As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

sábado, 30 de março de 2013

Tensão no Oriente: a Guerra da Coreia (1950-53)



Na última semana fomos assustados com uma notícia que saiu de 60 anos atrás: a eclosão de uma guerra na península da Coreia, envolvendo potencias nucleares e um resultado sem precedentes para a região e o mundo.

No entanto, os fatos envolvem o momento atual e o delicado equilíbrio na região do Extremo Oriente, pois o recém empossado líder supremo da República Democrática Popular da Coreia do Norte, Kim Jong-un declarou “estado de guerra” à Coreia do sul e aos EUA. Kim Jong-un é filho de Kim Jong-il (1994-2011) e neto do fundador Kim il Sung (1949-1994) e assim, ao que parece, está dando continuidade à dinastia socialista, amparada por um corpo de militares e pelo Partido dos Trabalhadores  da Coreia.

A existência das duas Coreias e deste estado de tensão é um fruto direto da II Guerra Mundial (1939-1945) e por sua vez, da Guerra Fria(1945-1991).



Antes, voltemos ao contexto de ascensão do Império do Japão e como os desdobramentos de uma política de centralização do poder no imperador abriu caminho para a formação de um império militarista e conquistador num curto espaço de tempo.

Até 1868, o governo japonês era descentralizado, sendo o imperador uma figura enfraquecida e os senhores locais (shoguns) muito bem estruturados num processo "semelhante" ao da Europa feudal, durante a chamada formação das monarquias nacionais entre os séculos XV e XVI.
Em 1868 ocorreu a chamada Revolução Meiji ou Era Meiji , que significa “Era das Luzes ou Era Iluminada” quando o imperador Mutsu-Ito centralizou o poder em detrimento do shogunato, cuja exercício do poder de fato estava calcado na ação dos exércitos de samurais (elite de militares treinados em diferentes formas de combate, dotados de um código de honra, o Bushidô, que os tornava semelhantes, em termos de comparação, aos cavaleiros da Europa medieval).

Após a substituição do poder samurai por um exército organizado aos moldes ocidentais, submisso diretamente ao poder imperial, foi responsável por um processo de abertura e ocidentalização do Japão, fator prioritário para lançar as bases da industrialização e o incentivo ao comércio e agricultura, por conseguinte, abrir caminho para o fortalecimento do poder japonês no Extremo Oriente: em 1904 a anexação das ilhas Sacalina e da península da Coréia, depois de derrotar a Rússia e a posterior expansão em direção ao território chinês, tomando a Manchúria e depois, expandido em direção ao litoral chinês ao longo da década de 1930, processo que foi ampliado com a eclosão da II Guerra Mundial em 1939.

Desde 1937, o Japão havia começado um processo de expansão sobre o Extremo Oriente, tomando vastos territórios pertencentes à China, além de atacar Indochina francesa,  as regiões britânicas (Birmânia e Malásia), Indonésia holandesa e Filipinas. O expansionismo japonês ameaçava a Austrália e o arquipélago do Havaí, o qual foi atacado em 7 de dezembro de 1941 pela aviação japonesa na base militar Pearl Harbor – portanto, um ataque direto ao território dos EUA, que provocou sua entrada na Guerra ao lado dos Aliados.

Com a derrota japonesa em 1945, a região transformou-se em dois países: a República Popular da Coreia do Norte, de orientação comunista e área de influência da URSS, e a Coreia do Sul, país capitalista e área de influência dos EUA.

O processo de divisão das chamadas “zonas de influência” começou a ser pensado na Conferência de Potsdam, em julho de 1945, nos arredores de Berlim, pelos dirigentes dos EUA (Harry Truman),  da Grã-Bretanha (Winston Churchill) e da URSS (Josef Stálin), criando o ambiente que marcaria a Guerra Fria em todo o mundo e esta situação se complicou com a ruptura de relações entre EUA e URSS, após pesadas críticas de Truman a Stálin, quando se lança uma ofensiva econômica com o “Plano Marshall”, e a consolidação de uma oposição concreta pelo que ficou conhecido como “Doutrina Truman” e neste contexto, o senador Joseph McCarthy, encabeçou a luta contra o “perigo vermelho” aos perseguir todo envolvido ou suspeito de relação com o Comunismo, um episódio que ficou conhecido como a “caça às Bruxas”: intelectuais, artistas, educadores, sindicalistas foram demitidos ou tiveram seus nomes em “listas negras” que dificultavam a obtenção de um emprego, num claro desrespeito à liberdade de expressão, além de ocorrem prisões e interrogatórios que buscavam “deter a ameaça do comunismo”.

