Fora as peculiaridades de um dia típico do inverno europeu, uma coisa muito particular chamou minha atenção: num dado momento da manhã, creio que era algo entre 10 e 11h, ouvi várias igrejas tocando seus sinos, mas não era um "toque de festa" ou de "chamada para a missa", como pensei num primeiro momento, pois ali naquela região, a população católica era maior, mas como era uma véspera de Carnaval, a dúvida continuou incomodando.
Bem, ao passar por um café um pouco mais tarde, tive a resposta: ali, enquanto saboreava um chocolate quente, ouvia a rádio local informar que o papa Bento XVI iria renunciar ao Trono de São Pedro às 20:00 do dia 28 de fevereiro, alegando que o peso da idade e a falta de vigor não lhe permitiam continuar sua "divina missão".
Amanhã, 24/02, será a sua última benção "Urbi et Orbi" (para a cidade de Roma e o mundo), onde se esperam alguns milhares de pessoas compareçam em massa para ouvi-lo. Porém, fica a inquietação:
seriam somente os dissabores da idade que lhe pesavam? Ou então, as forças políticas que se articulam dentro de uma instituição milenar e que, Josef Ratzinger conhece muito bem, há várias décadas?
Sua eleição em 19 de abril de 2005 foi um sinal particular: um
longevo papado se encerrava com a morte de João Paulo II (1979-2005) e os
cardeais precisavam de um tempo para traçar as direções futuras, como num
tabuleiro de xadrez, a necessidade de se antecipar as jogadas do adversário. Ao
elegerem o decano do Colégio de Cardeais e até então Prefeito da Congregação da
Doutrina e da Fé (nome atual da antiga Inquisição), a opção foi pelo
continuísmo, dado ao alinhamento de Ratzinger com João Paulo II e ao mesmo
tempo, por um “papado de transição”, já que o eleito naquela altura tinha 77 anos.
Portanto, a ampulheta tinha sido virada...
Confesso que, ao
receber a notícia da escolha, não me senti tomado de profunda alegria, afinal,
Ratzinger representava a manutenção de um conservadorismo rigoroso que, por
exemplo, perseguiu as correntes progressistas na Igreja, como foi o caso da
Teologia da Libertação, criticada e silenciada por sua movimentação política
associada ao marxismo, que na visão de João Paulo II e de seu fiel seguidor, o então
cardeal Ratzinger, a representação do “mal sobre a terra”.
Não foram poucas as polêmicas que Bento XVI se envolveu, mas
pairava sobre ele uma sombra desagradável: a suspeita de uma possível negligência
enquanto Prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé na investigação e punição
de religiosos católicos envolvidos com casos de abuso sexual em diferentes
lugares do mundo.
Na condição de papa, obrigou-se a não só fazer um pedido público
de perdão, gesto de certa sensibilidade, mas que não apaga o mal causado, além
de se posicionar duramente, pela primeira vez, ao estabelecer o afastamento e
investigação de acusados de abusos, que seriam expulsos pela conduta inadequada
e as autoridades da Igreja deveriam colaborar com a justiça laica para que as
investigações tivessem resultado.
Vide link: http://www.vatican.va/resources/resources_norme_po.html
Vide link: http://www.vatican.va/resources/resources_norme_po.html
No entanto, o que se espera de seu sucessor?
Há esperança do
cumprimento das propostas de renovação do Concílio Vaticano II (1963-65),
tornando a organização da Igreja mais colegiada e menos centralizadora, com
espaços para as diferentes correntes, mas sem perder o seu principal foco: a
difusão da mensagem de Paz e Amor entre os homens, que infelizmente, tem ficado
esquecida, e em seu lugar, lutas pelo poder e um sentimento de fé que vai se
esvaindo cada vez com a defesa de pontos de vista que mais excluem do que
agregam e nisso, há muito ainda por se fazer, pois a desigualdade, os abusos de
poder, a ameaça a liberdade, a miséria e as injustiças ainda atingem milhões.
Que a próxima fumaça branca, vinda da Capela Sistina, seja de fato
portadora de boas novas para todos aqueles que seguem os passos e as palavras
do Nazareno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário