O papado, seu interior e as diferentes formas de manifestação de sua influência sempre foram objeto de discussão nas mais diferentes esferas sociais ao longo dos séculos e assim, todo abordagem sobre este tema carrega uma aura de mistério, de dúvida sobre aquele que se apresenta como sucessor de Pedro e Vigário de Cristo, depois de uma eleição secreta, entre chaves (tradução da expressão latina cum clavis ou conclave, em português), que pelo menos há cinco séculos vem ocorrendo na Capela Sistina, tendo os afrescos de Michelangelo, Rafael, Boticelli e outros como testemunha.
Após uma votação dos cardeais eleitores, obtendo-se uma maioria de 2/3 do Colégio de Cardeais (modo resolvido por um documento de 1970, de acordo com decisão de Paulo VI). Porém, segundo a Constituição Apostólica de 1996, por João Paulo II, ficou estabelecido que, decorrida 30 votações e não houve nenhum nome com 2/3 dos votos, a votação será feita entre os dois mais votados e aquele que obtiver a maioria dos votos (mais de 50%) será o novo escolhido.
Quando não há determinação na votação, as cédulas de voto são queimadas num incinerador com palha úmida, gerando assim, a "fumaça preta" que sairá da chaminé, a qual é vigiada pelos fiéis na Praça de São Pedro.
Na "Sede Vancante", é o camerlengo (nome que deriva do termo alemão kämmerling e equivale a camera em italiano e no passado, tinha o papel de administrator do palácio e aposentos papais) que assumirá o papel de chefe interino da Igreja, para que esta se mantenha funcionando até a eleição do novo Sucessor de Pedro.
Quando houve definição, apenas as cédulas são queimadas e aí, sairá a "fumaça branca" indicando que a escolha foi feita. Nesse momento, o escolhido é questionado pelo decano do Colégio dos Cardeais:
Reverendo Cardeal, aceitas a tua eleição canônica como Sumo Pontífice?
Aceito em nome do Senhor. (Caso o cardeal a rejeite, ocorre uma nova votação)
Como queres que te chamemos?
O eleito escolhe um nome para seu pontificado, geralmente homenageando um de seus antecessores ou adotando um nome novo, como por exemplo, foi o caso de João Paulo I, que criou este nome composto, homenageando seus dois antecessores João XXIII(1959-1963) e Paulo VI (1963-1979). Assim, com o repique dos sinos, será apresentado pelo protodiácono e decano (cardeal mais velho) no balcão principal da Basílica de São Pedro:
Latim
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Tradução em português
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Annuntio vobis gaudium magnum;
Habemus Papam:
Eminentissimum ac reverendissimum Dominum,
Dominum (Nome),
Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem(Sobrenome),
Qui sibi nomen imposuit (Nome papal).
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Anuncio-vos uma grande alegria;
Temos um Papa:
O eminentíssimo e reverendíssimo Senhor,
Dom (Nome),
Cardeal da Santa Romana Igreja (Sobrenome),
Que se impôs o nome de (Nome papal).
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Em seguida, aparece para ser saudado pela multidão, que ansiosamente, se concentra na Praça de São Pedro e dali, já profere as suas primeiras palavras no exercício da função de Pontífice Máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, dando a benção Urbi et Orbi, isto é, para a Cidade e o Mundo, com o seguinte texto latino:
Sancti Apostoli Petrus et Paulus: de quorum potestate et auctoritate confidimus ipsi intercedant pro nobis ad Dominum.
Que os Santos Apóstolos Pedro e Paulo, em cujo poder e autoridade temos confiança, intercedam por nós junto ao Senhor.
Resposta: Amém.
Precibus et meritis beatæ Mariae semper Virginis, beati Michaelis Archangeli, beati Ioannis Baptistæ, et sanctorum Apostolorum Petri et Pauli et omnium Sanctorum misereatur vestri omnipotens Deus; et dimissis omnibus peccatis vestris, perducat vos Iesus Christus ad vitam æternam.
