Entrevista - Elias Feitosa de Amorim Jr.
Formado pela USP e Coordenador Cultural do Cursinho da Poli, em São Paulo, o historiador Elias Feitosa de Amorim Jr, em entrevista ao
JE Informa, conta a história da Igreja Católica Romana.
Por
Evelyn Cusnier
evelyn.cusnier@jeinforma.com
do
JE em São Paulo
JE Informa- Como e onde surgiu a Igreja Católica Romana?
Elias Feitosa de Amorim Jr - A Igreja Católica Romana tem sua doutrina estruturada a partir dos ensinamentos de Jesus Cristo, os quais se encontram nos Evangelhos e integram junto com outros textos, o Novo Testamento que se somou ao Velho Testamento, este vindo da tradição judaica.
Após a morte de Jesus, por volta do ano 30 da era cristã, seus discípulos (os apóstolos) iniciaram um processo de divulgação da doutrina, seguindo as palavras de Jesus, segundo o Evangelho de Marcos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura.”(Mc 16:15), sendo que aqueles que se converteram começaram a se organizar em pequenas comunidades (eklesia em grego significa assembleia e daí deriva a palavra Igreja), as quais foram perseguidas pelos romanos por mais de trezentos anos e esse momento infeliz gerou inúmeros massacres daqueles que foram se denominando cristãos.
Jesus é a forma latina de Yeshua ben Josef, que em hebraico significa Jesus, filho de José, sendo que Jesus se apresenta como o Messias, palavra que vem do hebraico massiah e significa Salvador. Como os Evangelhos foram escritos em grego, encontraremos a expressão Jesus Cristo, que vem de Christós e significa Salvador nesta língua.
Algumas pessoas acham estranho o fato dos Evangelhos e outros textos do Novo Testamento terem sido escritos em grego e não em hebraico ou aramaico, que eram as línguas faladas entre os habitantes da Judéia naquela época. No entanto, temos que observar a extensão da mensagem, isto é, a língua grega era a língua universal na região do Oriente Próximo em virtude da herança deixada pelo conquistador Alexandre Magno, o qual dominou a região e levou a cultura grega para lá, a qual se manteve mesmo com a dominação romana. Numa visão mais simples, poderíamos dizer que, de certa forma, o grego tinha o mesmo peso que o inglês tem hoje em nossa época, guardado as devidas proporções de cada momento.
Por fim, a origem da expressão Igreja Católica tem seu contexto na palavra grega kathólikos e significa “universal”, isto é, sem limites de fronteiras, domínios ou reinos e está presente onde o fiel estiver presente, proclamando a doutrina de Jesus.
Historicamente, o conceito de universalidade começou a se estruturar no século XI em virtude das disputas entre o poder temporal, representado pelo Sacro Império Germânico que se entendia como herdeiro do extinto Império Romano Ocidental e o poder espiritual representado pelo papa, líder da Igreja Cristã.
Mas, podemos apontar a ruptura entre os cristãos orientais e ocidentais como uma das principais tensões políticas dentro da Igreja Cristã, pois em 1054, os cristãos do oriente romperam com Roma e passaram a seguir o Patriarca de Constantinopla como seu líder, renegando a doutrina romana e a autoridade papal, denominando-se a partir de então Igreja Católica Apostólica Ortodoxa e aqueles que seguiam a doutrina e o papa em Roma ficaram como conhecidos Igreja Católica Apostólica Romana.
JE - No princípio da Igreja quais eram seus dogmas e objetivos?
O objetivo da Igreja Católica Romana é o mesmo até hoje: pregar a doutrina cristã pelo mundo, levando a Salvação a todos os homens. Dogma significa verdade absoluta revelada pelo poder divino e assim é incontestável. Podemos destacar o Dogma da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e o Dogma da Transubstanciação (no momento da Eucaristia, o pão se transforma em carne e o vinho em sangue).
JE - O Imperador Constantino foi o primeiro imperador romano a se converter ao cristianismo, neste caso o cristianismo é o catolicismo?
O imperador Constantino concedeu liberdade de culto aos cristãos e a todos os demais habitantes do império a partir do Édito de Milão em 313 d.C., garantindo assim a livre escolha da fé aos seus súditos, marcando um momento de paz com o fim das perseguições aos cristãos e a consequente proteção destes pelo poder imperial, mas não quer dizer que o cristianismo havia se tornado a religião oficial do Império, fato que ocorreu depois com o imperador Teodósio através do Édito de Tessalônica em 391 d.C.
Voltando ao Constantino, de fato ele foi o primeiro imperador que se converteu ao cristianismo e naquele momento, não se utilizava a denominação catolicismo. A conversão de Constantino é cercada de lendas, dentre elas, a promessa que teria feito ao “deus cristão” que se vencesse seu rival Maxêmio na Batalha de Ponte Mílvia.
