As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Cristianismo: da fé dos oprimidos à religião dos opressores



Detalhe do vitral "A Vida de Cristo" - 
Fachada ocidental da Catedral de Notre-Dame de Chartres
Cerca de 1140-50

Atualmente é difícil imaginar um mundo sem a existência do cristianismo, uma religião com mais de 1 bilhão de fiéis espalhados pelo mundo, cujos valores ajudaram a formar aquilo que se entende por mundo “ocidental”. No entanto, em seus dois milênios de existência, a história do cristianismo foi marcada por discussões e disputas dos fiéis entre si, destes últimos com os “não-fiéis” (gentios), que tanto de um lado como outro, resultaram em divisões, rupturas, guerras, massacres. 

Trezentos anos de perseguição se seguiram entre a morte de Jesus e a liberdade de culto concedida pelo imperador romano Constantino com o Édito de Milão no ano de 313, pois os seguidores de Jesus eram vistos como uma ameaça ao Império já que negavam a divindade do imperador e os deuses e se colocavam como seguidores daquele que se apresentou como filho do único Deus.

Mesmo com as perseguições, o cristianismo não deixou de crescer num processo que começou na base da sociedade romana e gradativamente foi atingindo os mais diferentes grupos sociais. Muitos se diziam praticante do culto aos deuses romanos e ao imperador, mas secretamente em suas casas ou na escuridão das catacumbas (cemitérios subterrâneos) realizavam o culto cristão, procurando escapar dos massacres, crucificações, das arenas para serem queimados vivos ou devorados pelos leões.

Ao longo do século IV, o movimento de difusão do cristianismo foi cada vez maior e sem o temor das perseguições e com a proteção dos imperadores, seja na manutenção da liberdade de culto, seja nas doações para a construção dos primeiros santuários. No ano de 391, o imperador romano Teodósio através do Édito de Tessalônica estabeleceu o Cristianismo como religião oficial de todo o Império Romano e tornou proibido o culto aos deuses de outros povos sob a ameaça de prisão e confisco de bens.

A adoção do cristianismo como religião oficial representou mais um passo importante na construção daquilo que entendemos hoje por “igreja”, uma palavra derivada do termo grego Eclésia e significa assembléia, conjunto, grupo. A evangelização foi um fenômeno muito lento e gradual, da mesma forma que a organização da chamada Igreja Cristã. Cada comunidade tinha um líder, o qual era denominado episcópos (bispo) e tinha a autoridade máxima sobre os fiéis, mas nesse período, além de ser um líder religioso, o bispo era também um conselheiro político e chefe militar preocupado com a manutenção das comunidades cristã e se fosse o caso da defesa das mesmas.

Destacaram-se nesse contexto de formação alguns destes religiosos, tais como: o bispo Ambrósio de Milão (340-397) importante conselheiro e crítico do imperador Teodósio e também comentador dos textos bíblicos; Agostinho de Hipona (395-430) batizado por Ambrósio, responsável por uma vasta obra teológica; Eusébio Sofrônio, dito Jerônimo (340-420) que organizou a Vulgata, traduzindo a Bíblia do hebraico (Antigo Testamento) e grego (Novo Testamento) para o latim por volta do ano 400. Todos foram posteriormente canonizados, sendo considerados santos, além de doutores da Igreja por fundamentarem a doutrina cristã.

Os séculos IV e V foram o momento de desestabilização e crise do Império Romano, dividido em duas partes pelo imperador Teodósio por volta de 395 e pressionado por inúmeras tribos que viviam nas suas fronteiras (não tão sólidas e seguras) como de regiões mais distantes do norte da Europa e da Ásia Central e do Leste. O império ocidental agonizava, seja pela ruralização e crise econômica crescente desde o século III, seja pelos ataques e invasões de povos que os romanos chamavam de “bárbaros”, já que não possuíam aquilo que os romanos entendiam por civilização.

Com a queda do Império Romano ocidental em 476 e sua desorganização, um novo contexto se formou: os territórios foram partilhados (nem sempre de modo pacífico) entre as tribos germânicas, nórdicas e asiáticas que se estabeleceram na Europa Ocidental, dando origem a pequenos reinos. 
Mas nem tudo que era romano desapareceu, pelo contrário a Igreja cristã sobreviveu e seria o principal referencial das tradições e costumes romanos, os quais foram agregados em parte pelos novos senhores da Europa ocidental: os bispos atuaram como conselheiros e ministros dos reis convertidos; a tradição oral das tribos foi gradativamente substituída pela escrita e a língua latina como seu principal vetor na organização das leis e com os avanços na evangelização, novas igrejas eram construídas e comunidades eram fundadas como, por exemplo, os mosteiros e abadias, destacando-se nesse processo, Bento de Núrsia (480-547) que organizou a primeira ordem de monges em Monte Cassino no norte da Itália.

O modelo de vida monástica tinha como referência a vida do próprio Cristo, exaltando a pobreza, a castidade e a obediência. Bento de Núrsia estabeleceu esses princípios numa Regra disciplinar, a qual se tornou posteriormente uma referência para outras comunidades e ordens religiosas, que pode ser resumida na expressão “Ora et Labora”, isto é, oração e trabalho.

No entanto, cabe a pergunta: em que termo ocorreu essa evangelização?

