As Ricas Horas do Duque de Berry

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As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ditadura militar brasileira revisitada

Fonte Portal UOL


27/07/2011 - 18h25
Guilherme Balza
Do UOL Notícias
Em São Paulo




Seis testemunhas relataram nesta quarta-feira (27), no fórum João Mendes, centro de São Paulo, as torturas que Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército, teria cometido durante a ditadura militar. Os depoimentos foram colhidos durante audiência sobre a morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, em processo movido pela família da vítima contra Ustra.
Merlino morreu em julho de 1971, quando estava com 23 anos. Na época, o jornalista trabalhava no "Jornal da Tarde" e militava no POC (Partido Operário Comunista). A versão dos militares para sua morte foi de que ele teria cometido suicídio, ao se jogar contra um caminhão na BR-116, no município de Jacupiranga (SP).
As testemunhas foram arroladas pela família Merlino para provar que Ustra pessoalmente torturou e matou o jornalista no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (Doi-Codi) do 2º Exército, na capital paulista, onde centenas de militantes foram presos e dezenas, mortos --Ustra comandou o Doi-Codi entre 1969 e 1973.
A ação, movida pela irmã do jornalista, Regina Maria Merlino Dias de Almeida, e sua ex-companheira, Angela Mendes de Almeida, tem como objetivo o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que o coronel foi torturador, assim como já ocorreu no Tribunal de Justiça de São Paulo em 2008, após ação da família Teles. No mesmo ano, a defesa do TJ-SP conseguiu extinguir uma ação de mesmo caráter movida pela família Merlino. A ação atual prevê o pagamento de indenização por danos morais.
A audiência de hoje foi fechada para a imprensa. Somente os familiares da vítima e os advogados das partes presenciaram os depoimentos. Foram ouvidos o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos Paulo Vanucchi, o escritor e jornalista Joel Rufino dos Santos e os companheiros de partido de Merlino, Otacílio Cecchini, Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho e Leane de Almeida.

Depoimentos

Segundo a jornalista Tatiana Merlino, sobrinha de Luiz Eduardo e filha de Regina, que acompanhou a audiência, Vanucchi relatou que viu o momento em que Merlino foi colocado, todo machucado, em uma escrivaninha, que estava em frente às celas do Doi-Codi, com a perna azulada, aparentando estar gangrenada. O ex-ministro afirmou que foi torturado pelo próprio Ustra alguns vezes.
De acordo com Tatiana, Leane de Almeida disse que também foi torturada pessoalmente por Ustra e que as sessões de espancamento contra ela só terminaram com a chegada de Merlino, que passou a ser o alvo dos militares. A militante afirmou ainda que viu o momento em que Merlino, aparentemente morto, foi colocado dentro do porta mala de um carro dos militares.
Eleonora de Oliveira contou na sessão que foi torturada junto com Merlino, ela na cadeira do dragão (cadeira elétrica), ele no pau de arara (barra de ferro em que o torturado fica pendurado e é submetido a outras agressões). Os militares teriam cometido as torturas simultaneamente para cruzar as informações arrancadas das vítimas. Ainda segundo a jornalista, o militante Laurindo Junqueira relatou que foi submetido ao mesmo método.
Otacílio Cecchini afirmou ter visto a mesma cena que Vanucchi, quando Merlino apareceu com a perna azulada. Segundo Tatiana Merlino, Cecchini contou, em seu depoimento, que estava sendo torturado por Ustra quando o coronel recebeu uma ligação do Exército, dizendo que a perna de Merlino teria que ser amputada e perguntando se a família do jornalista deveria ser avisada. O militar teria dito que não.
Por fim, Joel Rufino dos Santos disse ter ouvido de um torturador que não amputaram a perna de Merlino e deixaram o jornalista morrer, informou Tatiana. Ricardo Prata Soares, a última testemunha de acusação, mora no Rio Grande do Norte e será ouvido por carta precatória –quando um juiz do local colhe o depoimento e envia a transcrição para o tribunal onde o processo está sendo julgado.
As testemunhas arroladas pela defesa de Ustra, que também serão ouvidas por carta precatória, são o presidente do Senado, José Sarney, o ex-ministro Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército brasileiro, Gélio Augusto Barbosa Fregapani Paulo Chagas, Raymundo Maximiano Negrão Torres e Valter Bischoff.
Em reportagem publicada hoje pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, o advogado Paulo Esteves disse que Sarney foi arrolado para falar da Lei da Anistia, que ele ajudou a aprovar em 1979, e não sobre as acusações contra Ustra. Na mesma reportagem, a assessoria do senador disse que ele não irá depor e que o convite é uma estratégia da defesa para protelar uma definição sobre o caso.
Tatiana Merlino afirmou que a estratégia da defesa é equivocada, já que a Lei da Anistia ---que isenta presos políticos e militares de crimes cometidos durante a ditadura --só se aplica à esfera penal, e não na cível. “Queremos que ele seja reconhecido como torturador. A ação é indenizatória, mas se a gente ganhar, não queremos nenhum tostão. Vamos doar o dinheiro para uma entidade de direitos humanos”, diz.

Versão de Ustra

Apontando pelos perseguidos políticos como uma das figuras mais cruéis dos anos de chumbo, Ustra já se defendeu publicamente das acusações em várias ocasiões. Em 2009, o coronel divulgou uma carta intitulada “O Bode Expiatório”, que foi reeditada no início deste mês. No documento (que pode ser acessado aqui), Ustra nega as torturas e diz que agiu dentro da lei.
Sobre Merlino, o coronel diz que a morte foi fruto de um suicídio. “[Merlino] foi transportado em um automóvel para o Rio Grande do Sul, a fim de ali proceder ao reconhecimento de alguns contatos que mantinha com militantes. Na rodovia BR-116, na altura da cidade de Jacupiranga, a equipe de agentes que o transportava parou para um lanche ou um café. Aproveitando uma distração da equipe, Merlino, na tentativa de fuga, lançou-se na frente de um veículo que trafegava pela rodovia. Se bem me lembro, não foi possível a identificação do veículo que o atropelou. Faleceu no dia 19.jul.1971, às 19h30, na rodovia BR-116, vítima de atropelamento.”

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