Exército, anexado ao seu registro funcional, pelos relevantes serviços prestados “no combate a subversão e ao terrorismo e pela atuação no sistema de informação”. A CNV mostrou também vários autos de apreensão por ele assinados.
    Antes que o coordenador da CNV, Pedro Dallari, mostrasse o documento, Calandra sustentava que nunca havia atuado na área de informação, não havia interrogado nenhum preso e nem tinha contato além da sala em que prestava a “assessoria jurídica”.
    Quando o jurista José Carlos Dias perguntou, incrédulo, se ele não tinha conhecimento da presença de Herzog no local, Calandra caiu em contradição: “Isso não era atividade da área de informação”, disse, logo após afirmar que só cumpria tarefas administrativas.
    Perfil
    Hoje aposentado, Calandra foi uma das peças mais importantes na engrenagem da repressão em São Paulo. Sua identidade fictícia, nos porões, permaneceu incógnita até abril de 1992, quando o Jornal do Brasil publicou entrevistas de ex-presos políticos contando que o delegado levado para a Polícia Federal pelo então diretor do órgão, Romeu Tuma, 1983, era o homem que no DOI-Codi se apresentava com o codinome de Capitão Ubirajara. Acusado como torturador e apontado como estrategista em interrogatório e pressão psicológica, Calandra submergiu, mas não sairia mais da mira dos grupos de direitos humanos.
    Calandra ingressou no Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops), no início dos anos de 1970 e lá ficou até a extinção do órgão durante o governo Franco Montoro, em 1983. Amparado pelo então governador e hoje presidente da CBF, José Maria Marin (que sucedia o hoje deputado Paulo Maluf), seguiu para a Polícia Federal com Tuma e todo o acervo da repressão que, retirado do Deops, ficou armazenado na antiga sede da Superintendência da PF em São Paulo, na Rua Antônio de Godoy, no Largo do Paissandu.
    Homem de confiança de Tuma, o delegado era um dos poucos servidores com autorização para acessar o arquivo que, segundo pesquisadores, foi “depenado” até ser devolvido ao governo paulista. Discreto, lacônico, avesso a imprensa, Calandra é reconhecido no meio policial como um dos maiores especialistas em informação política.
    “Nunca participei de tortura e nem apoiei isso. Eu era proibido de entrar nas demais dependências”, disse, ao atribuir a fartura de evidências que o apontam como o Capitão Ubirajara a “um engano pessoal”. Um jornalista perguntou se ele não tinha medo do que dizem e se a memória não causava insônia. “Não tenho medo de nada. Durmo bem”, disse, encerrando a improvisada entrevista.
    “As testemunhas e os documentos são eloquentes. Dão credibilidade às acusações contra ele”, diz Pedro Dallari. Para o coordenador da CNV, as negativas têm a finalidade de evitar a autoincriminação, já que Calandra está sendo processado na Justiça Federal.

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