As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Revolução Industrial



            O termo Revolução é utilizado frequentemente para indicar movimentos que alteraram o curso de determinados acontecimentos, mas não se pode esquecer de que muitos desses eventos foram tão somente a continuação de processos que já vinham se desenrolando ao longo do tempo. A Revolução Industrial foi uma série de acontecimentos sociais, econômicos, políticos e aprimoramentos técnicos ocorridos na Inglaterra, ao longo dos séculos XVIII e XIX e, a seguir, nos demais países da Europa Ocidental, EUA e, posteriormente, em boa parte das regiões do globo.

            A sedução do novo e a ideia de progresso começaram a permear o pensamento europeu. As invenções impunham-se no cotidiano das pessoas, com um ritmo alucinante para um mundo que ainda era essencialmente rural. Rompia-se com o velho modo de vida, em que os limites eram traçados pela natureza. A visão de tempo também mudou, pois não era mais a luz do dia que delimitava a jornada de trabalho, mas o relógio; e, agora, as pessoas tinham pressa para fazer dinheiro e, se tivessem “competência”, lucro. O processo invertia-se e, ao invés dos instrumentos se adaptarem aos trabalhadores, eram os operários que se adaptavam às máquinas.
           
PIONEIRISMO INGLÊS
            A Revolução Industrial inglesa começou a partir do acúmulo de capital obtido pela burguesia mercantil  no comércio de especiarias. Dessa  forma, o mercado passou a ditar as diretrizes da produção e os comerciantes passaram a estruturar sistemas produtivos de acordo com as necessidades desse mercado.

            Os sistemas de produção evoluíram lentamente ao longo da Idade Média e da Moderna e, dentre esses sistemas, podemos destacar cinco. O primeiro teria sido o sistema familiar, no qual os membros de uma família produziam para seu próprio uso, não ocorriam trocas por moeda nem havia produção de excedente. Esse sistema foi utilizado durante toda a Idade Média.

            Com o renascimento comercial e urbano apareceu o sistema de corporações, no qual os mestres de ofício produziam nos burgos (cidades da Idade Média) para atender às necessidades locais. A produção era feita em pequena escala e o mestre de ofício executava todas as etapas da produção em sua oficina, com seus instrumentos, auxiliado por um aprendiz que, futuramente, tornar-se-ia um mestre de ofício. Frente a um aumento do número de encomendas, o mestre poderia contratar os serviços de um jornaleiro. A qualidade e o preço dos produtos eram rigidamente fiscalizados pela corporação de ofício, que reunia mestres, aprendizes e jornaleiros. Esse sistema vigorava nas cidades medievais e chegava a englobar grandes regiões, como Flandres, por exemplo.

            Por volta do século XVI, surgiu o sistema doméstico (putting out system), pelo qual o comerciante criava uma rede de tarefeiros que realizavam uma ou mais etapas da produção em suas casas, com seus instrumentos de trabalho. Dessa maneira, a produção ficava dispersa, impossibilitando o controle por parte do mestre de ofício. Essa forma de trabalho foi criada pelos comerciantes para burlar o sistema de corporações.

            A manufatura foi, sem dúvida, o estágio mais próximo daquilo que entendemos como visão moderna de fábrica. Num estabelecimento voltado para essa atividade, o comerciante reunia trabalhadores em um único edifício, sob a supervisão de um capataz. Em um primeiro momento, cada trabalhador executava todas as etapas da produção, com ferramentas fornecidas pelo patrão; posteriormente, cada trabalhador especializava-se em uma etapa da produção, ocorrendo a divisão do trabalho. O patrão ainda dependia da capacidade artesanal de cada trabalhador (século XVIII), mas o controle deste último pelo primeiro era notório. Finalmente, com o sistema fabril, a máquina substituiu a ferramenta; cada trabalhador realizava uma etapa da produção e, na maioria dos casos, desconhecia a execução das outras fases.

            A Inglaterra liderou a Revolução Industrial por ser o primeiro país europeu a reunir todas as condições necessárias para esse fim. A primeira condição foi a tomada do poder pela burguesia, ocorrida em 1688 com a Revolução Gloriosa. Livre dos choques com a nobreza, a burguesia fica livre para acumular os capitais necessários para financiar invenções que barateassem o custo de produção.

