O Primeiro
Reinado, que se estendeu de 1822 até 1831, caracterizou-se por ser um período
de transição política interna, uma vez que o imperador era herdeiro do trono
lusitano e, sendo assim, ainda pairava no ar o fantasma da recolonização. Foi
uma fase em que se manifestaram crises de caráter econômico, financeiro, social
e, principalmente, político. Houve um duro embate entre o autoritarismo do
monarca e o desejo da elite agrária local de exercer a hegemonia sobre o jovem
país.
É
importante destacar que os principais beneficiados com a independência foram os
grandes proprietários rurais e a Inglaterra. Esta última apoiava as
independências das colônias ibéricas como mecanismo mais eficaz para eliminar o
pacto colonial e ver, assim, a expansão de seus mercados
consumidores.
Os grandes
proprietários rurais só apoiaram o rompimento total com Portugal a partir do
momento em que os portugueses procuraram anular as medidas tomadas por Dom João
VI em sua estada no Brasil. A elite rural desejava um sistema de governo
autônomo, com alguns traços de liberalismo, mas não efetivou o rompimento da
estrutura colonial, mantendo a escravidão, o latifúndio e a monocultura voltada
para exportação.
GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA
A separação
política entre Brasil e Portugal não foi imediatamente aceita em todo o
território. Governadores de algumas províncias, que se julgavam fiéis a
Portugal, resistiram ao novo governo. Entretanto, era grande o número de
brasileiros que estavam dispostos a não permitir um retrocesso político.
Para conter
os lusos que se levantavam contra Dom Pedro I, foram contratados mercenários,
principalmente ingleses e franceses. Formaram-se milícias civis populares,
especialmente nas províncias do Nordeste, que foram fundamentais no
enfrentamento contra os representantes do colonialismo lusitano.
Praticamente
não houve ajuda aos brasileiros da parte dos vizinhos hispânicos. Havia muita
desconfiança em relação ao Brasil por diversos fatores, como a manutenção da
monarquia e o fato de o dirigente máximo do país ser legítimo herdeiro do trono
da antiga metrópole. Muitos acreditavam que Dom Pedro I poderia ser uma espécie
de porta pela qual se abriria o caminho para a recolonização da América Latina
pelos países ibéricos. É curioso que, enquanto se pensava isso, Pedro I passava
a fio de espada os portugueses que se opunham a sua coroação.
Dentre os
militares estrangeiros que foram contratados para comandar a luta contra os
portugueses destacaram-se Lord Cochrane, Pierre Labatut, John Taylor e John
Grenfelld. Os irmãos Andrada realizaram uma verdadeira coleta de recursos junto
aos fazendeiros mais bem-servidos financeiramente, assim como nem bem um novo
governo havia começado e já se conheciam aumentos de impostos; tudo com o
objetivo de financiar as tropas pró-independência.
Em algumas
províncias, como Bahia, Pará e Cisplatina, os conflitos foram mais violentos,
principalmente na Bahia, onde populares, como a heroína Maria Quitéria, lutaram
ao lado de homens como Cochrane e Labatut, que, se pelo menos não o faziam por
patriotismo, o fato de serem muito bem pagos garantiu a eficácia de suas ações.
As tropas
portuguesas, comandadas por Madeira de Melo, acabaram derrotadas e expulsas em
julho de 1823. Nos meses seguintes, foram vencidas tropas lusas no Piauí, no
Maranhão, no Pará e na Cisplatina, mas, nessa última, a luta não teve o apoio
dos locais, uma vez que se buscava a separação em relação ao Brasil. No final
de 1823, todos os focos contra Pedro I estavam debelados.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
No plano
internacional, uma onda reacionária predominava na Europa do início do XIX. O
Congresso de Viena pretendia restabelecer as antigas fronteiras e estruturas
políticas que vigoravam no momento político anterior à Revolução Francesa. Mas,
enquanto isso, os Estados Unidos procuravam estabelecer sua própria área de
influência e, por isso, buscaram impedir que as potências europeias
influenciassem a política interna da América Latina.
É nesse
quadro, denominado Doutrina Monroe, que os Estados Unidos foram os primeiros a
reconhecer a independência do Brasil, em 1824. A Inglaterra também o fez,
apesar de ser tradicional aliada dos portugueses, mas o que contava naquele
momento era o imenso mercado consumidor brasileiro.
Os ingleses
ainda conseguiram que Portugal reconhecesse a independência brasileira em 1825,
mas, para isso, foi necessário cumprir uma série de exigências dos lusos, como
o pagamento de uma indenização de dois milhões de libras esterlinas e a
concessão do título de imperador honorário do Brasil para Dom João VI, através
do Tratado de Paz e Aliança.