Não é possível pensar num processo imediato e rápido, mas como algo lento e gradual que precisou incorporar elementos da cultura tida por bárbara para que os resultados fossem efetivos. Por exemplo, a construção de igrejas sobre antigos lugares de culto não-cristão (templos, árvores ou fontes sagradas) para os diferentes povos, bem como a fusão das festividades ou rituais e nesse caso, a comemoração do nascimento de Cristo é lapidar.

A data de 25 de dezembro foi ajustada para corresponder a festa do solstício de inverno, ou seja, a entrada do inverno no hemisfério norte, na qual se cultuava o sol (Solis Invictus, Sol Invencível em latim). Ao se comemorar conjuntamente a Natividade de Jesus e a festa do Sol, os padres foram criando uma intimidade maior dos chamados pagãos com os costumes cristãos e ao longo de alguns séculos, a cristianização se efetivou. Num lugar onde houvesse o culto de uma deusa Mãe ou da Terra, transformava-se numa igreja dedicada à Virgem Maria, como muitas catedrais em diferentes partes da Europa. Ou então, o calendário que foi organizado pela Igreja em 394, tendo o marco o nascimento de Jesus e não mais a contagem das Olimpíadas ou a fundação de Roma, sendo que os jogos foram banidos pela Igreja por representarem adoração aos deuses pagãos.

A data varia de acordo com a comunidade cristã. Por exemplo, os cristãos ortodoxos não aceitaram a reforma do calendário feita pelo papa Gregório XIII, em 1582, a qual ajustou um erro de marcação do calendário, fazendo com que uma diferença de 11 dias entre os fenômenos astronômicos e a marcação terrena fosse corrigida. Os fiéis dormiram no dia 04 de novembro e acordaram no dia 15 de novembro. Desse modo, para os cristãos ortodoxos e para os coptas (cristãos egípcios) o Natal ficou de acordo com o calendário juliano, anterior à reforma gregoriana, na data de 07 de janeiro, data relacionada à visita dos Reis Magos a Jesus. 

Pode-se dizer que o cristianismo não nasceu formado de uma matriz única, mas se constituiu como uma religião agregadora de diferentes elementos culturais para a sua organização e que possibilitou não só sua articulação dentro das novas esferas do poder do Império Romano do Ocidente e depois na Europa feudal, mas também da construção de uma visão de mundo e de uma conduta ética que seria o fio condutor daquilo que entendemos por “civilização ocidental”, sem deixar de lado as disputas de influência e poder sobre os espíritos e corpos, para não dizer, bens materiais dos seus fiéis, dilatando-se junto com a expansão europeia  a partir do século XV para diferentes partes do planeta e infelizmente, servindo de justificativa para ações dominadoras ou ditas civilizatórias, mas que na verdade, apenas serviam de pretexto para formas distintas  e vis de dominação.

Apesar da data ter sido uma construção histórica,  enfim, todos disputavam o controle absoluto sobre a doutrina deixada por um humilde homem, da cidade de Nazaré na Galiléia, tendo como mensagem principal “Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a ti mesmo”.





sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O Regime Militar no Brasil (1964-85)

A Mídia? Golpista? Tá de brincadeira, né?


O golpe militar de 1964 representou o fim da era populista. Essa prática política, que começou com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, incorporou as massas à vida política, mas negou-lhes autonomia. Os trabalhadores eram tutelados pelo Estado e serviam de base de sustentação para os governantes.

O nacionalismo econômico e o fortalecimento de grupos de esquerda, como estudantes, camponeses e sindicatos, desagradava os setores mais influentes da sociedade, que se tornaram protagonistas do movimento de 1964.

Os militares representaram, então, uma alternativa para o populismo e o nacionalismo reformista. Naquele momento, o discurso referia-se a novas expressões, como Segurança Nacional e anticomunismo, pois se incorporava solidamente o alinhamento do Brasil com os interesses dos EUA na lógica da Guerra Fria.

Durante o regime militar no Brasil, houve o fortalecimento do Poder Executivo, e o alto comando das Forças Armadas passou a controlar a sucessão presidencial. Apesar de ter havido um rodízio de presidentes, deve-se lembrar que a oposição estava proibida de indicar candidatos.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA



O Supremo Comando Revolucionário (Junta Militar composta pelo Gal. Artur da Costa e Silva, pelo Vice-Almirante Augusto Rademaker e pelo Brigadeiro Francisco Correia de Mello) assumiu o poder e baixou o Ato Institucional no 1 (AI-1), que limitava o poder do Congresso Nacional, cassava diretos civis dos cidadãos e criava o Decurso de Prazo , pelo qual os projetos enviados pelo Executivo só poderiam ser rejeitados por maioria absoluta e seriam aprovados automaticamente se não fossem votados 30 dias após sua emissão. Estabelecia que o presidente deposto seria substituído por eleição  indireta. Foi esse dispositivo que permitiu a eleição do Marechal Humberto Castelo Branco para a presidência. Muitos parlamentares foram cassados, líderes sindicais presos e até a União Nacional dos Estudantes foi fechada.






