O termo Revolução
é utilizado frequentemente para indicar movimentos que alteraram o curso de
determinados acontecimentos, mas não se pode esquecer de que muitos desses
eventos foram tão somente a continuação de processos que já vinham se
desenrolando ao longo do tempo. A Revolução Industrial foi uma série
de acontecimentos sociais, econômicos, políticos e aprimoramentos técnicos
ocorridos na Inglaterra, ao longo dos séculos XVIII e XIX e, a seguir, nos
demais países da Europa Ocidental, EUA e, posteriormente, em boa parte das
regiões do globo.
A sedução
do novo e a ideia de progresso começaram a permear o pensamento europeu. As
invenções impunham-se no cotidiano das pessoas, com um ritmo alucinante para um
mundo que ainda era essencialmente rural. Rompia-se com o velho modo de vida,
em que os limites eram traçados pela natureza. A visão de tempo também mudou,
pois não era mais a luz do dia que delimitava a jornada de trabalho, mas o
relógio; e, agora, as pessoas tinham pressa para fazer dinheiro e, se tivessem
“competência”, lucro. O processo invertia-se e, ao invés dos instrumentos se
adaptarem aos trabalhadores, eram os operários que se adaptavam às máquinas.
PIONEIRISMO INGLÊS
A Revolução
Industrial inglesa começou a partir do acúmulo de capital obtido pela burguesia
mercantil no comércio de especiarias.
Dessa forma, o mercado passou a ditar as
diretrizes da produção e os comerciantes passaram a estruturar sistemas
produtivos de acordo com as necessidades desse mercado.
Os sistemas
de produção evoluíram lentamente ao longo da Idade Média e da Moderna e, dentre
esses sistemas, podemos destacar cinco. O primeiro teria sido o sistema
familiar, no qual os membros de uma família produziam para seu próprio
uso, não ocorriam trocas por moeda nem havia produção de excedente. Esse
sistema foi utilizado durante toda a Idade Média.
Com o
renascimento comercial e urbano apareceu o sistema de corporações, no qual os
mestres de ofício produziam nos burgos (cidades da Idade Média) para atender às
necessidades locais. A produção era feita em pequena escala e o mestre de
ofício executava todas as etapas da produção em sua oficina, com seus
instrumentos, auxiliado por um aprendiz que, futuramente, tornar-se-ia um
mestre de ofício. Frente a um aumento do número de encomendas, o mestre poderia
contratar os serviços de um jornaleiro. A qualidade e o preço dos produtos eram
rigidamente fiscalizados pela corporação de ofício, que reunia mestres,
aprendizes e jornaleiros. Esse sistema vigorava nas cidades medievais e chegava
a englobar grandes regiões, como Flandres, por exemplo.
Por volta
do século XVI, surgiu o sistema doméstico (putting out system), pelo qual o
comerciante criava uma rede de tarefeiros que realizavam uma ou mais etapas da
produção em suas casas, com seus instrumentos de trabalho. Dessa maneira, a
produção ficava dispersa, impossibilitando o controle por parte do mestre de
ofício. Essa forma de trabalho foi criada pelos comerciantes para burlar o
sistema de corporações.
A manufatura
foi, sem dúvida, o estágio mais próximo daquilo que entendemos como visão
moderna de fábrica. Num estabelecimento voltado para essa atividade, o
comerciante reunia trabalhadores em um único edifício, sob a supervisão de um
capataz. Em um primeiro momento, cada trabalhador executava todas as etapas da
produção, com ferramentas fornecidas pelo patrão; posteriormente, cada
trabalhador especializava-se em uma etapa da produção, ocorrendo a divisão do
trabalho. O patrão ainda dependia da capacidade artesanal de cada trabalhador
(século XVIII), mas o controle deste último pelo primeiro era notório.
Finalmente, com o sistema fabril, a máquina substituiu a ferramenta; cada
trabalhador realizava uma etapa da produção e, na maioria dos casos,
desconhecia a execução das outras fases.
A
Inglaterra liderou a Revolução Industrial por ser o primeiro país europeu a
reunir todas as condições necessárias para esse fim. A primeira condição foi a
tomada do poder pela burguesia, ocorrida em 1688 com a Revolução Gloriosa. Livre
dos choques com a nobreza, a burguesia fica livre para acumular os capitais
necessários para financiar invenções que barateassem o custo de produção.