Que por meio das orações e dos méritos da Santíssima Virgem Maria, de São Miguel Arcanjo, de São João Batista, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e de todos os santos, Deus todo-poderoso tenha misericórdia de vós, perdoe os vossos pecados e vos conduza à vida eterna em Jesus Cristo.
Resposta: Amém.
Indulgentiam, absolutionem et remissionem omnium peccatorum vestrorum, spatium verae et fructuosae poenitentiæ, cor semper penitens, et emendationem vitae, gratiam et consolationem Sancti Spiritus; et finalem perseverantiam in bonis operibus tribuat vobis omnipotens et misericors Dominus.
Que o Senhor Todo Poderoso e misericordioso vos conceda indulgência, absolvição, e remissão de todos os vossos pecados, em tempo para uma verdadeira e frutuosa penitência, sempre com coração contrito, e a benção da vida, a graça, a consolação do Espírito Santo e perseverança final nas boas obras.
Resposta: Amém.
Et benedictio Dei omnipotentis, Patris et Filii et Spiritus Sancti descendat super vos et maneat semper.
E que a bênção de Deus Todo Poderoso, Pai e Filho e Espírito Santo desça sobre vós e permaneça sempre.
Resposta: Amém
Um belo e antigo ritual, que mostra ao mundo, a continuidade desta milenar instituição que é a Igreja Católica Romana. Mas e se o papa eleito disser “não”?
Moretti como psicanalista tentando conversar com "Sua Santidade", sob o olhar perplexo dos cardeais.
Foi esta pergunta que moveu o diretor do filme Habemus papam (exibido em 2012) Nanni Moretti na construção de um contexto fictício, valendo-se de cenas reais do funeral de João Paulo II, para mostrar um conclave que elevaria o cardeal Melville, interpretado pelo ator Michel Piccoli, ao cargo mais importante da Igreja.
O cardeal Melville era um dos cardeais eleitores, mas não era um favorito, como o cardeal Gregori, interpretado por Renato Scarpa. Há um velho provérbio na Igreja que diz “quem entra como papa no conclave, saí como cardeal” e foram poucos que consiguiram provar o contrário, 13 ao todo, e o mais recente, foi Bento XVI, eleito em 2005.
O recém-eleito, tomado pela surpresa, diz “sim” ao Conclave e a tradicional fumaça branca, tão esperada pela multidão na Praça de São Pedro é comemorada, os sinos da Basílica dobram e se aguarda o anúncio do “Habemus papam” e no exato momento da apresentação, o impensável acontece: um grito de dor ou pavor é bradado pelo “futuro papa”, que saí correndo, deixando seus demais colegas em pânico e o decano dos cardeais não concluiu o anúncio retornando seus passos lentamente para trás, tomado pela perplexidade.
O que fazer? Como agir? Nesse grande vazio começa a busca pelo caminho mais fácil: a aceitação da função pelo eleito, que é examinado por médicos, encontra-se, aparentemente em boa saúde, mas não consegue ir adiante.
Algo deve ser feito e nisso, aqueles que vivem da prática de uma fé verdadeira apelam para a ciência que busca entender a mente e seus meandros, chamando um renomado psicanalista italiano, ateu convicto que deveria buscar uma solução para o problema.
O papa no divã? Aquele que aparentemente é visto como alguém acima de todos os mortais, sendo questionado como um paciente comum?
O papel do analista coube ao próprio diretor, aliás, muito bem desempenhado, flertando com a ironia da situação, o velho conflito entre a Fé e a Ciência e ainda por cima, a crise visível de uma instituição que envolve mais de um bilhão de pessoas.
É uma discussão séria, ao pensarmos qual é o futuro da Igreja Católica Romana, perante às inúmeras questões que a cercam no campo interno e na sua relação com a sociedade e assim, o filme busca pelo inusitado, a construção de um momento de reflexão, sem ficar restrito ao anticlericalismo exacerbado ou a uma desacralização que pudesse ofender a instituição e seus fiéis.
Fica aqui a sugestão! Bom filme!
Habemus papam
Direção: Nanni Moretti
Ano: Itália, 2011
Duração: 102 minutos