Marechal Humberto Castelo Branco 1964 - 1967   

Marechal Artur da Costa e Silva   1967 - 1969



General Emílio Garrastazu Médici  1969 - 1974

General Ernesto Geisel  1974 - 1978


General João Batista de Oliveira Figueiredo 1979 - 1985




O AI-2 (1965) extinguiu todos os partidos políticos e, posteriormente, criou a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Foi a estratégia encontrada para manter a aparência de que havia um poder Legislativo. O AI-3 (1966) estabeleceu eleições indiretas para governadores dos Estados e nomeação  dos prefeitos das capitais e cidades estratégicas (áreas de segurança nacional) pelos governadores. Em fins de 1966, foi editado o AI-4, que convocava o Congresso a aprovar uma nova Constituição. A Carta de 1967 concedeu ao Executivo o poder de legislar durante o recesso parlamentar.

A nova Constituição entrou em vigor com a posse do general Artur da Costa e Silva, mas já havia uma certa apreensão da sociedade quanto à permanência dos militares no poder. Muitos políticos que haviam apoiado o golpe, como Carlos Lacerda e Ademar de Barros, perceberam que existia uma mobilização no sentido de afastar os civis do poder. Se antes imaginavam que a saída de Jango lhes abriria espaço político, agora viam que os militares pretendiam governar a seu modo. Foi nesse ambiente que Lacerda manteve contatos com JK e João Goulart, formando a chamada Frente Ampla.

Em 24 de junho de 1968, a UNE, apesar de extinta, ainda conseguia liderar manifestações importantes, como a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, o Exército fazia grande campanha para que as comemorações do Dia da Independência tivessem ampla participação popular. Mas, na Câmara Federal, o deputado do MDB, Márcio Moreira Alves, num discurso, convidou a população a boicotar os desfiles de 7 de Setembro. Os militares pressionaram o Congresso para cassar o mandato do deputado, mas os parlamentares não aceitaram.

Assim, em dezembro de 1968, o governo fez baixar o AI-5, que dava ao Executivo o direito de colocar em recesso o Congresso Nacional e estabelecia a suspensão de todas as garantias constitucionais dos acusados de crime contra a Segurança Nacional, a intervenção nos Estados e municípios, a restrição do habeas corpus, a censura prévia aos meios de comunicação etc.

No final de 1969, Costa e Silva sofreu um derrame cerebral, mas os militares recusaram-se a passar o poder para o vice, e civil, Pedro Aleixo. Uma Junta Governativa Provisória (o Ministro do Exército Gal Aurélio de Lira Tavares, o Ministro da Marinha Almirante Augusto Rademaker e o Ministro da Aeronáutica Marechal-do Ar Márcio Melo) assumiu o governo, entregando-o em outubro de 1969 para o general Emílio Garrastazu Médici, depois de o Congresso ter “concordado” com a “eleição”.

O “MILAGRE” ECONÔMICO

Já no governo de Castelo Branco, os ministros Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões (respectivamente, Planejamento e Fazenda) desenvolveram o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo), com o objetivo de controlar a inflação e criar condições para a retomada do crescimento do País. Houve grande favorecimento ao capital estrangeiro e uma forte contenção dos salários como vias de controle de preços. Foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que permitiu a rotatividade da mão-de-obra e o rebaixamento dos salários.
Durante o governo Costa e Silva, os ministros Hélio Beltrão e Delfim Neto deram continuidade ao plano e, com isso, obtiveram empréstimos dos Estados Unidos e aval para o reescalonamento da dívida externa.

Nos anos seguintes, principalmente durante o governo Médici, os empréstimos no exterior permitiram ao Estado idealizar uma série de grandes obras, que tinham por objetivo investir pesado em áreas nas quais a iniciativa privada não poderia atuar, além de, por serem de grande porte, chamar a atenção da população para um inevitável desenvolvimento do País. As chamadas obras faraônicas (como a Ponte Rio-Niterói, a Usina de Itaipu, a Ferrovia do Aço e a Transamazônica, sem falar no “programa nuclear” brasileiro) consumiram boa parte do dinheiro dos empréstimos,

Com os ministros João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e Delfim Neto (Fazenda), a indústria teve um notável desenvolvimento em todos os setores, como bens duráveis e não-duráveis, máquinas, equipamentos e indústria de base. Mas tal modelo econômico, muito dependente de empresas estrangeiras e de empréstimos do exterior, não resistiu às crises internacionais dos anos de 1970. Dentre elas, a crise do petróleo de 1973 foi a que mais atingiu diretamente os cofres públicos. Milhões de dólares foram emprestados e gastos apenas com a importação de petróleo e os subsídios ao petróleo nacional. O programa Proálcool, apesar de desenvolver uma nova tecnologia para combustíveis, não conseguiu impedir o colapso do “milagre econômico”.

Durante o governo Geisel, o mesmo João Paulo dos Reis Veloso, então acompanhado de Mário Henrique Simonsen, tentou reverter o quadro de crise econômica, ampliando a participação do Estado na economia. Mas um inimigo crescente começava a corroer o apoio que a classe média dava ao regime: a inflação.
No começo da década de 1980, já sob o governo Figueiredo, e com Delfim Neto e Ernane Galvêas à frente da área econômica, a crise atingia seu ponto máximo, com desemprego, inflação alta, desvalorizações diárias da moeda, arrocho salarial e novos empréstimos no exterior, não mais para investimentos, mas apenas para saldar os débitos antigos.