Graças à
sua ação mediadora, a Inglaterra obteve importantes vantagens comerciais com o
Brasil. Em 1827, foram reafirmados os Tratados de 1810, retificando-se as
tarifas alfandegárias. O governo brasileiro comprometeu-se, também, a extinguir
o tráfico negreiro até 1830, mas tal medida não foi cumprida, uma vez que nossa
economia era muito dependente da escravidão.
O baixo
preço das mercadorias vendidas no Brasil, principalmente depois que Dom Pedro I
estendeu a tarifa alfandegária de 15% para outros países, inviabilizou o desenvolvimento
de uma indústria interna, ampliando o déficit comercial. O Brasil era obrigado
a recorrer a empréstimos, tornando congênita a dependência em relação aos
ingleses.
Logo após a
proclamação da independência, reuniu-se uma Assembleia Nacional Constituinte,
composta por 90 deputados, em sua maioria grandes proprietários rurais
influenciados pelo Liberalismo francês e que eram genericamente chamados de Partido
Brasileiro. Havia outro grupo político: era o Partido Português,
defensor do retorno do Brasil à condição de colônia e que incentivava as
tendências absolutistas do monarca.
Mas, no
início dos trabalhos da Constituinte, começaram também os choques com o Imperador, de formação absolutista, e que
pretendia fazer valer sua preponderância sobre os súditos, fossem fazendeiros,
funcionários públicos, militares. É bom lembrar que, no biênio 1822/ 1823, o
país ainda enfrentava as guerras de
independência, causando um certo sentimento de xenofobia em relação aos
lusos.
Foi nesse
ambiente que Antônio Carlos de Andrada apresentou um projeto que recebeu a
alcunha de Constituição da Mandioca, isso pelo seguinte: o
processo eleitoral seria censitário e a participação na vida política, restrita
à minoria da população. Tanto eleitor quanto candidato deveriam submeter-se
à comprovação de renda anual, que era medida através da comparação com o valor
de alqueires plantados com mandioca. Era necessário possuir uma renda
semelhante a 150 alqueires de mandioca para ser um simples eleitor; 500
alqueires para ser deputado e o dobro para pleitear o cargo de senador.
O projeto
foi rejeitado pelo imperador, mas a razão de tal atitude estava longe de ser
uma manifestação favorável a uma verdadeira democracia. A proposta da Assembleia Constituinte também
propunha a subordinação do Executivo, no caso o imperador, ao Legislativo, e
este último também controlaria as Forças Armadas. Em outras palavras,
pretendia-se transformar o Brasil em uma monarquia parlamentar, assim como se
via na Europa liberal.
O monarca
não aceitou a proposta e as palavras pronunciadas por ele durante o início dos
trabalhos, “Quero uma Constituição digna do Brasil e de mim”, ainda ecoavam nos
ouvidos dos parlamentares. Uma vez que a Assembleia recusou-se a conceder-lhe o
poder de veto, Dom Pedro I determinou a dissolução da Constituinte.
Tais
desencontros culminaram na Noite da Agonia (de 11 para 12 de
novembro de 1823), quando os constituintes declararam-se em assembleia
permanente, recusando-se a dispersar conforme ordem do Imperador. A reação de
D. Pedro I foi enérgica: ordenou a suas tropas que invadissem o recinto da
Constituinte e dispersassem à força os deputados.
Foi, então,
nomeada pelo Imperador uma comissão de dez “notáveis” para elaborar uma
Constituição "ainda mais liberal", mas a redação final coube a
Carneiro de Campos, que era conhecido por estar ligado à corte portuguesa. A Constituição
Outorgada ficou pronta em 1824 e as principais características
dela foram:
·
O voto era censitário, ou seja, limitação da
participação dos eleitores pela renda que possuíam;
·
Os senadores eram vitalícios;
· Igreja vinculada ao Estado: pelo regime do Padroado, delegava ao Estado a nomeação e a
remoção de padres e bispos, e, através do beneplácito, qualquer instrução
vinda de Roma precisaria da concordância do monarca;
·
Havia
quatro poderes:
1.
Executivo: exercido pelo
Imperador e por ministros de Estado escolhidos pelo monarca;
2.
Legislativo: composto por deputados eleitos por voto
censitário e indireto e senadores vitalícios;
3.
Judiciário: exercido por juízes e
magistrados, todos nomeados pelo imperador;
4.
Moderador: exclusivo do Imperador. O
monarca tinha direito de dissolver a
Câmara, escolher senadores a partir de uma lista tríplice e cassar
parlamentares e juízes.
Pode-se notar que o Brasil iniciou sua história independente
de forma elitista e centralizadora, muito embora tentasse divulgar uma imagem
progressista.