         A conferência de Potsdam: o mundo repartido entre os vencedores

Em julho de 1950, tropas norte-coreanas invadiram a Coreia do Sul, cuja resistência foi fortalecida com o envio de tropas e armas estadunidenses e com o apoio da ONU. A Coreia do Norte foi apoiada pela União Soviética e pela China, as quais também enviaram tropas e armas.

Depois de três anos de conflito e quase cinco milhões de mortos, os ataques foram suspensos por um armistício assinado em 27 de julho de 1953 entre as duas Coreias, criando-se uma zona desmilitarizada entre as fronteiras de ambos os países, tendo por referência o paralelo 38, com 238km de extensão e 4km de largura. A zona desmilitarizada teve a fiscalização inicial de forças armadas de países neutros como a Suíça e Suécia.



Em tese, as duas Coreias estão em guerra desde 1953, mas o armistício assegurou o fim das ações militares, apesar de eventuais atritos, entre ambos os lados, nestas seis décadas, a tensão não voltava para um patamar tão elevado e a dinâmica das ações envolve um novo cenário: os EUA continuam usando Japão e Coreia do Sul como ponto de pressão contra a Coreia do Norte e seus aliados (Rússia e China) na região, mas tudo seria muito diferente se não fosse o intenso investimento da Coreia do Norte num projeto nuclear não-pacifista, que tem tido progressos, especialmente depois dos 3 testes nucleares realizados com sucesso, sendo o último realizado em fevereiro deste ano.

Outro ponto é o desenvolvimento de tecnologia para o lançamento de foguetes para o espaço e mísseis intercontinentais e desse modo, poderiam atingir por exemplo, bases dos EUA ou mesmo o continente americano.

A postura belicista e hostil da Coreia do Norte tem se transformado numa espécie de “círculo vicioso de chantagens”, onde o regime comunista tenta amedrontar o ocidente e seus interesses, bem como pressionar seus aliados locais (China e Rússia) para a obtenção de recursos em alimentos e combustíveis e da suspensão de sanções impostas pela ONU e União Europeia.

Na opinião de muitos analistas ocidentais, aparentemente, ainda seria muito prematuro para a Coreia do Norte ter reais condições de atingir os EUA ou suas bases no Pacífico, e o grosso do arsenal norte-coreano, seria uma herança da Guerra Fria, com armamentos que estariam obsoletos, como os velhos mísseis terra-ar Scud, que foram as “vedetes” de Saddam Hussein na 1a Guerra do Golfo(1990-91), quando sua maioria foi interceptada, evitando o bombardeio do território de Israel, mas mesmo assim, ocorreram algumas mortes.

Diz a sabedoria popular que “Cão que ladra, não morde”, mas que a atenção do mundo está focada nos desdobramentos do Oriente, não há duvidas, inclusive pela postura cautelosa que a China e a Rússia tem tratado a questão, afinal, ambos tem exortado o diálogo e a solução diplomática, enquanto os EUA demonstram força ao enviar seus “bombardeiros invisíveis” B-2 e também não interromperam os exercícios militares no mar da Coreia.


Sugestões de Filmes:

Dr. Fantástico (Direção: Stanley Kubrick), 1964, 95min. : Um general americano acredita que os soviéticos estão sabotando os reservatórios de água dos Estados Unidos e resolve fazer um ataque anticomunista, bombardeando a União Soviética para se livrar dos "vermelhos". Com as comunicações interrompidas, ele é o único que possui os códigos para parar as bombas e evitar o que provavelmente seria o início da Terceira Guerra Mundial.

Jogos de Guerra (Direção: John Badham), 1983, 114min. : Um jovem (Matthew Broderick) aficcionado por informática conecta seu micro acidentalmente ao sistema de defesa americano, controlado por um computador ultrasofisticado. O acidente provoca um estado de alerta, que pode acabar causando a Terceira Guerra Mundial.