O ministro Delfim Neto ficou famoso ao criar a frase (que se referia à distribuição de renda no Brasil): “Primeiro é necessário fazer crescer o bolo, para depois dividi-lo”. O modelo econômico militar permitiu ao Brasil deixar de ser um País essencialmente agrícola para se tornar a oitava economia do mundo em capacidade produtiva, mas isso não significou distribuição de renda. Mesmo com o aumento da participação do Estado na economia, os desequilíbrios regionais permaneceram, e foram até ampliados, e a indústria nacional ficou ainda mais atrelada às multinacionais, que compraram empresas brasileiras ou, simplesmente, passaram a tutelá-las. Fazendo uma análise final, o bolo cresceu sim, mas os ricos enriqueceram ainda mais, enquanto a parcela pobre da população distanciou-se ainda mais das elites, tendo à sua disposição ensino, saúde, transporte e moradia muito piores do que antes.

CRISE E FIM DA DITADURA

Os militares revezaram-se no poder ao longo de 21 anos, enfrentando, vez por outra, contestações das esquerdas que foram reprimidas violentamente. Principalmente durante o governo Médici, nos final dos anos 60 e início dos 70, os vários focos de guerrilha urbana e no campo foram esmagados pelo regime. A censura dominou os meios de comunicação, a música, as artes e até mesmo obras vindas do exterior. Centenas de brasileiros foram torturados e mortos nos porões da ditadura, enquanto a população era bombardeada com campanhas ufanistas e frases de efeito, como “Ninguém segura esse país” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”. O mesmo país que encantava o mundo ao conquistar a Copa do Mundo do México em 1970, com um futebol “mágico”, um possível reflexo da prosperidade interna, no entanto, nada mais era do que a manipulação desenfreada das informações, buscando esconder a truculência do regime.
O regime começou a apresentar sinais de exaustão no início da década de 1980, com os protestos dos estudantes de Direito do Largo São  Francisco, em São Paulo, a chamada “Marcha da Panela Vazia” na Praça da Sé, e as greves de metalúrgicos do ABC paulista. Estas últimas tiveram, inclusive, repercussão internacional.

Em 1974, a oposição esboçou uma reação ao vencer as eleições em 16 dos 22 Estados da Federação. Em resposta ao fracasso eleitoral da Arena, o Ministro da Justiça, Armando Falcão, criou a Lei Falcão (1976), que proibia o discurso dos políticos até mesmo durante a campanha eleitoral, mas facultava aos partidos a utilização de rede nacional de rádio e televisão durante uma hora por ano. O líder do MDB, Alencar Furtado, utilizou a rede para denunciar torturas contra presos políticos e foi cassado na tribuna livre da Câmara dos Deputados.
Em 1977, o General Ernesto Geisel baixou o Pacote de abril, que determinava que:

- o número de deputados de cada Estado seria proporcional ao número de habitantes. Dessa forma, nos colégios eleitorais com maior número de analfabetos, cada voto (de eleitor e, portanto, alfabetizado) teria maior força;

- os territórios (sob controle militar) elegeriam dois deputados em vez de de um;

- cada Estado teria um número mínimo de oito deputados e um máximo de 55;

-  o mandato de presidente seria estendido de cinco para seis anos.

Em 1979, o General Geisel cancelou as eleições para senador e nomeiou pessoas de sua confiança para o Senado (os senadores biônicos), mas revogou o AI-5. O General João Batista Figueiredo, abraçando uma emenda constitucional de 13 de outubro de 1978, permitiu o início da abertura política e a anistia a todos os acusados de crimes políticos. Não foi a anistia “ampla, geral e irrestrita” que pediam os movimentos populares, mas, “lenta, gradual e segura”.                                   Restabeleceu-se a liberdade partidária, extinguindo-se o MDB e a ARENA, e foram prometidas eleições diretas para presidente "para breve".

Os integrantes do MDB criam o PMDB e a ARENA deu origem ao PDS. Outros políticos fundaram um partido mais moderado e batizado com o nome de PP (Partido Popular), liderado por Tancredo Neves. Leonel Brizola e Ivete Vargas (sobrinha de Getúlio) lutaram pela herança do trabalhismo e da sigla PTB, sendo que a vitória coube a Ivete. Brizola, que havia acabado de voltar do exílio, decidiu-se pela criação do PDT (Partido Democrático Trabalhista), tentando rivalizar com o PTB, apesar de este apresentar um perfil muito mais conservador do que nos tempos de Getúlio.             Fruto de uma articulação de intelectuais e políticos de esquerda, estudantes e sindicalistas empolgados com o sucesso das greves do ABC, surgiu o PT (Partido dos Trabalhadores), que se tornou o substituto do PCB (ainda ilegal na época) junto ao comando dos trabalhadores organizados.
Em 1982, ocorreram as eleições democráticas para governador ainda sob a legislação  casuísta da ditadura. Fortalecidas com o resultado das urnas, as oposições lançaram o movimento das Diretas Já em 1984, mobilizando milhares de pessoas em todo o País com comícios e passeatas. Mas a Emenda Dante de Oliveira (deputado do PMDB que apresentou o projeto constitucional) foi barrada pela bancada situacionista liderada pelo PDS e não conseguiu os votos de 2/3 do Congresso como exigia a lei. As eleições ocorreriam apenas em 1985, ainda pelo Colégio Eleitoral.

