Uma
importante transformação ocorrida no contexto do Renascimento foi a invenção da
imprensa de tipos móveis pelo alemão Johan Gutenberg, que em 1450 na sua oficina
em Mongúcia começou a imprimir a Bíblia.
Tal fato implicou numa maior agilidade que o método até então utilizado: a
cópia manual, feita nos mosteiros e abadias pelos monges copistas, que se
responsabilizavam em copiar o texto e produzir também as imagens que o
acompanhavam, as iluminuras.
A
divulgação e ampliação do uso da imprensa tiveram um grande impacto na
sociedade ocidental, favorecendo a divulgação do conhecimento numa escala muito
maior que antes, bem como tornando o livro mais acessível, muito embora ainda
não houvesse uma democratização do conhecimento e cultura, algo que talvez
estejamos vivenciando agora em nossa época, guardadas as devidas proporções,
porque o analfabetismo e a educação de qualidade ainda travam uma batalha
constante.
Durante
a Idade Média, um dos principais temas defendidos pela Igreja era o geocentrismo, teoria pautada no
pensamento de Cláudio Ptolomeu (100?-170?), o qual concebia a Terra como
estática, tendo o Sol e os planetas girando ao seu redor.
Tal
pensamento começou a ser questionado pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico
(1473-1543), ao publicar, um pouco antes de morrer, o tratado De revolutionibus orbium celestium,
defendendo o heliocentrismo (a Terra e os planetas giram em torno do Sol, que é
estático).
Harmonia Macrocosmica Heliocentrica , Andreas Cellarius (1596-1665)
Fonte: Wikipedia
A
teoria heliocêntrica foi levada adiante por Galileu Galilei (1564-1642), físico
e matemático florentino, responsável pelo aprimoramento do telescópio em 1609 e
também pelo furor causado quando desafiou a Igreja ao defender intensamente os
estudos de Copérnico. Devido a suas ideias acabou acusado de “inimigo da fé” e
foi duas vezes processado pela Inquisição. Apesar de não ter sido condenado à
morte, recebeu um castigo de maior crueldade para quem vive daquilo que estuda
e ensina: foi obrigado a retratar-se publicamente, renegando suas pesquisas e
acabou seus dias em prisão domiciliar. Os estudos de Galileu foram importantes
para os trabalhos de Johann Kepler (1571-1630), que analisou o movimento dos
planetas, elaborando a teoria das órbitas elípticas, vigente até os dias de
hoje. Os estudos de Galileu também colaboraram para o aprofundamento do assunto
com os trabalho de Isaac Newton (1642-1727), físico inglês que consolidou a
posição de seus antecessores e publicou trabalhos sobre a chamada lei de
gravitação universal, conhecidas por nós hoje como leis de Newton, as quais não
só explicam uma série de eventos físicos que vivenciamos, como também acabaram
por confirmar o heliocentrismo.
Somente
em 1992, a Igreja Católica, então chefiada pelo papa João Paulo II, perdoou
Galileu, reconhecendo o valor de suas pesquisas e a gravidade do erro que a
instituição cometeu com o estudioso florentino.
Na
medicina destacou-se André Vesálio (1514-1564) na área da anatomia ao publicar
o tratado Sobre a estrutura do corpo
humano, trabalho realizado pela experiência na dissecação de cadáveres;
Miguel de Servet (1511-1553), médico espanhol responsável pela descoberta da
circulação do sangue ou circulação pulmonar pelas artérias; William Harvey
(1578-1657) estudou medicina em Pádua, onde Vesálio fora professor e deixou um
grande número de discípulos. Harvey aprimorou as pesquisas de Servet sobre o
sistema circulatório e publicou em 1628 o tratado Estudos anatômicos dos movimentos do coração e do sangue dos animais, considerado
uma das mais importantes obras da sua época, tendo apenas omitido a existência
dos vasos capilares, pois ainda não tinha sido inventado o microscópio. A
descoberta dos capilares ficou por conta dos trabalhos do médico italiano
Marcelo Malpighi (1628-1694), já que o microscópio foi inventado na Holanda em
1657.