O Dia seguinte (Direção: Nicholas Meyer), 1983, 127min. : Década de 80. Em Lawrence, uma pequena cidade próxima a Kansas City, Russell Oakes (Jason Robards) está ocupado com seus afazeres como chefe de cirurgia do hospital local e a família Dahlberg cuida dos preparativos para o casamento da filha mais velha. Paralelamente o exército russo invade Berlim Oriental, o que cria uma crise entre a União Soviética e os Estados Unidos. Logo ambos os lados enviam seus mísseis nucleares, na intenção de vencer a guerra. Nos Estados Unidos um dos alvos é Kansas City, onde estão armazenados dezenas de mísseis nucleares.

Sob a névoa da Guerra (Direção: Errol Morris), 2003, 95 min. : Narra a história militar recente dos Estados Unidos do ponto de vista de Robert S. McNamara, ex-secretário de Defesa nos governos Kennedy e Johnson (1961-68). Um dos mais controvertidos políticos americanos, McNamara, que também já presidiu o Banco Mundial entre 1968 e 1981, tenta explicar o motivo do século 20 ter sido tão violento. 
Desde o bombardeio de centenas de milhares de civis em Tóquio, em 1945, passando pela Crise dos Mísseis, em Cuba, até os efeitos da guerra do Vietnã, o filme examina a combinação de fatores políticos, sociais e psicológicos que envolvem os conflitos armados. Com uma rica seleção de imagens de arquivo e gravações confidenciais da Casa Branca, também examina as justificativas do governo americano para uso militar da força.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Restauração de templos tibetanos budistas causa polêmica no Nepal


Fonte: portal iG by New York Times  Por Edward Wong


Dezenas de pintores sentaram-se sobre andaimes perto do telhado de um antigo mosteiro. Com uma pincelada, eles trouxeram cor de volta ao Buda. Ouro para a pele. Preto para os olhos. Laranja para as roupas.
Eles trabalharam com luzes elétricas portáteis. Estátuas de divindades budistas tibetanas contemplavam seu trabalho. Através de alguns vãos no telhado, eixos de luz solar atingiam alguns dos 35 pilares de madeira na sala principal do Mosteiro Thubchen, o mesmo edifício que impressionou Michel Peissel, o explorador do Tibete, quando visitou o local há meio século.


Na foto ao lado, a restauração do mosteiro de Tubchen, Nepal.

"No Nepal, ninguém sabe como fazer isso, por isso temos de aprender", disse Tashi Gurung, 34, um pintor que fez parte de um dos mais ambiciosos projetos de arte tibetana no Himalaia.
Financiado pela Fundação Americana do Himalaia, o projeto visa a restaurar a arte de dois dos três principais mosteiros e templos em Lo Manthang, a capital murada do reino de Mustang. Fazendo fronteira com o Tibete no remoto deserto do Himalaia, Mustang é um importante enclave da cultura budista tibetana.
Líderes tibetanos, incluindo o dalai-lama , disseram que sua cultura está sob ataque nas vastas regiões tibetanas governadas pelo Partido Comunista Chinês, que ocupou o Tibete Central, em 1951. Isso, juntamente com o avanço da modernidade, significou que o ato de preservar ou revitalizar a arte tibetana é sem dúvida mais importante atualmente do que em qualquer momento desde a devastadora Revolução Cultural da China.
O projeto em Lo Manthang abriu espaço para debates. Alguns estudiosos de arte tibetana afirmaram que os pintores no local estão alterando importantes murais históricos e comprometendo seu valor acadêmico ao pintar novas imagens sobre seções de paredes nas quais as imagens originais foram destruídas. Os envolvidos no projeto argumentaram que os moradores querem obras completas em suas casas de culto.
O diretor do projeto é Luigi Fieni, 39, um italiano que começou a trabalhar em Lo Manthang depois de se formar em um programa de conservação de arte em Roma. Fieni e outros ocidentais têm treinado os moradores locais para trabalhar com a técnica, estabelecendo uma equipe de 35 membros, que inclui 20 mulheres e um monge (embora inicialmente tenha havido relutância dos homens locais em relação à participação feminina).
O projeto de arte começou em 1999 com a limpeza de murais no Mosteiro Thubchen após uma rodada inicial de reconstrução da arquitetura. Em seguida, os pintores foram para o Templo Jampa, onde a principal sala do local possui uma estátua imponente de Maitreya, o futuro Buda.
As paredes do primeiro andar são adornadas com mandalas extremamente detalhadas, uma forma de arte geométrica considerada uma representação do cosmos. Foi aí que Fieni decidiu desviar a abordagem inicial realizada em Thubchen. Ele queria que sua equipe, em vez de simplesmente restaurar as estruturas, pintasse trechos das paredes em que um mural original tivesse desaparecido ou sido destruído.
Houve desafios. Pintores de castas superiores inicialmente não queriam artistas de castas inferiores sentados nos andaimes acima deles. E também houve crenças religiosas que precisaram ser acomodadas. Nos edifícios, um abade usou um espelho para absorver os espíritos dos deuses nas estátuas e imagens antes de a pintura começar. Depois que o projeto estiver concluído, espera-se que o abade liberte os espíritos do espelho para que possam voltar.