PROBLEMAS POLÍTICOS DO PERÍODO
Com a
dissolução da Assembleia Nacional Constituinte, explodiu em 1824, na província
de Pernambuco, uma rebelião que ficou conhecida como Confederação do Equador, liderada
por Manuel de Carvalho Paes de Andrade e contando com o
apoio de Frei Joaquim do Amor Divino Rebelo, ou simplesmente Frei
Caneca, responsável pelo jornal republicano Tífis Pernambucano, e
pelo jornalista Cipriano Barata, que editava vários jornais pelo Nordeste,
dentre eles o Sentinela da Liberdade.
As propostas contaram com a adesão das províncias da Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará. Tal evento pode ser visto como um desdobramento da fracassada
Insurreição Pernambucana de 1817, pois o setor açucareiro continuava em crise e
as ideias liberais eram ainda mais fortes naquela parte do país.
O clima
tornou-se tenso quando a Junta Democrática e Independente foi destituída de
seus poderes de governar a região, isso por ordem do próprio José Bonifácio. A
formação de uma nova junta, muito mais conservadora do que a anterior, não
agradou a população. A manutenção de Paes Andrade no cargo foi um sinal de
rompimento com o poder central.
A
Confederação adotou o regime republicano e, provisoriamente, utilizou a
Constituição colombiana. Mas a decisão de abolir a escravidão fez que os
rebeldes perdessem o apoio da aristocracia rural. A divisão entre os revoltosos
facilitou a repressão.
O movimento
foi violentamente reprimido pelas forças imperiais, lideradas pelos mercenários
Cochrane e Taylor, além do brigadeiro Francisco de Lima e Silva (pai daquele que se tornou o Duque de Caxias).
Cercados e divididos, os confederados foram derrotados. Paes de Andrade
conseguiu asilo político na Inglaterra e Frei Caneca foi condenado à morte por
enforcamento. Como não se conseguiu encontrar um carrasco que executasse a
pena, o frei carmelita teve de ser fuzilado (quadro ao lado). Esse fato comprometeu a
popularidade de D. Pedro I, que passou a ser visto cada vez mais como um tirano
pelos brasileiros.
No plano
externo, a província Cisplatina, sob a liderança de Lavalleja, separou-se do
Brasil e, posteriormente, foi anexada pela Argentina. A guerra que se sucedeu
entre Brasil e Argentina consumiu vultosas somas retiradas dos cofres públicos,
bem como um grande número de vidas de ambos os lados. A Guerra ou Questão da Cisplatina
(1825/ 1828) só foi resolvida com a
intermediação da Inglaterra, que acabou por incentivar a criação da República
Oriental do Uruguai.
Outro problema externo que Pedro I enfrentou
foi a sucessão do trono português. Em 1826, com a morte de Dom João VI, o
monarca brasileiro passou a ser o legítimo herdeiro da coroa de Portugal. Se
por um lado havia a possibilidade de o Brasil voltar a ser colônia portuguesa, o imperador temia que
os brasileiros retomassem a luta por um modelo monárquico liberal, assim como
era em Portugal desde a Revolução do Porto. Dom Pedro I
decidiu-se pela abdicação em favor de sua filha, Maria da Glória, então com 7
anos de idade. Esta seria tutelada por Dom Miguel, irmão de D. Pedro I e
regente do trono até a maioridade da sobrinha. Entretanto, Dom Miguel aprisionou a sobrinha, usurpou
a coroa e autoproclamou-se rei de Portugal.
Dom Pedro I
moveu uma guerra contra seu irmão a fim de recuperar a coroa para a filha. Os
gastos com tal conflito foram tantos que o Banco do Brasil abriu falência. Os
opositores do monarca não lhe pouparam críticas. Dois jornais destacavam-se
nesse exercício: A Aurora Fluminense,
sob a responsabilidade de Evaristo da Veiga e mais moderado, e O Observador Constitucional, que tinha à
frente o jornalista Líbero Badaró, que acusava o imperador de ser antibrasileiro.
Vitorioso
na guerra contra o irmão, Dom Pedro I não dava sinais de que pretendia abrir
espaço para seus opositores. Isso incentivou alguns partidários do monarca a
defendê-lo dos inimigos. Foi isso que levou um juiz paulista a contratar um
pistoleiro para assassinar Líbero Badaró no centro de São Paulo.
Tendo sua
popularidade seriamente abalada pelos episódios da Constituinte, da execução de
Frei Caneca, da questão Cisplatina, da guerra de sucessão e da morte de Líbero
Badaró, D. Pedro I resolveu visitar pessoalmente algumas províncias como forma
de aproximar-se de seus súditos. A primeira visita foi à província de Minas
Gerais, onde foi recebido friamente, chegando a ver casas nas quais havia
tecidos pretos nas janelas em sinal de luto.