O relato diz que ao se direcionar para o conflito, teria visto no céu uma Cruz, acompanhada da inscrição em latim “In hoc signo vinces”, que quer dizer, “Com este sinal vencerás”. Constantino adotou o símbolo visto para o seu exército, venceu a batalha e se converteu, em seguida, foi tomando medidas que amparavam os cristãos como a devolução de bens confiscados.
JE - Em que momento da história a Igreja Romana tornou-se detentora de bens?
Constantino fez doações à Igreja, mandou construir a 1ª basílica de São Pedro que fora substituída pela atual a partir da sua demolição e reconstrução em 1508. Quanto aos territórios, o rei franco Pepino, o Breve (751-771) venceu a tribo pagã dos lombardos e concedeu os territórios dos vencidos à Igreja e nesse contexto teria gerado uma farsa referente aos outros territórios, em virtude da confirmação de um documento chamado “Doação de Constantino”, o qual garantia a posse de terras na Itália e no Ocidente. Somente no século XV, a falsidade do documento foi descoberta por um letrado italiano chamado Lorenzo Valla, mas mesmo assim, as terras não foram devolvidas.
A mudança mais significativa foi com a Unificação italiana em 1871, quando os territórios da Igreja foram conquistados pelas tropas do rei Vitório Emanuel I, que era o rei do Piemonte e Sardenha e tendo derrubado a ocupação austríaca e francesa da península, se tornou o rei da Itália inteira. O papado formalmente não reconheceu esta situação, sendo que o papa Pio IX se considerava um “prisioneiro em Roma”.
Tal situação só foi resolvida com o Tratado de Latrão que criou o Estado do Vaticano em 1929, quando o ditador fascista Benito Mussolini concedeu o controle do antigo bairro cristão do vaticano, lugar onde estava a basílica de São Pedro e outras importantes construções da Igreja para a exclusiva autoridade do papal, o qual se tornaria o Chefe de Estado deste território, uma monarquia teocrática já que seu governante é visto como o “representante de Deus na Terra”.
JE - Qual foi a primeira aliança feita entre a Igreja e o Estado?
A partir do Édito de Tessalônica, houve uma sensível aproximação dos interesses do Império e da Igreja e mesmo com a divisão do império, as invasões bárbaras e a formação de novos reinos na Idade Média, a presença da Igreja Católica Romana junto aos assuntos políticos de diferentes lugares foi intensa. No entanto, fica difícil precisar qual teria sido a “primeira aliança”.
JE - Quando a Igreja começa a se expandir e se tornar uma religião popular?
A popularização do cristianismo vem desde a figura de Jesus e se expandiu ao longo dos séculos, com mais abertura num lugar, menos noutro, aceitação ou perseguição e várias disputas pelo entendimento do que seria a verdadeira fé ensinada por Jesus e daí, as disputas políticas, doutrinárias e as rupturas que conhecemos ao longo da história.
JE - Na sua opinião o fim do Império Romano e a Igreja assumir o papel das instituições públicas foi o motivo para o surgimento de fortes denúncias de corrupções?
A corrupção é uma falha do ser humano, portanto, qualquer instituição organizada pelo homem, independentemente de sua natureza, pode ter indivíduos que sejam corruptores e outros que por sua vez sejam corruptíveis. Ao analisar as denúncias em relação aos crimes cometidos por membros do clero, os fatores são vários e não podem ser tratados de maneira genérica. Todos os erros e abusos de poder não têm justificativas, mas não se pode criar um rótulo que “100% sejam corruptos e descomprometidos”, pois existiram e existem pessoas compromissadas com a doutrina cristã.
JE - Quem foi o primeiro papa?
Segundo a tradição cristã presente nos Evangelhos: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha igreja" (Mt 16:17-19) e assim atribuiu-se a Pedro a condição de 1º bispo de Roma e chefe da Igreja ( Sumo Pontífice) e posteriormente adotou-se o título papa( do latim papam, termo usado pelo imperador Teodósio) , cuja autoridade é respeitada em todo mundo católico romano.
JE - Você acha que a contra-reforma purificou a Igreja?
A Reforma protestante representou uma grande perda de terras, fiéis e impostos para a Igreja Católica, a qual precisou tomar uma série de medidas para a contenção deste processo e de sua recuperação, fenômeno que ficou conhecido como Contra-reforma.
A primeira medida foi a convocação do Concílio de Trento entre 1545 e 1563 com o objetivo de reorganizar a Igreja e estabelecer medidas a serem adotadas naquela situação de “guerra pelos rebanhos”. O concílio reafirmou os dogmas e teve como principais decisões a Reorganização do catecismo para o ensinamento da doutrina católica, a proibição da venda indulgências, a fundação de seminários para a educação e formação dos padres, a criação do Index Librorum prohibitorum [Lista dos livros proibidos] o fortalecimento do Tribunal da Santa Inquisição.
Dentro deste contexto, ocorreu o surgimento da Companhia de Jesus, fundada pelo basco Inácio de Loyola em 1534 , sendo uma organização religiosa de caráter militar com o controle das instituições de ensino na Europa, desempenhando o papel de braço armado da Igreja no Velho e Novo Mundo.