A LUTA ARMADA CONTRA A DITADURA

Desde a radicalização do regime, as forças de oposição tentaram criar mecanismos de combate ao regime militar e dentre as possibilidades, muitos grupos se engajaram na luta armada. Diferentes segmentos da esquerda buscaram a articulação de “células” formadas pelos membros dos partidos e suas tendências. A principal dificuldade para a sobrevivência destes grupos foi a significativa ausência de apoio popular ou mesmo do conhecimento da população sobre as ações praticadas contra o regime. Vale lembrar a manipulação dos meios de comunicação e a censura prévia foram eficazes para converter os inimigos do regime em “terroristas” que ameaçavam a segurança nacional.
A esquerda se articulou em vários grupos de ação como a ALN (Ação Libertadora Nacional) e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) que sequestraram o embaixador dos EUA Charles Elbrick, a VPR (Vanguarda Revolucionária Popular) liderada por Carlos Marighella e Carlos Lamarca que articularam a guerrilha de ação urbana (assaltos de bancos, sequestros, ataques aos postos militares e policiais) e a guerrilha rural (a ação entre 1971 e 1973 na bacia do Araguaia).

Antiga unidade do DOPS, hoje "Memorial da Resistência" e "Estação Pinacoteca" na Luz, São Paulo.



Da parte do regime militar foram organizados diferentes mecanismos para a repressão: o AI-14 previa “pena de morte em casos de guerra externa, psicológica, revolucionária ou subversiva” tendo como expoentes, a partir de 1969, a OBAN (Operação Bandeirante) grupo de militares patrocinado por diferentes segmentos do empresariado e elite para a perseguição e extermínio dos subversivos, que foi posteriormente substituído pelos DOI-CODI (Destacamento de Operações e informações; Centro de Operações de Defesa Interna), espalhando-se por vários estados e se constituíram nos principais centros de tortura da ditadura militar.

Delegacia da Vila Mariana, na rua Tutoia, na qual foi torturado e assassinado o jornalista Vladimir Herzog, diretor de Jornalismo da TV Cultura, em São Paulo.

O "Suicídio" forjado de Vladimir Herzog em 25/10/1975


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

1945-64: A República Liberal na era do populismo

O populismo foi um fenômeno que teve suas origens na fase entreguerras (1919-1939), mas que foi típico do Pós-1945 em vários países do mundo. Caracterizou-se por uma democracia extremamente frágil, na qual membros da elite, carentes de apoio popular, apresentam-se ao povo como tendo origem humilde, valendo-se de discursos nacionalistas e demagógicos e, dessa forma, a população se identificava com o governante, sentindo-se inclinada a apoiá-lo em momentos de crise. Em vários países do mundo, no entanto, essa situação evoluiu para democracias sólidas. No Brasil, surgiram líderes populistas regionais, como o paulista Ademar de Barros e os gaúchos João Goulart e Leonel Brizola, mas o populista de expressão nacional foi o próprio Vargas.

Voltemos a caracterizar os principais partidos desse período:

·  PTB: fundado por Getúlio Vargas, reunia colaboradores e sindicalistas simpatizantes do ditador;

·  PSD: também controlado por Vargas, pretendia ampliar a base de sustentação getulista, incluindo elementos de classe média, pequena burguesia e profissionais liberais.

·  UDN: reunia a alta burguesia, os grandes fazendeiros e os militares pró-Estados Unidos.

Devido à pressão norte-americana e da UDN, um golpe de Estado comandado pelo ministro do Exército, Góis Monteiro, depôs o ditador e garantiu as eleições presidenciais. A presidência passou a ser exercida pelo presidente do Supremo Tribunal, José Linhares. Nas eleições, concorreram o ex-ministro de Getúlio, Eurico Gaspar Dutra, candidato da coligação PTB-PSD, Eduardo Gomes (UDN) e Yedo Fiúza (PCB). O vencedor foi o General Dutra com 55% dos votos, o que caracterizou, de certa forma, a vitória da influência política de Vargas, mesmo deposto.

GOVERNO DUTRA (1946-1950)



O governo Dutra foi marcado pela promulgação de uma nova Constituição em setembro de 1946. De caráter liberal e democrático, a Constituição de 1946 regeu a vida política do País até o golpe militar de 1964.



¨   Restabelecimento do federalismo;
¨   Mandato presidencial de cinco anos;
¨   Mandato de quatro anos para deputados;
¨   Mandato de oito anos para senadores;
¨   Restauração do cargo de vice-presidente;
¨   Separação e independência dos três poderes;
¨   Criação da Justiça Eleitoral;
¨   Incorporação da CLT à Constituição;
¨   Proibição de voto para analfabetos e soldados;
¨   Previsão da formação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).


A administração Dutra foi, sobretudo, conservadora e de alinhamento político com os EUA no contexto da Doutrina Truman da Guerra Fria. Expressões disso foram a decretação da ilegalidade do Partido Comunista e o rompimento das relações diplomáticas com a Rússia, bem como todo o bloco soviético. A supressão oficial do PCB fortaleceu o PTB junto aos trabalhadores urbanos sindicalizados. Outra marca do conservadorismo foi a decretação da proibição do jogo e o fechamento dos cassinos.
A proximidade com os Estados Unidos fez-se também no campo cultural, com a introdução de um número cada vez maior de filmes, músicas e produtos norte-americanos que aqui popularizariam o american way of life, isto é, o modo de vida estadunidense calcado no consumismo das mais variadas mercadorias e a adoção de um padrão de comportamento que deixava de lado o conservadorismo de raízes européias para a gradativa adoção de um comportamento mais “liberal” aos moldes estadunidenses.
A presidência de Dutra foi a primeira a elaborar um plano geral de ação do governo. Tal projeto ficou conhecido como Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). Porém, a maior parte das verbas ficou concentrada nos dois últimos itens. Provas disso foram as construções da Rodovia Rio-São Paulo, da Rodovia Rio-Bahia e da usina hidrelétrica de Paulo Afonso. O plano não atingiu os objetivos esperados e foi abandonado em 1951.