Os
portugueses residentes no Rio de Janeiro prepararam uma grande festa para
receber o Imperador e seu retorno à capital, mas os brasileiros tentaram
destruir os preparativos e acabaram envolvendo-se em uma "batalha"
com os portugueses. O episódio de 13 de março de 1831 ficou conhecido como Noite
das Garrafadas, e serviu como mais um significativo indicador da
impopularidade do Imperador.
D. Pedro I
decidiu, então, formar um gabinete somente com brasileiros, mas dissolveu esse
gabinete logo depois de um mês, substituindo-o pelo Ministério dos Marqueses,
composto somente com pessoas de sua confiança. A população passou, então, a
exigir a volta do Ministério dos Brasileiros e D. Pedro I, determinado a não
recuar, renunciou em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, e partiu para
Portugal a bordo da fragata inglesa Warspite.
"A abdicação de D.Pedro I", Aurelio de Figueiredo, 1991, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Na data da
abdicação, 7 de abril de 1831, o herdeiro tinha 5 anos de idade, o que fez
necessário um requerimento de nomeação de um corpo regente para administrar o
Império até a maioridade do Imperador, como mandava a Constituição de 1824.
Como o Parlamento estava em recesso, foi
nomeada uma Regência Trina Provisória
até o retorno dos deputados. Os integrantes dessa regência, que durou de abril
a julho de 1831, foram os senadores Nicolau de Campos Vergueiro e José Joaquim
de Campos, além do brigadeiro Francisco de Lima e Silva
PERÍODO REGENCIAL (1831-1840)
Forças de diversos
setores da sociedade (elite rural, camadas médias, republicanos, liberais e
grupos populares) uniram-se e formaram uma oposição “nacionalista” contra o
imperador, visto como um inimigo comum naquele momento. Mas o que houve, na
verdade, como decorrência dessa subordinação das camadas populares à liderança
da aristocracia rural, foi o estabelecimento de um governo que se diferenciava
muito pouco do anterior. No entanto, o afloramento de aspirações populares não
foi sufocado com facilidade. Por isso, o período regencial costuma ser visto
como o mais conturbado e problemático de toda a fase monárquica brasileira.
Ao analisarmos o contexto político
da Regência, precisamos pensar nos conceitos de federalismo e de centralismo,
pois o primeiro implica na concessão de maior autonomia às regiões que integram
um país, partilhando o poder com os grupos políticos locais, enquanto o
segundo, se conduz na direção oposta, o poder político esta concentrado num
pólo e dele partem as decisões, acatadas pelas demais partes.
Definiu-se um “novo” quadro
partidário na política interna. No Partido Brasileiro, que já estava dividido
em duas facções antes da abdicação, a partir de 1831, consolidou-se a divisão
em Partido
Liberal Moderado, representante da aristocracia rural que defendia a
partilha das responsabilidades administrativas, do poder e dos tributos com o
governo central, Partido Liberal Exaltado, fruto da aglutinação de
representantes das camadas urbanas e partidário de uma ampla autonomia para as
províncias e, finalmente, o Partido Restaurador, herdeiro do
Partido Português e que lutava pela volta de Dom Pedro I ao trono, logo
dissolvido em virtude da morte deste em 1834.
Com o fim
do recesso parlamentar e o retorno dos parlamentares, foi nomeada uma Regência Trina Permanente, composta por
José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz e pelo mesmo Francisco Lima e Silva,
que representava os militares.
O clima de
agitação que vinha desde abril acabou repercutindo em motins nos batalhões de
infantaria no Rio de Janeiro, tanto da polícia quanto do exército. Os
revoltosos apresentavam reivindicações que iam de reformas democráticas à
deportação dos senadores portugueses.
O ministro
da Justiça da época era um líder moderado, Padre Diogo Antônio Feijó, que
assumira o cargo com plena autonomia para reprimir quaisquer manifestações,
tornando-se o “homem forte” da Regência. Requisitando soldados instalados em
Minas Gerais e São Paulo, Feijó pressionou os rebeldes, que retiraram suas
exigências. Tais movimentos eram um sinal de que as tropas regulares não eram
dignas de confiança da parte dos regentes, fazendo-se necessário tomar alguma
atitude no sentido de garantir o poder da elite agrária.