A abordagem de Fieni para restaurar os templos e mosteiros tem sido contestada. Christian Luczanits, curador sênior do Museu Rubin de Arte de Nova York, que exibe arte do Himalaia, relata ter ficado perplexo com o que viu quando visitou Mustang, em 2010 e 2012.
Luczanits disse que as pinturas originais não receberam o tratamento que mereciam. Agora, por causa da nova pintura, qualquer estudioso que quiser estudar as obras originais deverá recorrer a fotografias em vez de confiar na arte presente no templo, disse. "Depois da restauração, o templo já não pode ser 
compreendido sem a documentação anterior", afirmou.

Estátua tibetana é vista na entrada do Monastério de Thubchen, em Lo Manthang, Nepal (07/09/2012)



No ano passado, ele expressou sua opinião em uma reunião no palácio em Lo Manthang. Entre os presentes estavam Fieni, um abade, o príncipe do Mustang e representantes da Fundação Americana do Himalaia, que oferece apoio financeiro a muitos projetos de desenvolvimento em Mustang. (A presidente da fundação, Erica Stone, afirmou que o total a ser gasto com as obras de renovação do edifício em Lo Manthang é US$ 2,58 milhões. Um adicional de US$ 768 mil foram gastos para restaurar o muro da cidade e para construir a drenagem).
Houve um debate vigoroso, e a família real e o abade apoiaram Fieni. O príncipe cerimonial Jigme Singi Palbar Bista disse que os edifícios "foram renovados perfeitamente".
O tempo para pintar o Mosteiro Thubchen deve demorar ainda mais três ou quatro anos, mas o orçamento do projeto deve acabar neste ano. Fieni estimou que ainda há um total de cerca de 278 metros quadrados de parede para pintar.
Ele disse que pensava em mudar seu foco para projetos de restauração na Índia ou Mianmar com alguns dos pintores que havia treinado em Lo Manthang. Em 2006 e 2007, ele levou cinco deles para trabalhar em um mosteiro tibetano na Província de Sichuan, no oeste da China, um projeto que não chegou a ser concluído pelo fato de as autoridades chinesas terem fechado o acesso para a área depois de um levante tibetano em 2008.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Um homem chamado Francisco

Nesta última quarta-feira, 13 de março de 2013, depois de 5 escrutínios, o Colégio dos Cardeais elegeu para assumir o "trono de São Pedro" o cardeal Jorge Mário Bergoglio: o 1º latino-americano eleito e num sinal de grande esperança face às tensões que a Igreja Católica tem vivido, escolheu como nome "Francisco".

Bergoglio é um jesuíta e nesta ordem há a figura ilustre de Francisco Xavier (1506-1552), um dos fundadores da Societas Jesu ou Companhia de Jesus, juntamente com Inácio de Loyola (1491-1556), ordem que teve um papel central na evangelização do Novo Mundo, sendo responsável pelos colégios e escolas que deveriam doutrinar e educar os indígenas, bem como os colonos e suas famílias, mantendo a forte presença da Igreja Católica Romana nas terras americanas como um contrapeso às tensos do continente europeu, que atravessou os séculos XVI e XVII em guerras religiosas que opuseram católicos e os chamados "protestantes", cristãos que romperam com Roma ao seguirem Lutero, Henrique VIII e João Calvino.