Esse período também foi marcado pelos enormes incentivos às importações como estratégia para manter os preços baixos e controlar a inflação. Entretanto, tais medidas provocaram a redução das divisas acumuladas durante os anos de guerra. Em apenas um ano e meio, mais de 700 milhões de dólares foram transformados em menos de 80 milhões.
Com a aproximação do fim do mandato de Dutra, em 1951, realizaram-se novas eleições, nas quais Getúlio Vargas foi eleito presidente com 48% dos votos, tendo como vice João Café Filho (UDN). Vargas, que até aquele momento exercia mandato de senador, soubera articular-se junto aos partidos que ajudara a criar (PTB-PSD), sem deixar de lado setores militares e até os populistas regionais, como Ademar de Barros. Getúlio procurou apagar sua imagem de ditador fascista e voltava ao Catete posando de “democrata” nacionalista e defensor dos trabalhadores.

GOVERNO VARGAS (1951-1954)

GV e a criação da PETROBRAS


Com a ascensão de Vargas ao poder, reconduzido à presidência “nos braços do povo” através da chancela das urnas, instalou-se uma política nacionalista, com o estabelecimento do monopólio estatal sobre a extração e o refino do petróleo, expresso na criação da Petrobras e coroando uma imensa campanha conhecida como "O Petróleo é Nosso". Houve também a expansão da Companhia Siderúrgica de Volta Redonda mas, em contrapartida, Vargas teve também de enfrentar uma inflação  crescente e um Congresso e imprensa contrários à sua prática política. Seu ministro do Trabalho, o trabalhista João Goulart, amedrontava a burguesia conservadora que temia uma guinada de Vargas à esquerda e a implantação  de uma republica sindicalista, tal como fizera na Argentina o ditador Juan Domingo Perón.

Dessa forma, o segundo governo Vargas foi pontilhado de manifestações contrárias a ele, um verdadeiro cerco da imprensa, manifestos dos militares que julgavam estar ocorrendo uma marginalização das Forças Armadas e agitações populares. O anúncio de que o salário mínimo seria elevado em 100% apenas acirrou os ânimos.
No auge das manifestações, ocorreu o “atentado da Rua Toneleros”, onde Carlos Lacerda, membro da UDN e proprietário do jornal A Tribuna da Imprensa, foi ferido a tiros e o major da Aeronáutica Ruben Tolentino Vaz , responsável pela escolta de Lacerda, perdeu a vida.

Os opositores culparam Getúlio, que declarou inocência, comprometendo-se a investigar o fato. A Força Aérea decidiu averiguar o caso por conta própria, chegando até o nome de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente. A partir daí, as investigações referiam-se ao ambiente do governo descrevendo-o como “mar de lama”.
As pressões para que Getúlio deixasse o poder cresciam de todos os lados: UDN, Forças Armadas, e até mesmo o vice Café Filho sugeriu que ambos renunciassem. Na noite de 23 de agosto de 1954, em uma reunião ministerial, Vargas comprometeu-se a tirar uma licença e deixar o Executivo. Mas, na madrugada de 24 de agosto, Getúlio cometeu suicídio com um tiro no peito, depois de redigir uma inflamada carta-testamento.

A UDN percebeu, então, que havia perdido sua ultima chance de chegar ao poder e decidiu dar um golpe de Estado para evitar a posse do candidato eleito, Juscelino Kubitschek, com o pretexto de que ele não conseguira maioria absoluta dos votos. Café Filho afastou-se do poder alegando motivos de saúde, sendo substituído pelo presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz.
A articulação de um golpe era comentada em todos os círculos e já dado como certo por muitos, quando o ministro da Guerra, Marechal Henrique Teixeira Lott, decidiu dar um "golpe preventivo": as tropas do Exército ocuparam os edifícios governamentais, estações de rádio e jornais. Em virtude da posição negativa dos ministros da Marinha e Aeronáutica às ações de Lott , as tropas do Exército cercaram as bases aéreas e navais.
Os parlamentares decidiram pelo afastamento do presidente em exercício Carlos Luz e colocaram em seu lugar o presidente do Senado, Nereu Ramos. O País foi mantido em estado de sítio por trinta dias, prorrogado por igual período. A posse de JK ocorreu em 31 de janeiro de 1956 e assim, o Brasil retornava ao Estado de Direito.


GOVERNO JK (1956-1960)



O governo de Juscelino Kubitschek foi marcado por transformações ligadas à área econômica, como o rompimento com o FMI, a adoção de um capitalismo associado ou dependente dos EUA, exemplificado pela criação da OPA (Operação Pan-Americana), e pelo desenvolvimentismo. Seu slogan de campanha e de governo foi “50 anos de progresso em 5 de governo”, deixando claro que a linha mestra de sua atuação seria a pressa na realização de seus projetos, responsável por um processo que por um lado atraiu a simpatia da população e a momentânea sensação de transformação e prosperidade que ficaram conhecidos como “Anos Dourados” e por outro lado, a atração dos grandes capitais estrangeiros, geraram a desnacionalização da indústria e endividando o País.