O capitalismo
ampliou o império colonial britânico, abrindo novos mercados às manufaturas
inglesas. A posição de isolamento geográfico da Inglaterra manteve o país
afastado dos conflitos europeus, enquanto o puritanismo (calvinismo
inglês) estimulava o trabalho e a poupança. As novas doutrinas econômicas (Fisiocracia
e Liberalismo Econômico) criaram uma ciência administrativa capaz de
gerir lucros e investimentos de forma a otimizar resultados.
Some-se a
isso o impacto provocado pelo fenômeno dos enclousures (cercamentos), ou seja, por ordem do
governo os proprietários deveriam cercar suas terras, e quem não o fizesse
teria as terras confiscadas. Tal política afetou principalmente os camponeses,
porque estes não dispunham de condições para fazê-lo, e com isso uma grande
parcela de terras ficou concentrada nas mãos dos grandes proprietários, que
substituíram a agricultura pela criação extensiva de carneiros.
Os enclousures extinguiram as terras comunais do interior
inglês, transformando-as em propriedade agrícola particular, uma empresa rural
que visava ao lucro pessoal de seu dono a partir do atendimento das
necessidades do mercado consumidor que se formava. Por outro lado, os cercamentos
determinaram a expulsão do camponês da terra, reduzindo-o à condição de
assalariado na própria zona rural, ou forçando-o a migrar para os centros
urbanos que se industrializavam, como Manchester e Liverpool.
As cidades
passaram a acumular uma população numerosa e dependente, para sobreviver do
emprego oferecido pela indústria, ou formar um exército de desempregados que
garantiria o baixo custo da mão-de-obra. Os ingleses ainda tinham a seu favor
um mercado interno desenvolvido e jazidas de carvão e ferro em seu território,
além de receberem algodão em abundância das colônias e possuírem uma excelente
infraestrutura de transportes, com estradas, portos, canais e, décadas depois,
ferrovias.
INOVAÇÕES TÉCNICAS
Entre as
principais inovações técnicas surgidas no período, merecem destaque a máquina de fiar (spinning Jenny), criada
por James Hargreaves em 1767; o bastidor
hidráulico (water machine), construído em 1769 por Richard Arkwright; a máquina de fiar híbrida (mule machine),
realização de Samuel Crompton, em 1779, a partir de uma
combinação das máquinas anteriores; e não se pode esquecer do tear mecânico, patenteado por Edmund
Cartwright em 1785.
A Revolução
Industrial inglesa ganhou um enorme impulso em 1769, quando James Watt
conseguiu aprimorar a máquina a vapor,
criada por Thomas Newcomen em 1711. Watt ligou-a a um mecanismo industrial e,
assim, as indústrias inglesas passaram a funcionar em ritmo mais acelerado,
aumentando a produção.
A
industrialização provocou mudanças também nos transportes. O barco a vapor foi inventado em 1807 por
um norte-americano chamado Robert Fulton, promovendo uma revolução no
transporte marítimo. A revolução no transporte terrestre veio em 1825, com a
invenção da locomotiva por George
Stephenson. Na mesma época, as distâncias ficaram mais curtas quando Samuel
Morse inventou o telégrafo.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
No início
da industrialização, a classe operária foi submetida a duríssimas condições de
trabalho. Destituída da posse de instrumentos de trabalho (ferramentas ou
utensílios) e da propriedade dos meios de produção (fábricas e máquinas), os
trabalhadores também não tinham nenhum tipo de legislação trabalhista que
regulamentasse suas atividades ou que, ao menos, lhes protegesse da exploração.
A jornada
de trabalho nas primeiras décadas da industrialização variava entre 12 e 16
horas por dia. Os baixos salários, em consequência da abundância de mão-de-obra
e da utilização das máquinas, eram a regra geral. Era comum a utilização de
crianças e mulheres nas fábricas, uma vez que recebiam menos do que os homens.
Os castigos eram
rigorosos. Crianças que adormeciam durante o trabalho poderiam ser espancadas,
e as pausas para descanso eram raras. Quem não conseguia seguir o ritmo das
máquinas tinha de pagar multas. São muitos os registros de trabalhadores que
cumpriam seu turno sem se alimentarem. Em praticamente todas as fábricas, as
condições de trabalho eram insalubres. Entretanto, aqueles que adoeciam corriam
o risco de perder a vaga. Mulheres que engravidavam apelavam para a interrupção
forçada da gestação. Eram raras as empresas que indenizavam os operários que se
acidentavam durante o trabalho.