            O capitalismo ampliou o império colonial britânico, abrindo novos mercados às manufaturas inglesas. A posição de isolamento geográfico da Inglaterra manteve o país afastado dos conflitos europeus, enquanto o puritanismo (calvinismo inglês) estimulava o trabalho e a poupança. As novas doutrinas econômicas (Fisiocracia e Liberalismo Econômico) criaram uma ciência administrativa capaz de gerir lucros e investimentos de forma a otimizar resultados.

            Some-se a isso o impacto provocado pelo fenômeno dos enclousures (cercamentos), ou seja, por ordem do governo os proprietários deveriam cercar suas terras, e quem não o fizesse teria as terras confiscadas. Tal política afetou principalmente os camponeses, porque estes não dispunham de condições para fazê-lo, e com isso uma grande parcela de terras ficou concentrada nas mãos dos grandes proprietários, que substituíram a agricultura pela criação extensiva de carneiros.

Os enclousures extinguiram as terras comunais do interior inglês, transformando-as em propriedade agrícola particular, uma empresa rural que visava ao lucro pessoal de seu dono a partir do atendimento das necessidades do mercado consumidor que se formava. Por outro lado, os cercamentos determinaram a expulsão do camponês da terra, reduzindo-o à condição de assalariado na própria zona rural, ou forçando-o a migrar para os centros urbanos que se industrializavam, como Manchester e Liverpool.

            As cidades passaram a acumular uma população numerosa e dependente, para sobreviver do emprego oferecido pela indústria, ou formar um exército de desempregados que garantiria o baixo custo da mão-de-obra. Os ingleses ainda tinham a seu favor um mercado interno desenvolvido e jazidas de carvão e ferro em seu território, além de receberem algodão em abundância das colônias e possuírem uma excelente infraestrutura de transportes, com estradas, portos, canais e, décadas depois, ferrovias.

INOVAÇÕES TÉCNICAS
           
Entre as principais inovações técnicas surgidas no período, merecem destaque a máquina de fiar (spinning Jenny), criada por James Hargreaves em 1767; o bastidor hidráulico (water machine), construído em 1769 por Richard Arkwright; a máquina de fiar híbrida (mule machine), realização de Samuel Crompton,  em 1779, a partir de uma combinação das máquinas anteriores; e não se pode esquecer do tear mecânico, patenteado por Edmund Cartwright em 1785.


            A Revolução Industrial inglesa ganhou um enorme impulso em 1769, quando James Watt conseguiu aprimorar a máquina a vapor, criada por Thomas Newcomen em 1711. Watt ligou-a a um mecanismo industrial e, assim, as indústrias inglesas passaram a funcionar em ritmo mais acelerado, aumentando a produção.

            A industrialização provocou mudanças também nos transportes. O barco a vapor foi inventado em 1807 por um norte-americano chamado Robert Fulton, promovendo uma revolução no transporte marítimo. A revolução no transporte terrestre veio em 1825, com a invenção da locomotiva por George Stephenson. Na mesma época, as distâncias ficaram mais curtas quando Samuel Morse inventou o telégrafo.

CONDIÇÕES DE TRABALHO
            No início da industrialização, a classe operária foi submetida a duríssimas condições de trabalho. Destituída da posse de instrumentos de trabalho (ferramentas ou utensílios) e da propriedade dos meios de produção (fábricas e máquinas), os trabalhadores também não tinham nenhum tipo de legislação trabalhista que regulamentasse suas atividades ou que, ao menos, lhes protegesse da exploração.

            A jornada de trabalho nas primeiras décadas da industrialização variava entre 12 e 16 horas por dia. Os baixos salários, em consequência da abundância de mão-de-obra e da utilização das máquinas, eram a regra geral. Era comum a utilização de crianças e mulheres nas fábricas, uma vez que recebiam menos do que os homens.

    Os castigos eram rigorosos. Crianças que adormeciam durante o trabalho poderiam ser espancadas, e as pausas para descanso eram raras. Quem não conseguia seguir o ritmo das máquinas tinha de pagar multas. São muitos os registros de trabalhadores que cumpriam seu turno sem se alimentarem. Em praticamente todas as fábricas, as condições de trabalho eram insalubres. Entretanto, aqueles que adoeciam corriam o risco de perder a vaga. Mulheres que engravidavam apelavam para a interrupção forçada da gestação. Eram raras as empresas que indenizavam os operários que se acidentavam durante o trabalho.