Sua realização mais famosa, Brasília, a nova capital, é um ótimo exemplo de suas obras grandiosas realizadas em ritmo acelerado a um custo elevado e de legalidade duvidosa. Sempre é bom lembrar que o primeiro projeto para a transferência da capital brasileira para o Planalto Central fez parte da Constituição de 1891.
O custo de tais obras aprofundou o endividamento externo, e a desenfreada emissão de dinheiro fez disparar a inflação. Os ganhos astronômicos de alguns empresários e empreiteiros provocaram um clima de euforia no País, fazendo crer que o Brasil havia encontrado seu caminho para o primeiro mundo. A questão é que a segunda metade da década de 1950 estava caracterizada por um mercado em expansão em nível internacional, buscando países como o Brasil que ofereciam facilidades fiscais e amplo mercado consumidor. O carro-chefe da industrialização dessa época foram as empresas automobilísticas, gerenciadas após a criação do Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (GEIA).
Enfatizando o “desenvolvimento econômico e industrial”, e passando à população uma imagem de otimismo e crescimento econômico, JK estabeleceu o Plano de Metas, dentre as quais destacavam-se energia, transporte, alimentação, educação e a construção de Brasília, que, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa, era considerada a “sínteses de todas as metas”.
Paralelamente, apesar da criação da Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), o Nordeste foi esquecido, o que aprofundou  ainda mais as diferenças com o Sul e o Sudeste industrializados. Se já era forte a migração de nordestinos para os Estados dessas regiões, a ampliação dos desequilíbrios regionais empurrou verdadeiras multidões para fora de sua terra natal. Duas décadas depois, o Brasil teria uma população urbana que superaria a rural.



Ao final de 1960, Juscelino concluía seu mandato, tendo superado duas tentativas de golpe, os levantes de Jacareacanga e de Aragarças, protagonizados por militares da Aeronáutica desgostosos com o presidente e francamente partidários de Carlos Lacerda.
Na campanha eleitoral daquele ano, a UDN aliou-se ao governador paulista Jânio da Silva Quadros e lançou-o para a presidência. Jânio era o candidato que, tendo como símbolo a vassoura, atacava violentamente a corrupção e a inflação desenfreada do governo Kubitschek. Ele acabou vencendo o Marechal Lott, do PTB, por uma diferença esmagadora. Assim, chegava ao fim a “república do presidente bossa-nova”. Os cinco anos JK foram marcados pelo otimismo, em meio a um mundo bastante turbulento politicamente.

GOVERNO JÂNIO QUADROS (1961)

Jânio Quadros possuía um estilo personalista. Não se identificava com ideologias ou partidos e, com seus discursos inflamados, contagiava o eleitorado urbano que acreditava na possibilidade da transformação e no fim da corrupção a partir da determinação de um só homem. Em certa medida, o eleitorado de Jânio era simpático a líderes autoritários.
Jânio implantou uma prática de obediência às determinações do FMI, demitindo servidores e implantando uma política recessiva no País. Por outro lado, tentou fazer que o Congresso aprovasse uma lei que controlava as remessas de lucros para o exterior. Em março de 1961, o cruzeiro foi desvalorizado em 100% em relação ao dólar e houve corte no subsídio dado às importações de trigo e petróleo, o que provocou aumentos nos preços do pão e dos transportes.

Mas, no plano externo, Jânio esboçou uma política independente, reatando relações diplomáticas com a URSS e condecorando com a Ordem do Cruzeiro do Sul "Che" Guevara, herói da Revolução Cubana, que se encontrava em viagem pelo continente e fizera um pouso de reabastecimento no Brasil. Ao condecorar Che Guevara com a mais importante medalha da nação brasileira, Jânio levantava graves suspeitas em relação aos interesses do Brasil para com Cuba e o socialismo, uma vez que desde o final da II Guerra, o Brasil estava alinhado aos interesses estadunidenses. Seria uma provocação ou mero aproveitamento de uma situação?


Em pouco tempo, Jânio isolou-se politicamente, perdendo inclusive o apoio a UDN, partido pelo qual havia sido eleito. O presidente era acusado de ser centralizador, comunista, autoritário, entreguista, ou seja, críticas genéricas surgiam a seu respeito e expressavam a decepção dos mais variados setores da sociedade.

Em 25 de agosto de 1961, após participar das solenidades do Dia do Soldado, Jânio Quadros deixou uma carta-renúncia para seu ministro Oscar Pedroso Horta e viajou para São Paulo. Do conteúdo da carta, destaca-se a parte na qual o presidente se justifica, alegando a existência de “forças ocultas” que haviam se levantado contra ele e o impediam de governar. O Congresso, perplexo com a notícia, organizou-se para levar adiante a sucessão presidencial.
Antes de renunciar, Jânio havia mandado seu vice, João Goulart, em missão oficial à URSS e à China. Ao ser informado da renúncia do presidente, “Jango” (como era conhecido) providenciou sua volta ao Brasil para assumir o poder. Os militares divulgaram um manifesto afirmando que não aceitariam que a presidência fosse entregue a um “admirador” do socialismo.