Não demorou
para que empregados e desempregados formassem associações para questionar a
situação. Para algumas pessoas, as máquinas eram as grandes culpadas pelo
desemprego e pelos baixos salários. Em 1812, começaram os primeiros protestos
operários, quando um grupo de manifestantes, liderados por um certo General
Ludd, partiram para a destruição de várias máquinas nas fábricas de Midland.
Os membros
do Parlamento tomaram medidas repressivas contra os ludistas e as demais
associações de trabalhadores, tentando vencê-los pela ameaça da forca. Várias
reivindicações eram enviadas aos parlamentares, mas, como os trabalhadores não
tinham direito de voto, as parcas concessões sequer eram colocadas em prática. Cada vez
mais insatisfeitos com essas situação, os trabalhadores uniram-se às camadas
médias da sociedade inglesa e passaram a exigir representação parlamentar.
Esse movimento
deu origem ao Cartismo, que lutava pelo sufrágio universal, voto secreto,
renovação anual do Parlamento, igualdade entre os distritos eleitorais e fim da
exigência de propriedade para os candidatos. Mas o movimento cartista
enfraqueceu e desapareceu na medida em que as propostas foram sendo atendidas.
Os trabalhadores continuaram associando-se em organizações trabalhistas, como
as trade
unions, e surgiram ideias e teorias preocupadas com o quadro da nova
ordem industrial.
Segunda Revolução Industrial
A partir de
1860, tem-se a chamada Segunda Revolução Industrial, caracterizada por novas
transformações técnicas e econômicas, além da descentralização industrial, que
fez que essas mudanças atingissem a Europa Central e Oriental, a América do
Norte e até mesmo o Extremo Oriente, destacadamente o Japão.
Entre as
inovações que assinalaram essa fase, três merecem referência. A primeira foi o processo
de transformação do ferro em aço, desenvolvido por Henry Bessemer e que fez
do aço o elemento básico dessa nova fase. A segunda foi a invenção do dínamo,
que permitia a conversão de energia mecânica em elétrica e que as
indústrias pudessem trabalhar movidas a eletricidade. A terceira foi o motor
a combustão interna, inventado por Nikolaus Otto e aperfeiçoado por
Rudolf Diesel, abrindo caminho para a utilização do petróleo em larga escala,
movimentando navios, locomotivas e favorecendo o aparecimento do automóvel e do
avião.
Do ponto de vista tecnológico, houve uma importante mudança
com a substituição do ferro pelo aço na construção do maquinário (dando-lhe
mais resistência e condições de uma maior produção); do carvão pelo petróleo
como combustível e da energia a vapor pela eletricidade.
Se na Europa Ocidental e nos Estados Unidos a
industrialização procurava dinamizar suas perspectivas, no Oriente ela ainda
dava os primeiros passos. Na Rússia, só teve início na última
década do século XIX. Nesse processo, foi importante o papel do ministro das
Finanças do país, Conde Serge Witte, que
estabeleceu credibilidade para a Rússia no exterior e recebeu financiamentos
para a realização de projetos industriais. Dispondo de abundância de
mão-de-obra, intervenção estatal e investimentos franceses e alemães, os russos
deram os primeiros passos no sentido de abandonar sua feição semifeudal.
A ocidentalização do Japão data de 1868,
início da Era Meiji, ou “Época das Luzes”. Foi nesse período
que o shogunato (organização política fragmentada que, em certa medida, semelhante ao feudalismo) foi superado e se deu a
unificação do país. A centralização política liberou a mão-de-obra do campo e
possibilitou a intervenção do Estado na economia, facilitando a assimilação da
tecnologia ocidental e a expansão industrial interna, processo
que favoreceu o fortalecimento do Estado japonês e que possibilitou a expansão
militarista no início do século XX, portanto, abriu caminho para a política
expansionista que levou à Segunda Guerra Mundial.
Nessa etapa
da industrialização, principalmente no Ocidente, passaram a ocorrer novas
formas de organização capitalista, que se afastaram da livre concorrência e
criaram o capitalismo monopolista. A plena liberdade de comércio e
produção criou condições para que as grandes empresas eliminassem ou
absorvessem as pequenas. Ao final do século XIX, surgiram novas formações
industriais, que ainda fazem parte da nossa realidade econômica: trustes,
cartéis e holdings.