            Não demorou para que empregados e desempregados formassem associações para questionar a situação. Para algumas pessoas, as máquinas eram as grandes culpadas pelo desemprego e pelos baixos salários. Em 1812, começaram os primeiros protestos operários, quando um grupo de manifestantes, liderados por um certo General Ludd, partiram para a destruição de várias máquinas nas fábricas de Midland.

            Os membros do Parlamento tomaram medidas repressivas contra os ludistas e as demais associações de trabalhadores, tentando vencê-los pela ameaça da forca. Várias reivindicações eram enviadas aos parlamentares, mas, como os trabalhadores não tinham direito de voto, as parcas concessões sequer eram colocadas em prática. Cada vez mais insatisfeitos com essas situação, os trabalhadores uniram-se às camadas médias da sociedade inglesa e passaram a exigir representação parlamentar.

            Esse movimento deu origem ao Cartismo, que lutava pelo sufrágio universal, voto secreto, renovação anual do Parlamento, igualdade entre os distritos eleitorais e fim da exigência de propriedade para os candidatos. Mas o movimento cartista enfraqueceu e desapareceu na medida em que as propostas foram sendo atendidas. Os trabalhadores continuaram associando-se em organizações trabalhistas, como as trade unions, e surgiram ideias e teorias preocupadas com o quadro da nova ordem industrial.

Segunda Revolução Industrial
            A partir de 1860, tem-se a chamada Segunda Revolução Industrial, caracterizada por novas transformações técnicas e econômicas, além da descentralização industrial, que fez que essas mudanças atingissem a Europa Central e Oriental, a América do Norte e até mesmo o Extremo Oriente, destacadamente o Japão.

            Entre as inovações que assinalaram essa fase, três merecem referência. A primeira foi o processo de transformação do ferro em aço, desenvolvido por Henry Bessemer e que fez do aço o elemento básico dessa nova fase. A segunda foi a invenção do dínamo, que permitia a conversão de energia mecânica em elétrica e que as indústrias pudessem trabalhar movidas a eletricidade. A terceira foi o motor a combustão interna, inventado por Nikolaus Otto e aperfeiçoado por Rudolf Diesel, abrindo caminho para a utilização do petróleo em larga escala, movimentando navios, locomotivas e favorecendo o aparecimento do automóvel e do avião.

            Do ponto de vista tecnológico, houve uma importante mudança com a substituição do ferro pelo aço na construção do maquinário (dando-lhe mais resistência e condições de uma maior produção); do carvão pelo petróleo como combustível e da energia a vapor pela eletricidade.
Se na Europa Ocidental e nos Estados Unidos a industrialização procurava dinamizar suas perspectivas, no Oriente ela ainda dava os primeiros passos. Na Rússia, só teve início na última década do século XIX. Nesse processo, foi importante o papel do ministro das Finanças do país,  Conde Serge Witte, que estabeleceu credibilidade para a Rússia no exterior e recebeu financiamentos para a realização de projetos industriais. Dispondo de abundância de mão-de-obra, intervenção estatal e investimentos franceses e alemães, os russos deram os primeiros passos no sentido de abandonar sua feição semifeudal.

            A ocidentalização do Japão data de 1868, início da Era Meiji, ou “Época das Luzes”. Foi nesse período que o shogunato (organização política fragmentada que, em certa medida, semelhante ao feudalismo) foi superado e se deu a unificação do país. A centralização política liberou a mão-de-obra do campo e possibilitou a intervenção do Estado na economia, facilitando a assimilação da tecnologia ocidental e a expansão industrial interna, processo que favoreceu o fortalecimento do Estado japonês e que possibilitou a expansão militarista no início do século XX, portanto, abriu caminho para a política expansionista que levou à Segunda Guerra Mundial.

            Nessa etapa da industrialização, principalmente no Ocidente, passaram a ocorrer novas formas de organização capitalista, que se afastaram da livre concorrência e criaram o capitalismo monopolista. A plena liberdade de comércio e produção criou condições para que as grandes empresas eliminassem ou absorvessem as pequenas. Ao final do século XIX, surgiram novas formações industriais, que ainda fazem parte da nossa realidade econômica: trustes, cartéis e holdings.