Foi com
esse objetivo que, em agosto de 1831, o ministro da Justiça criou a Guarda
Nacional, uma força paramilitar composta por cidadãos com renda anual
superior a 200 mil-réis. Os comandantes da Guarda eram escolhidos por eleição
direta, podendo receber do governo a patente de coronel ou major. Em virtude de sua influência, os latifundiários foram os
responsáveis pelo comando da Guarda, ficando livres para selecionar pessoas que
lhes permitissem exercer o poder local de fato, desse processo derivou o
fenômeno político, denominado a
posteriori, de coronelismo.
Em 1832,
ocorreu uma tentativa de golpe que tinha por objetivo reconduzir Dom Pedro I ao
trono, mas acabou fracassando. Os moderados estavam convictos de que tal evento
havia sido preparado e patrocinado por José Bonifácio, o que, inclusive, chegou
a ameaçar sua tutoria sobre o herdeiro da Coroa.
Os embates
políticos opunham moderados e restauradores, abrindo caminho para o chamado Avanço
Liberal, que culminou com a aprovação de reformas constitucionais pela
Assembleia Geral. As principais medidas tomadas foram somadas a outras já
estabelecidas entre 1832 e 1833, como a concessão
de poderes para que os deputados modificassem a Carta de 1824 e a criação do
Código de Processo criminal (o que dava maior autonomia judiciária aos
municípios).
O Ato
Adicional de 1834 , no qual a redação final espelhou as opiniões do
articulador político Bernardo Pereira de Vasconcelos, introduziu algumas
alterações importantes na Constituição Brasileira, como a substituição dos Conselhos Provinciais pelas Assembleias Legislativas (que
podiam legislar sobre questões civis e militares, ensino público, política e
economia local), fim do Conselho de
Estado (principal órgão assessor do imperador), transformação da Regência Trina em Regência Una (sendo que o
pretendente ao cargo seria eleito por voto direto) e, por fim, a cidade do Rio
de Janeiro seria separada da Província Fluminense e transformada em Município Neutro.
Realizadas
as eleições, assim como determinou o Ato Adicional, foi eleito regente uno o
Padre Feijó, que tomou posse em outubro de 1835. Um ano antes, em setembro de
1834, morria Dom Pedro I, pondo fim ao movimento restaurador.
O Ato
Adicional provocou uma reorganização do quadro partidário, principalmente com o
fim dos restauradores. Conservadores, liberais moderados e restauradores
aglutinaram-se em um grupo que, em comum, não via com bons olhos a “liberdade”
que o Ato Adicional havia proporcionado. Por discordarem da nova ordem
política, passaram a ser chamados de regressistas, em oposição aos defensores
dos termos do Ato, que ficaram conhecidos como progressistas. É preciso
tomar muito cuidado com essas denominações, que retratam muito mais os embates
pelo poder político naquele momento, existindo muito pouco, ou quase nada, de
divergências de caráter ideológico ou social.
Os dois
anos em que o Padre Feijó esteve à frente do governo foram muito difíceis. Ele
governou sem maioria no Parlamento, o que o impedia de conseguir o apoio
necessário para levar adiante sua administração. Foi também nessa fase que
explodiram as mais violentas revoltas nas províncias, como a Cabanagem, no
Pará, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Diante das dificuldades de
derrotar os rebeldes e das sucessivas crises geradas pelas disputas políticas
entre regressistas e progressistas, Feijó renunciou ao cargo. O conservador Pedro de Araújo Lima foi escolhido para
substituí-lo em caráter interino.
As eleições
de 1838 confirmaram o mesmo Araújo Lima no cargo de regente uno, mas seu
governo terminou antes dos quatro anos previstos pelo Ato Adicional, em virtude
da antecipação da maioridade de Dom Pedro II. O gabinete formado por Araújo
Lima ficou conhecido como Ministério das
Capacidades, pois era formado por personalidades ilustres da época, como
Bernardo Pereira de Vasconcelos e Miguel Calmon.
Entre as
obras realizadas nesse período, pode-se citar a criação do Colégio Pedro II, a
fundação de uma Escola de Agricultura no Rio de Janeiro e do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, além de uma reestruturação do Exército.
Verifica-se
nessa fase uma rearticulação de políticos mais conservadores, com o objetivo de
anular as leis liberais aprovadas no início das regências e recuperar a
preponderância do poder central sobre as províncias. Essas medidas ficaram
conhecidas como regresso conservador. Em maio de 1840, em meio aos protestos
dos liberais, era aprovada a Lei Interpretativa do Ato Adicional, suprimindo a
autonomia das províncias, o que garantiu a centralização, além de submeter a
Guarda Nacional a delegados nomeados pelo poder central. A regência, que
começara liberal, caminhava para seu fim nas mãos dos conservadores, e isso tem
uma explicação: a ascensão da economia cafeeira.