JE - A Idade Média é conhecida por muitos como período das trevas por ter estacionado em algumas áreas, o teocentrismo contribuiu para que não houvesse avanço em algumas partes da ciência?
Foi durante o Renascimento, termo vindo da palavra italiana renascitá, pois acreditava-se que o período anterior, a Idade Média, fora uma " espessa e longa noite gótica" imersa nas trevas e desprovida de cultura. Para os homens do século XV e XVI, a "verdadeira" cultura encontrava-se na Antiguidade, a qual foi banida e em seu lugar a Igreja estabeleceu o teocentrismo. O saber, portanto, encontrava-se nas artes e nos escritos clássicos.
A Igreja Católica deteve o monopólio cultural na Idade Média, tornando-se a guardiã do conhecimento no intuito de preservar seus interesses e garantir sua posição como incontestável. Dessa forma, incentivou a produção cultural que favorecesse seus objetivos, principalmente a reafirmação de seus dogmas e a supremacia do papado.
Um dos principais centros de cultura durante a Alta Idade Média foram os mosteiros e abadias, como os mosteiros de Cluny e Císter, os quais influenciaram muitos outros .Nestes locais realizavam-se estudos sobre a Bíblia, cópia de textos em pergaminhos e livros como também sua decoração com iluminuras. Outro importante trabalho dos monges eram as traduções de textos dos pensadores da Antigüidade, como Aristóteles, Platão, Sócrates, entre outros.
Durante os séculos XVIII e XIX, a imagem da “Idade das Trevas” foi fortalecida e prevaleceu até últimos 30 anos, quando medievalistas de vários países começaram a apresentar um conhecimento menos estigmatizado sobre o período medieval e principalmente, mostrar que houve muita cultura e desenvolvimento, os quais são utilizados até hoje, como por exemplo, as Universidades.
JE - Como eram usadas as indulgências e para que serviam?
As indulgências consistiam na venda de perdão dos pecados, tanto daqueles que estavam vivos como daqueles que estavam mortos e as almas destes “poderiam assim deixar o Purgatório e rumar para o Paraíso”. O objetivo de sua venda era arrecadar recursos para a igreja, como por exemplo, a construção da Basílica de são Pedro a partir de 1508, mas não temos como provar o real direcionamento destes recursos, que podem muitas vezes, terem sidos desviados para outros fins.
JE - Como a Igreja conseguiu restituir a imagem agressiva que deixou no passado voltando a ter credibilidade?
Desde o século XVIII com a Revolução Francesa e sua influência, o sentimento anti-clerical se espalhou por várias partes da Europa, enfraquecendo o poder da Igreja gradativamente. No século XIX, a perda de poder chegou aos países tradicionalmente católicos como Portugal, Espanha e Itália e ao mesmo tempo com as independências das colônias na América, houve também uma gradativa redução do poder que outrora a instituição teve.
Pode-se dizer que depois da II Guerra Mundial (1939-45), o papado procurou assumir uma postura muito mais interessada nos valores cristãos, condenando os abusos e desmandos, mas nem sempre foi uma atitude homogênea, pois o papa Pio XII(1939-59) ainda foi e é muito criticado pelo seu silêncio em relação às atrocidades nazistas. No entanto, outros dirigentes como João XXIII(1959-63), Paulo VI(1963-79) e João Paulo II(1979-2005) procuraram impor em seu discurso uma intensa defesa da cristandade e dos valores humanitários e reduziram em muito a postura intolerante do clero católico quanto às outras crenças, abrindo caminho para uma aproximação com diferentes religiões.
JE - Como você vê a atuação da Igreja no passado, as cruzadas, a inquisição, o index-lista de livros proibidos e pagamentos de indulgências. Existem pontos positivos da Igreja Ancestral que muitos desconhecem?
É inegável que a Igreja Católica cometeu erros, muitos de grande gravidade, porém os erros do passado não podem ser a única e exclusiva referência que devemos ter da instituição. A História serve justamente para tomarmos o conhecimento de tais eventos, dentro de um determinado processo histórico e naquele contexto, buscar a sua compreensão e nem por isso vamos deixar de lado e falar que “mas isso foi no passado e não vamos mais falar no assunto”.
A Igreja Católica Romana foi responsável por uma imensa contribuição artística, basta observarmos seus templos, museus e bibliotecas, bem como a cultura produzida em diferentes campos como a filosofia, pedagogia, música, matemática, entre outras áreas do saber.
A instituição “Igreja Católica Romana” pode ter cometido muitos erros no passado, mas apesar disso, centenas de pessoas ao longo dos séculos, dedicaram sua vida em ajudar o próximo, dentro do exemplo deixado por Jesus, fazendo que pobres tivessem assistência, doentes tivessem cuidado e que o bem fosse preservado, mesmo que representasse entregar a própria vida e não foram poucos que o fizeram.