            Os cartéis se formam através de acordos entre grandes empresas, havendo uma combinação de preços, geralmente equiparação, evitando-se o desgaste da concorrência. Os trustes são compostos quando as grandes empresas passam a controlar a matéria-prima de determinados produtos, monopolizando, assim, a produção, o preço e o acesso ao mercado consumidor final. A prática de holding é aquela na qual existe uma associação formal entre empresas, ou ainda quando um gigante compra as ações dos concorrentes, tornando-se sócio majoritário de várias empresas do mesmo ramo. Outra prática monopolista é o dumping, que consiste em vender um produto abaixo do preço de custo, inviabilizando a concorrência.

            Também nessa época, o capitalismo industrial foi ganhando um novo parceiro: o capitalismo financeiro, no qual grandes bancos atuam em conjunto com as grandes empresas ou, simplesmente, banqueiros passam a controlar empresas. Os empréstimos e financiamentos contribuíram para colocar as empresas numa situação de, em muitos casos, dependência das instituições financeiras.

            É inegável que a industrialização ampliou as possibilidades de consumo, barateando produtos e colocando mais serviços disponíveis à população dos países ricos. Mesmo assim, a qualidade de vida da maioria esmagadora dos trabalhadores permaneceu precária. Era mais uma prova de que o simples crescimento na oferta de mercadorias não é o suficiente para criar um quadro de estabilidade social.

A Revolução ainda não acabou!

A Revolução Industrial ainda não se concluiu, mas hoje já se esboça uma terceira fase, em que a eletrônica é substituída pela microeletrônica, ampliando a potência de ação dos meios de comunicação em massa, especialmente como desdobramento da tecnologia de exploração espacial – a comunicação via satélite e toda a nova concepção de relações que derivou daí. Com os chamados “supercérebros” e o computador de grande capacidade de processamento de dados e sua adoção como padrão para vários tipos de máquina que poderiam desempenhar inúmeras funções, inclusive substituindo a mão de obra humana e assim, a robótica se colocou como a grande referência para o desenvolvimento industrial e tecnológico da segunda metade do século XX.

Entre a última década do século XX e a primeira do século XXI, vemos surgirem novos patamares de sociabilidade, por meio da rede internacional de computadores (a internet, que inicialmente interligava computadores de bases militares e depois laboratórios de universidades), que possibilita a interligação de milhões de computadores domésticos[1] e outros mais sofisticados, numa teia de fios de fibra óptica, ou pela tecnologia da telefonia móvel (celular), que se espalham por quase todo o planeta, criando uma dinâmica de circulação de informações, dados e imagens nunca antes imaginada. Não se trata mais de ficção: como conceituou Marshall McLuhan (1911-1980), vivemos numa aldeia global, bombardeados incessantemente por milhares de informações e imagens “em tempo real”, para usar a linguagem midiática.

[1] No final dos anos 1940, os computadores eram imensos e pesados; 40 anos mais tarde, no final dos anos 80, passaram a serem menores, mais leves e já podiam ocupar uma pequena mesa de escritório.

A exploração do proletariado europeu

(...)"Todo o vale está alterado com o repicar do sino, com o ruído das máquinas; só se fala de traição e de sistemas igualitários; a rebelião pode estar próxima. O povo, é verdade, encontra-se empregado, porém essas pessoas se deixaram levar pelos vícios que decorrem do amontoamento".(...)

(...)Olhe Paris como observador e meça a lama deste esgoto do mundo, as raças selvagens entre essa população tão ativa, tão espiritual, tão bem vestida, tão polida, e o assombro tomará conta de você".(...)

(...)"a França caminha para esta miséria: Paris tem 56 mil pobres conhecidos e talvez outro tanto de desconhecidos. Os trabalhadores franceses são tão miseráveis que nas suas cabanas de terra não possuem nem mesmo um leito".(...)

(...)"Um lugar chocante, um diabólico emaranhado de cortiços que abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tostões de aguardente, onde colarinhos e camisas limpas são decências desconhecidas, onde todo cidadão carrega no próprio corpo as marcas da violência e onde jamais alguém penteia seus cabelos".(...)

                  BRESCIANI, Maria Stella Martins "Londres e Paris no Século XIX"- São Paulo - Brasiliense – 1985.



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