Por volta
de 1830, o café já estava prestes a tornar-se o principal produto de exportação
do Brasil, suplantando o açúcar. Os líderes políticos que se identificavam com
os conservadores eram representantes da nova elite cafeeira. Foi nesse ambiente
que os liberais progressistas começaram a cogitar a possível antecipação da
maioridade de Pedro II.
REBELIÕES REGENCIAIS
O Período Regencial foi uma época extremamente conturbada da
vida nacional, marcado por revoltas e agitações políticas provocadas pelo
“vazio político” gerado pela vacância do Trono, já que o papel do Imperador,
enquanto chefe de Estado era agir como a “cabeça da Nação” e assim, a
menoridade de D. Pedro produziu a sensação de que o Império “não tinha um
governo”, estando portanto, acéfalo.
Para as camadas livres, mas que não eram proprietárias, a
revolta tornou-se a única perspectiva de alteração do quadro social. Assim, em
vários pontos do País, ocorreram movimentos rebeldes que buscavam desde a
autonomia local até a implantação da república. Questionava-se o excesso de
centralização política, a cobrança de impostos exorbitantes e a miséria que
assolava a maioria da população.
CABANAGEM (1835 – 40)
- A revolta dos cabanos teve como ponto de partida dois
elementos: as disputas locais em torno da nomeação do presidente da província
do Grão-Pará, o que acabou dividindo a elite local e por outro lado, a imensa
miséria que predominava na província, inclusive na capital Belém. O termo
“cabano” deveu-se à efetiva participação da população humilde (índios, mestiços
e negros), que morava em casebres próximos aos rios.
Durante o período colonial, o Pará era dominado por um
poderoso grupo de comerciantes portugueses, aliados dos altos funcionários
civis e militares, controlando o escoamento da produção da província, como
tabaco, arroz, cacau e as “drogas do sertão”. Insatisfeitos
com os privilégios das oligarquias e também com o objetivo de melhorar as
precárias condições de vida que levavam, os rebeldes tomaram a cidade de Belém
em janeiro de 1834, executaram Bernardo Lobo de Sousa, que era o governador
local, e assumiram o governo.
O primeiro governo cabano foi presidido por Félix Antônio
Clemente Malcher, um antigo marginalizado político do período
pós-independência. Entretanto, surpreendendo a todos, Malcher declarou-se fiel
ao imperador e prometeu ficar no poder até a maioridade deste. Deu início a uma
repressão contra os próprios companheiros que o haviam colocado no poder, como
Vicente Ferreira Lavor e Eduardo Nogueira Angelim.
Enquanto
realizava um governo hesitante, Malcher permitiu a ascensão do comandante das
Armas, o lavrador Francisco Pedro Vinagre, que acabou por derrubá-lo,
executá-lo e substituí-lo no cargo. Mas, uma vez presidente, Francisco Vinagre
apresentou o mesmo comportamento autoritário de seu antecessor, chegando a
ameaçar entregar ao poder central todos aqueles que fossem contrários à
regência. Seu irmão, Antônio Vinagre, conseguiu que as negociações com o
governo regencial cessassem e, apesar da traição, Francisco foi mantido no
cargo.
O governo
regencial enviou uma tropa chefiada por Manuel Jorge Rodrigues para assumir o
poder em Belém. Francisco Vinagre traiu os cabanos pela segunda vez e o
contingente militar do governo assumiu o controle da capital.
No
interior, os cabanos reagruparam-se e avançaram sobre Belém, retomando o
controle da cidade em agosto de 1835. Enquanto Jorge Rodrigues refugiava-se, os
revoltosos proclamaram a república e a independência da província. O novo
governo, marco da primeira revolta da história brasileira na qual o povo chegou
ao poder, foi chefiado pelo cearense Eduardo Angelim.
Mas, no ano seguinte, a regência enviou uma poderosa
esquadra com o novo presidente nomeado: o brigadeiro Francisco José de Sousa
Soares. A frota da repressão desembarcou em Belém em maio de 1836, depois de
enfrentar uma pequena resistência. Enfraquecidos, desunidos e desorganizados,
os cabanos recuaram novamente, abrindo caminho para uma das mais violentas
repressões de que se tem notícia no Brasil, deixando um saldo de mais de 30 mil
mortos, cerca de 20% da população paraense.
SABINADA (1837 - 38) - Na fase regencial, eclodiram
várias rebeliões de escravos, sendo a mais importante a Revolta dos Malês, de 1835, protagonizada por negros islâmicos que
lutavam contra a escravidão e a imposição do catolicismo. Apesar do sucesso
inicial ao tomarem Salvador por três dias, foram duramente reprimidos pelo
governo provincial, implicando na execução de seus líderes e o banimento dos
demais envolvidos.