Então, a presidência foi assumida provisoriamente por Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados. Tinha início uma articulação nos meios militares para impedir a posse de Jango, e tal situação dividiu o País. No Rio Grande do Sul, liderada por Leonel Brizola, formou-se a “rede da legalidade”, conclamando o povo a defender a Constituição. O prefeito do Recife, Miguel Arraes, também fez campanha pela posse de Jango. O impasse só foi resolvido em setembro, com a adoção de uma emenda que instituía o parlamentarismo, retirando o poder da presidência e entregado-o a um Primeiro Ministro. Estava marcado para 1965 um plebiscito para que fosse decidida a manutenção do regime ou a volta do presidencialismo.

GOVERNO JOÃO GOULART (1961-1964)

O governo João Goulart foi o marco da crise do populismo brasileiro. Os complicados anos 60, entremeados com movimentos sociais, revoluções no comportamento, guerras e mobilizações estudantis, polarizaram a sociedade brasileira. Nesse sentido, o trabalhismo, que nos anos 30 e 40 era visto como estratégia para conter o crescimento dos comunistas, agora era visto como tão perigoso quanto. Assim, apesar de não possuir o perfil de líder comunista, Jango se aproximou da esquerda, amedrontando cada vez mais os empresários e militares.

O período parlamentarista foi instável, pois não havia uma base partidária sólida de sustentação do chanceler. Os quatro primeiros-ministros dessa fase foram, respectivamente, Tancredo Neves, Moura Andrade, Francisco de Paula Brochado da Rocha e Hermes Lima.
João Goulart bateu-se contra o parlamentarismo até conseguir sua extinção em 1963, antecipando o plebiscito através da Emenda Capanema e de uma enorme movimentação nacional que ficou conhecida como “Campanha da Legalidade”. Em janeiro de 1963, com 9,5 milhões de votos entre 12 milhões de eleitores, o presidencialismo venceu, mas a oposição contra Jango, apesar de não ser numerosa, abrangia os setores mais influentes da sociedade.

Em 1963, o ministro do Planejamento, Celso Furtado, anunciava o Plano Trienal, com objetivo de reduzir a taxa de inflação e estimular o crescimento econômico, mas tal projeto não recebeu apoio dos organismos internacionais nem da burguesia nacional. Jango, então, anunciou as "Reformas de Base", atendendo às reivindicações de vários setores reformistas da sociedade brasileira. Tudo isso ocorria sob a vigilância das Forças Armadas, da burguesia conservadora e dos Estados Unidos.

O Comício da Central do Brasil. Fonte: Jornal do Brasil



No dia 13 de março de 1964, Jango convocou um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no qual anunciou a nacionalização das empresas de petróleo e a assinatura do primeiro decreto de reforma agrária. O projeto previa a utilização das terras improdutivas que estivessem próximas à ferrovias e rodovias, ou seja, não havia a intenção de desapropriar os tradicionais latifúndios. Mas tal medida foi o suficiente para que João Goulart passasse a ser considerado um “perigoso comunista”. Para piorar, ele discursou diante de 2 mil sargentos manifestando apoio a um motim de marinheiros, o que desagradou os altos escalões das Forças Armadas.



Em represália ao comício, a classe média paulistana protestou, realizando uma grande manifestação em 19 de março com o nome de "Marcha da Família com Deus pela Liberdade",que reuniu mais de 100 mil mulheres na capital, e exigiu que o exército depusesse o presidente.
Na noite de 31 de marco de 1964, iniciou-se um levante militar em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo que culminou com a deposição de Jango. O golpe teve o apoio logístico da CIA e das Forças Armadas dos EUA, num evento que foi chamado de “Operação Brother Sam”.
No intuito de evitar um derramamento de sangue, Jango voou de Brasília para Porto Alegre na noite de 1º de abril, enquanto o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade declarou vago o cargo da Presidência da República, sendo que o cargo foi assumido interinamente pelo presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli.


"O lobo na pele de Cordeiro"



Os EUA e o Golpe de 64

"Documentos do Departamento de Estado norte-americano, recentemente revelados à opinião pública, evidenciam o grau de participação e de envolvimento dos EUA na conspiração e execução do golpe de abril de 1964. Examinemos aqui apenas o caso da chamada "Operação Brother Sam". No dia 31 de março aprovou-se, numa reunião do Departamento de Estado um plano militar que consistia no envio às costas brasileiras um porta-aviões de ataque pesado (o Forrestal), destróieres de apoio, petroleiros bélicos, navios de munições e navios de mantimentos; aviões transportando armas e munições (110 toneladas), aviões de caça, aviões tanques e um posto de comando-transportado deveriam se deslocar para o Rio de Janeiro. O objetivo de toda esta aparatosa operação era a de fornecer "apoio logístico, material e militar" aos golpistas.[...]
Três dias após o golpe, Carlos Lacerda ouviria de Mr. Gordon (embaixador norte-americano no Brasil) a seguinte declaração: "Vocês fizeram uma coisa formidável !  Essa revolução sem sangue e tão rápida ! E com isso pouparam uma situação que seria profundamente triste, desagradável e com conseqüências imprevisíveis no futuro de nossas relações: vocês evitaram que tivéssemos que intervir no conflito".


TOLEDO, Caio Navarro. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo: Ed. Brasiliense,1993, p.52.