As teorias
sobre o poder absoluto
O
poder descentralizado da Idade Média tinha por base a hierarquia religiosa, ou
seja, "a cidade dos homens é como a Jerusalém celeste, única, mas dividida
em três: aqueles que rezam, aqueles que lutam e aqueles que trabalham". A
Igreja Católica dava a sustentação para o poder feudal e compartilhava dele.
No
pensamento absolutista, o poder continuava sendo divino, mas concentrado nas
mãos do governante, o rei, que se colocava como um “escolhido ou enviado de
Deus”, ungido pela Santa Igreja, desse jeito a pessoa do rei confundia-se com o
próprio Estado.
Analisemos
agora as principais teorias sobre o poder absolutista que regiam a relação
entre o Estado e os indivíduos.
A defesa das razões de Estado: teoria
defendida por Nicolau Maquiavel (1469-1527), político e escrito florentino que
serviu o governo Médici em Florença, atuando como emissário e diplomata em
diferentes governos da península Itálica. Entre seus escritos, temos o livro O príncipe (escrito em 1513 e publicado
em 1532), um texto que remete à antiga tradição do Speculum Princeps (“Espelho do príncipe” em latim), um manual de governo cujo texto tinha
por objetivo mostrar como um governante deveria exercer o poder. Na concepção
de Maquiavel, o governante deveria preservá-lo a todo custo, pois acima do bem
e do mal estavam as razões de Estado.
(...) Nasce daí esta questão
debatida: se será melhor ser amado que temido ou vice-versa. Responderá que se
desejaria ser uma e outra coisa; mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as
qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido que
amado, quando se tenha que falhar numa das duas. É que os homens geralmente são
ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto
lhes fizerem bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens, vida, filhos,
como disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas, quando ela
se avizinha, voltam-se para outra parte. E o príncipe, se confiou plenamente em
palavras e não tomou outras precauções, está arruinado. Pois as amizades
conquistadas por interesse, e não por grandeza e nobreza de caráter, são
compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário. E os homens
hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer,
porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual devido a serem os
homens pérfidos é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se
infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se
abandona nunca. Deve portanto o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não
se fizer amado, pelo menos evite o ódio, pois é fácil ser ao mesmo tempo temido
e não odiado, o que sucederá uma vez que se abstenha de se apoderar dos bens e
das mulheres de seus cidadãos e dos seus súditos, e, mesmo sendo obrigado a
derramar o sangue de alguém, só poderá fazê-lo quando houver uma justificativa
convincente e causa manifesta. Deve, sobretudo, abster-se de aproveitar dos bens
dos outros, porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a
perda de seu patrimônio. Além disso, não faltam ocasiões para pilhar o que é
dos outros, e aquele que começa a viver de rapinagem, sempre as encontra, o que
não sucede quanto às ocasiões de derramar sangue.
Nicolau
Maquiavel. O príncipe. Cap. XVII. Os
Pensadores. São Paulo: Abril, 1978.
"(...) as armas dos papas não consistem todas naquelas doces
bênçãos de que fala São Paulo e das quais são eles tão zelosos. Consistem elas
em interdições, suspensões, excomunhões e naquele terribilíssimo castigo pelo
qual um beatíssimo padre pode mandar à vontade qualquer alma para o inferno. Os
nossos Santíssimos Pais de Cristo e os seus vigários gerais nunca empregam com
maior zelo esse espantoso castigo do que no caso daqueles que, à instigação do
demônio, tentam diminuir ou danificar o Patrimônio de São Pedro. Dizia este bom
apóstolo a seu Mestre: 'Deixamos tudo para seguir-te'. Compreendeis que grande
sacrifício fez o pobre pescador! Foi a fortuna o que ele conseguiu em virtude
desta renúncia; é por isso que Sua Santidade glorificada possui terras, cidades,
domínios e recebe impostos e taxas. E é sobretudo para defender e conservar
essa rica aquisição que os pontífices romanos costumam condenar as almas. É
verdade que nem ao menos poupam os corpos, e inflamados pelo zelo de Jesus
Cristo, desfraldam a bandeira de Marte e, sem piedade, empregam o ferro e o
fogo para sustentar suas razões."