Mas o caráter radical de revoltas como essa influenciou a
articulação nos movimentos seguintes, pois seus líderes recusavam-se a mobilizar
a camada popular, temerosos de perder o controle sobre ela. Esse foi o caso da
Sabinada, que recebeu esse nome por ter como líder o médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira,
à frente de um movimento restrito à classe média de Salvador.
O motivo da
rebelião foi a insatisfação com as autoridades nomeadas pelo governo regencial,
centralizadoras e autoritárias, levando os rebeldes a proclamar a República Bahiense. Entretanto, não
havia um ideal separatista, pois o objetivo era manter a autonomia provincial
somente até a maioridade de Pedro II. Mas a repressão do governo foi violenta.
Tropas comandadas pelo Marechal João Crisóstomo Calado, com a ajuda dos
fazendeiros da zona do Recôncavo, dominaram os rebeldes em março de 1838, com
centenas de pessoas presas e cerca de 1800 mortas, inclusive os principais
líderes, que terminaram executados.
BALAIADA (1838 - 41) - Em dezembro de 1838, eclodiu
no Maranhão uma revolta que só foi esmagada depois de dois anos de sangrentas
lutas. Como um de seus chefes, Manuel
Francisco dos Anjos Ferreira, era fabricante de balaios (cestos), o
movimento ficou conhecido como “Balaiada”. Mas, a rigor, esta não foi uma
revolta unificada. Ao lado de Francisco dos Anjos, Raimundo Gomes, o “Cara Preta”, e Cosme Bento das Chagas também se destacaram, sendo que este último liderava um grupo de aproximadamente
3000 escravos fugitivos.
A principal
atividade econômica do Maranhão era o cultivo e a exportação de algodão, mas a
região enfrentava uma terrível decadência, devido à concorrência com os Estados
Unidos.
Os rebeldes, constituídos por pobres e miseráveis, incluindo
escravos que sonhavam com a liberdade, contestavam os privilégios dos
latifundiários e comerciantes portugueses. Os balaios chegaram a ocupar a Vila
de Caxias, importante centro urbano da província, e ameaçaram tomar a capital
São Luís.
Devido à
falta de unidade entre os rebeldes, o movimento entrou em rápido declínio,
facilitando os trabalhos das tropas regenciais, chefiadas pelo Coronel Luís
Alves de Lima e Silva, que reprimiram o movimento e retomaram o poder na
província. Inclusive foi devido a essa vitória que o coronel recebeu o título
de Barão de Caxias.
A
definitiva “pacificação” da revolta só ocorreu com a anistia concedida aos
rebeldes sobreviventes, em 1841, seguida da manutenção da condição de escravos
para os negros que haviam participado da rebelião e do enforcamento de Cosme
Bento, em 1842. O próprio Caxias estimou em mais de mil o número de mortos
entre os rebeldes.
REVOLUÇÃO FARROUPILHA
(1835 -1845) - No Rio Grande do Sul, ocorreu a Guerra dos Farrapos que,
pelos seus dez anos de duração, foi a guerra civil mais prolongada da história
brasileira. Apesar do nome do movimento ser uma referência aos esfarrapados que
compunham a maioria das tropas rebeldes, tal mobilização deve ser entendida
como uma revolta da elite gaúcha criadora de gado.
Alguns
fatores contribuíram para a eclosão do movimento, como as lutas políticas entre
moderados (chimangos) e exaltados (farroupilhas). Estes últimos acusavam o governo
de não atender às necessidades da província e exigiam maior autonomia. Outra
questão era a própria realidade econômica do Rio Grande do Sul, bem diferente
do que se via no restante do País. Os gaúchos formaram-se a partir da criação
de gado nas estâncias (latifúndios),
tendo a produção de charque (carne salgada), graxa e couro voltada para o
mercado interno desde a época da mineração. Porém, no início do século XIX, era
grande a concorrência entre o charque produzido no Sul e o importado de países
como Paraguai e Argentina, principalmente devido às baixas taxas alfandegárias
pagas pelos produtos de fora. Em contrapartida, os estancieiros eram obrigados
a pagar impostos muito altos e ainda tolerar que os preços de seus produtos
fossem determinados pelo governo central.
Junta-se a tudo isso a propagação de ideais republicanos e
separatistas, pois é preciso lembrar que o Brasil era a única monarquia de toda
a América.