Os cartéis se formam através de acordos
entre grandes empresas, havendo uma combinação de preços, geralmente
equiparação, evitando-se o desgaste da concorrência. Os trustes são compostos quando as grandes empresas passam a controlar
a matéria-prima de determinados produtos, monopolizando, assim, a produção, o
preço e o acesso ao mercado consumidor final. A prática de holding é aquela na qual existe uma associação formal entre
empresas, ou ainda quando um gigante compra as ações dos concorrentes,
tornando-se sócio majoritário de várias empresas do mesmo ramo. Outra prática
monopolista é o dumping, que consiste
em vender um produto abaixo do preço de custo, inviabilizando a concorrência.
Também
nessa época, o capitalismo industrial foi ganhando um novo parceiro: o capitalismo
financeiro, no qual grandes bancos atuam em conjunto com as grandes
empresas ou, simplesmente, banqueiros passam a controlar empresas. Os
empréstimos e financiamentos contribuíram para colocar as empresas numa
situação de, em muitos casos, dependência das instituições financeiras.
É inegável
que a industrialização ampliou as possibilidades de consumo, barateando
produtos e colocando mais serviços disponíveis à população dos países ricos.
Mesmo assim, a qualidade de vida da maioria esmagadora dos trabalhadores
permaneceu precária. Era mais uma prova de que o simples crescimento na oferta
de mercadorias não é o suficiente para criar um quadro de estabilidade social.
A Revolução ainda não acabou!
A
Revolução Industrial ainda não se concluiu, mas hoje já se esboça uma terceira
fase, em que a eletrônica é substituída pela microeletrônica, ampliando a
potência de ação dos meios de comunicação em massa, especialmente como
desdobramento da tecnologia de exploração espacial – a comunicação via satélite
e toda a nova concepção de relações que derivou daí. Com os chamados
“supercérebros” e o computador de grande capacidade de processamento de dados e
sua adoção como padrão para vários tipos de máquina que poderiam desempenhar
inúmeras funções, inclusive substituindo a mão de obra humana e assim, a
robótica se colocou como a grande referência para o desenvolvimento industrial
e tecnológico da segunda metade do século XX.
Entre a
última década do século XX e a primeira do século XXI, vemos surgirem novos
patamares de sociabilidade, por meio da rede internacional de computadores (a
internet, que inicialmente interligava
computadores de bases militares e depois laboratórios de universidades), que
possibilita a interligação de milhões de computadores domésticos
e outros mais sofisticados, numa teia de fios de fibra óptica, ou pela
tecnologia da telefonia móvel (celular), que se espalham por quase todo o
planeta, criando uma dinâmica de circulação de informações, dados e imagens
nunca antes imaginada. Não se trata mais de ficção: como conceituou Marshall
McLuhan (1911-1980), vivemos numa
aldeia
global, bombardeados incessantemente por milhares de informações e imagens
“em tempo real”, para usar a linguagem midiática.
No final dos anos 1940, os computadores eram imensos e pesados; 40 anos mais tarde, no final dos anos 80, passaram a serem menores, mais leves e já podiam ocupar uma pequena mesa de escritório.
A exploração do proletariado europeu
(...)"Todo o vale está alterado com o
repicar do sino, com o ruído das máquinas; só se fala de traição e de sistemas
igualitários; a rebelião pode estar próxima. O povo, é verdade, encontra-se
empregado, porém essas pessoas se deixaram levar pelos vícios que decorrem do
amontoamento".(...)
(...)Olhe Paris como observador e meça a lama
deste esgoto do mundo, as raças selvagens entre essa população tão ativa, tão
espiritual, tão bem vestida, tão polida, e o assombro tomará conta de
você".(...)
(...)"a França caminha para esta miséria:
Paris tem 56 mil pobres conhecidos e talvez outro tanto de desconhecidos. Os
trabalhadores franceses são tão miseráveis que nas suas cabanas de terra não
possuem nem mesmo um leito".(...)
(...)"Um lugar chocante, um diabólico
emaranhado de cortiços que abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e
mulheres imundos vivem de dois tostões de aguardente, onde colarinhos e camisas
limpas são decências desconhecidas, onde todo cidadão carrega no próprio corpo
as marcas da violência e onde jamais alguém penteia seus cabelos".(...)
BRESCIANI, Maria Stella
Martins "Londres e Paris no Século
XIX"- São Paulo - Brasiliense – 1985.