As críticas recaíam sobre a Igreja em virtude do
distanciamento entre o alto clero e seus fiéis, pois o luxo e ostentação da
corte papal e de seus dignitários contrastava com a pobreza e privações da
grande maioria de seus fiéis. Além da vida luxuosa, práticas como a simonia
(venda de relíquias e cargos religiosos) e a venda de indulgências (absolvição
de pecados em troca de dinheiro, terras, etc.) faziam parte do cotidiano do
alto clero. Erasmo de Roterdã costumava dizer que "se todos os pedaços da cruz
de Cristo, existentes na Europa, fossem reunidos hoje, nós construiríamos um
navio!".
Dessa forma, a crise moral que a Igreja Católica
Romana atravessava foi o combustível para inflamar as discussões que reprovavam
a conduta de grande parte do alto clero e, ao mesmo tempo, o caminho para
tentar construir ou reconstruir a vida espiritual defendida na essência da
doutrina cristã, fato que não excluiu a ruptura (aqueles que reclamaram foram
rotulados como “protestantes” e daí temos a origem desta denominação para as
novas igrejas do século XVI), muitas vezes ocasionada pelo próprio clero católico
que se recusava em admitir seus erros, como bem retrata a máxima papal: “Roma locuta, causa finita”, isto é,
“Roma disse, questão encerrada”.
Com a morte de Henrique VII em 1509, o trono foi
ocupado por seu filho, Henrique VIII, que se casou no mesmo ano com Catarina de
Aragão, princesa espanhola que lhe dera apenas uma filha (Maria Tudor), e que
estava prometida em casamento ao príncipe espanhol Felipe de Habsburgo,
herdeiro da Coroa espanhola.
Temendo que, após sua morte, os espanhóis se
apoderariam da Inglaterra, Henrique VIII desejava o divórcio para casar-se
novamente, ideia que se manifestou já em 1527, mas não se concretizou
efetivamente num primeiro momento, especialmente pela pressão exercida pelo
papa.
Entre aqueles que defendiam a manutenção das
boas relações com Roma, estava Thomas Morus, humanista que escreveu A Utopia (publicada em 1516) e exercia a
função de conselheiro do rei, posicionando-se contra a possibilidade de uma
cisão religiosa e temendo uma onda de guerras na Inglaterra que poderia
destruir o reino.
Um dos pontos principais de A Utopia é a preocupação
com o bem comum ao qual se submete o bem individual. Para tanto, os utopianos
preferem a divisão dos bens entre todos, pois acreditam que isso garantiria a
abundância para todos e não a concentração de riquezas nas mãos de um grupo
pequeno:
“É minha convicção firme que uma distribuição segundo
critérios de equidade ou uma planificação justa das coisas humanas não é
possível sem eliminar totalmente a propriedade privada. Enquanto ela subsistir,
estou convencido de que há de continuar sempre a haver, entre grandíssima parte
da humanidade e entre a melhor parte dela, o fardo angustiante e inelutável da
pobreza e da miséria.”
Por meio da divisão do trabalho, todos trabalhariam apenas o
necessário para garantir o bem geral, pois do mesmo modo que ninguém
trabalharia para outra pessoa, ninguém poderia se esquivar da sua
responsabilidade. Até os viajantes deveriam trabalhar antes de serem
alimentados. Em caso de haver produção além da necessidade de consumo, as horas
de trabalho seriam reduzidas. A esse respeito, diz Morus:
“Se todos trabalhassem, a carga horária diminui para todos.
Havendo seis horas apenas para trabalhar, [...] esse tempo é suficiente para
produzir bens abundantes que bastem para as necessidades e que cheguem não
apenas para remediar, mas até sobrem”.
O papa Clemente VII negou o pedido de anulação
do casamento de Henrique VIII, evitando a represália dos Habsburgo, já que
Carlos V era sobrinho de Catarina e ambicionava não só preservar o poder que
exercia pela Europa, mas também queria que a Inglaterra se colocasse sob sua
órbita.