Em 1835, os farroupilhas exigiram a destituição do novo
presidente da província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga. Em setembro do
mesmo ano, tropas rebeldes lideradas pelo estancieiro Bento Gonçalves da Silva (quadro ao lado)
ocuparam Porto Alegre. No ano seguinte, os revoltosos proclamaram a República
Riograndense, com sede na Vila de Piratini. Bento Gonçalves tornou-se o
primeiro presidente do Rio Grande independente, mas acabou sendo preso num
combate contra as tropas unionistas. Foi conduzido à Bahia em 1837, mas, com a
explosão da Sabinada e a ajuda de integrantes de lojas maçônicas, teve a
oportunidade de fugir e retornar ao Sul, onde reassumiu o comando dos farrapos.
Logo a
revolta espalhou-se e atingiu Santa Catarina em 1839, onde foi proclamada a República
Juliana, através de um movimento armado liderado por Davi
Canabarro e Giuseppe Garibaldi, este último um
líder revolucionário italiano, exilado na América, que combatera junto aos
movimentos republicanos dos países platinos e se juntara à causa dos farrapos,
onde conheceu a brasileira Anita, a qual desposou e ficou conhecida como Anita
Garibaldi, companheira inclusive nas batalhas. A participação de Garibaldi nos
movimentos latino-americanos e depois seu retorno à Itália para lutar pela
Unificação italiana colaborou para a construção da imagem que hoje lhe
associamos: “ o herói de dois mundos”.
Em 1840,
Dom Pedro II assumiu o trono e, com a intenção de estabilizar politicamente o
País, ofereceu anistia a todos os revoltosos. No entanto, tal medida não surtiu
o efeito esperado e os farroupilhas insistiram na luta.
Em 1842, o
Barão de Caxias, Luís Alves de Lima e Silva, foi destacado para sufocar a
rebelião. Através do corte das vias de comunicação entre gaúchos e uruguaios e
da negociação com os rebeldes, Caxias conseguiu abrandar o ímpeto
revolucionário. É importante ressaltar que havia um desgaste econômico na
província, uma vez que, separado do Brasil, o Rio Grande autoprivou-se de seu
principal mercado consumidor.
Para
reincorporar a província e por fim à rebelião, Caxias e Davi Canabarro
estabeleceram termos que demonstraram boa vontade do governo, apesar das
enormes perdas de ambos os lados. Os rebeldes foram anistiados e soldados e
oficiais do exército gaúcho foram incorporados ao exército imperial,
desfrutando o direito de manter suas patentes. As terras confiscadas pelo
governo durante a guerra foram devolvidas aos antigos proprietários e, por fim,
os impostos sobre os produtos derivados do gado foram sensivelmente reduzidos.
Como se
pode perceber, o movimento elitista dos farrapos terminou em uma mesa de
negociações. Já os outros movimentos da época não tiveram a mesma sorte e foram
reprimidos com rigor.
GOLPE DA MAIORIDADE
A
maioridade do herdeiro do trono só ocorreria em dezembro de 1843. Mas, diante
da hegemonia do Partido Conservador, os liberais lançaram uma proposta de
antecipar a maioridade do Imperador. O pretexto era de que esta seria a única
alternativa para garantir a governabilidade do País e impedir a fragmentação do
território, uma vez que o imperador seria “neutro”. Os liberais, na verdade,
contavam que, com a ascensão do monarca ao trono, este convidasse o Partido
Liberal para a formação de seu gabinete. Surgiram sociedades com o
objetivo de promover campanhas pela coroação de Dom Pedro II. Aderiram ao
movimento personalidades como Francisco de Lima e Silva, Teófilo Otoni, José
Martiniano de Alencar e os irmãos Andrada.
Queremos Pedro Segundo
Embora não tenha idade
A nação dispensa a lei
E viva a maioridade
(versos de autor anônimo)
Os
“maioristas” fundaram o Clube da
Maioridade para divulgar seus propósitos, e chegou-se a formar uma
Comissão, que foi enviada para sondar a opinião do imperador a respeito do
assunto. Dom Pedro II não teve dúvidas e aceitou a ideia.
D. Pedro II, Felix Taunay, c. 1837, Museu Imperial, Petrópolis, Rio de Janeiro
A campanha da “maioridade já” ganhava as ruas e, em julho de
1840, a Assembleia Geral proclamava a maioridade do herdeiro. Pedro de
Alcântara, então com 15 anos, foi coroado Imperador do Brasil em 18 de julho de
1840. Durante os 49 anos seguintes, a política brasileira foi conduzida por Dom
Pedro II, mas o panorama partidário que dominaria todo o Segundo Reinado já estava
constituído: uma monarquia parlamentarista, com dois grandes partidos (Liberal
e Conservador) e sem base ideológica distinta entre ambos, pois bem se dizia
naquele contexto : “Não há nada mais parecido com um ‘Saquarema’ [Conservador]
no poder do que um ‘Luzia’ [Liberal] na oposição”.