Henrique VIII decretou o Ato de Supremacia em
1534, a partir do qual se tornava o líder e protetor da Igreja na Inglaterra,
liberando-se da autoridade papal e confiscando-lhe as terras que possuía na
Inglaterra. Estas passaram ao controle da Igreja Anglicana, a nova instituição
fundada por Henrique VIII. A situação não foi bem aceita por muitos, dentre
eles, Thomas Morus, que abandonou o cargo de conselheiro real e se recusou a
jurar lealdade ao novo líder espiritual do reino, fato que lhe valeu a acusação
de traição, prisão e execução em 1535.
MORUS, Thomas. A utopia.
São Paulo: L&PM, 2006, pág. 47 e 57.
A renúncia da liberdade em favor da ordem: teoria
do pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que presenciou todo processo de
tensão política na Grã-Bretanha, assistindo a ascensão, queda e a Restauração
dos Stuart (1603-49/1660-89). No turbilhão da Revolução Puritana (1642-49) e a
ascensão do ditador republicano Oliver Cromwell (1649-1659), Hobbes ainda
escreveu O Leviatã, em 1651, obra que
defende o estabelecimento de um contrato social entre os súditos e o Estado,
pois os primeiros abrem mão de sua liberdade em troca da segurança oferecida
pelo segundo.
(...)
O único caminho para erigir semelhante
poder comum, capaz de defendê-los contra a invasão dos estrangeiros e contra as
injúrias alheias, assegurando-lhes de tal modo que por sua própria atividade e
pelos frutos da terra poderão nutrir-se a si mesmos e viver satisfeitos, é
conferir todo o seu poder a um homem ou a uma assembleia de homens, todos os
quais, por pluralidade de votos, possam reduzir suas vontades a uma vontade.
Isto equivale a dizer: eleger um homem ou uma assembleia de homens que
representem sua personalidade; e que cada um considere como próprio e se
reconheça a si mesmo como autor de qualquer coisa que faça ou promova aquele
que representa a sua pessoa, naquelas coisas que concernem à paz e à segurança
comuns; que, além disso, submetam suas vontades cada um à vontade daquele, e
seus juízos a seu juízo.(...) O titular desta pessoa1 se denomina soberano, e
se diz que tem poder soberano; cada um dos que o rodeiam é seu súdito.
Thomas
Hobbes. O Leviatã. Os Pensadores. São
Paulo: Editora Abril, 1978.
O contrato social descrito no Leviatã se encontra
diretamente ligado à ideia de representação. A essência do Estado está na
pessoa do representante, que é o soberano. Quando há voluntariamente esse acordo
entre os indivíduos de se submeterem a um homem, ou a uma assembleia de homens,
dá-se a instituição do Estado. É a partir desse consentimento geral, motivado e
preservado pela busca de segurança (por medo da morte), que derivam os direitos
dos soberanos. A autoridade concedida ao representante contém em si o maior
poder do Estado. O poder do representante não encontra poder maior que o que
lhe foi concedido, nem mesmo na união daqueles que lhe concederam. Assim é
possível em Hobbes o uso da expressão soberano representante, pois
ele tudo pode.
Por tudo o que vimos até aqui podemos entender como a filosofia política
é o estudo do “corpo social” e o poder soberano em Hobbes
existe para impedir as consequências do estado de natureza (impedir que os
homens se destruam uns aos outros), permitindo, com isso, a coexistência entre
os homens. Para delegar este poder a um soberano é preciso que os indivíduos
cedam uma parte de seus direitos e o transfiram a um soberano por meio de um
contrato ou pacto social através do qual se institui e se
organiza a sociedade civil e se evita a “guerra de todos contra todos”. Através
deste pacto os indivíduos elegem um representante de seus interesses dotado
de poder absoluto.
Esse contrato se torna necessário porque o homem também deseja
sobreviver. Esse desejo de sobrevivência também é uma lei natural e é em nome
dela que os homens estabelecem este contrato, cujo poder deve ser exercido por
um soberano que pode ser uma assembleia ou parlamento, ou um rei.
Hobbes dá preferência à monarquia absolutista baseado no princípio de
que o poder, para ser eficaz, deve ser exercido de forma absoluta, e não
baseado nas teorias tradicionais do direito divino dos reis. Este poder
absoluto é o resultado da transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano
através de um pacto social, mas esse poder absoluto só pode ser considerado
legítimo enquanto assegura a paz civil e não para a realização da vontade
pessoal do soberano.