Francisco Xavier ficou conhecido como o "Evangelizador do Oriente", pois levou a mensagem cristão à Índia e ao Japão, mas seu sucesso não foi tão significativo no Oriente quanto o processo desempenhado por outros jesuítas nas Américas. 

Já a história de Francisco de Assis (1182-1226) apresenta um jovem que, dotado de todo o conforto material, rompe com tudo e se entrega a uma vida de pobreza, amor e caridade, tendo a sublime dedicação aos ensinamentos de Jesus Cristo.

 Afresco de Giotto di Bondone, Basílica de São Francisco, Assis, Itália

A imagem acima,pintada por Giotto entre 1297-99, mostra o momento que o jovem Giovanni (seu nome de batismo) renega a riqueza da família, tendo seu pai Pietro (vestindo amarelo) ficado em fúria, mas é detido por um outro homem de vestes vermelhas, que segura seu braço, evitando que Pietro agrida o filho, naquilo que seria "exercer o pátrio poder" e acabar com aquela vergonha para ele e a família.

O apelido "Francesco" deriva do período que o jovem Giovanni passou na França e das raízes francesas de sua mãe e assim, teremos o nome Francisco. Na imagem de Giotto, Francisco contempla a mão de Deus que aparece nos seus, aparentemente despreocupado com o que acontece na terra, mas ao mesmo tempo, tem sua "nudez" protegida pelo bispo, que o cobre com sua capa, porém é muito importante perceber que Francisco está com "os olhos direcionados para Deus" e "voltado de costas para o clero", simbolizado pelo bispo.

Neste contexto, começam a surgir as ordens mendicantes, irmandades religiosas que pregam a pobreza e condenam o luxo e a ostentação de Roma, destacando-se a Ordem dos Irmãos Menores, fundada por Francisco de Assis que abandonou todos seus bens, pregando voto de pobreza. 

Há o famoso episódio do sonho do papa Inocêncio III (1198-1216): : o sonho do Papa Inocêncio III. Este viu em sonhos que a Basílica de São João de Latrão, a igreja mãe de todas as igrejas, estava desmoronando e que um religioso pequeno e insignificante a escorava com os ombros, para que não caísse. É interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem ajuda para que a Igreja não caia, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa reconhece em Francisco quando este o visita.

 Afresco de Giotto di Bondone, Basílica de São Francisco, Assis, Itália



No intuito de trazê-las para o controle da Igreja, Inocêncio III reconheceu a Ordem dos Irmãos Menores em 1209, mas essa sorte não recaiu sobre outros movimentos que insistiam na contestação do poder e da riqueza da Igreja, que foram duramente perseguidos pela Inquisição. Francisco morreu em 1226 e foi canonizado dois anos depois.

A figura do pobre de Assis, com certeza, nos aponta um momento de esperança para estes tempos tão difíceis, mas em seu exemplo, o exercício da fé autêntica e da busca espiritual, nos colocam um pouco de luz para atravessarmos as dificuldades que cercam a construção de uma sociedade justa, plena em Paz e que possa aceitar as diferenças, fazendo com que haja respeito e união entre todos.









domingo, 10 de março de 2013

Chávez e seu legado


                                                                  Hugo Chávez

Com certeza, entre o fim do século XX e a primeira década do século XXI, a figura do presidente da Venezuela, Hugo Chávez (1954-2013), ganhou um espaço de significativo destaque, tanto na América Latina quanto em escala global, pois suas decisões e ações fizeram com que ganhasse o ódio de seus inimigos políticos, bem como a idolatria de seus partidários.

Chávez buscou, com sua devida autenticidade, construir um discurso anti-EUA, reafirmando a defesa dos interesses nacionais venezuelanos, mesmo que para isso, fosse obrigado a guerrear internamente com os segmentos da direita que sempre o entenderam como um golpista e governante ilegítimo, que se valia de uma postura neopopulista para conseguir o apoio das massas.

Aliás, Chávez se envolvera numa quartelada contra o presidente Carlos Andrés Pérez em fevereiro de 1992, sendo apoiado por um pequeno grupo dos militares que estavam associados ao tenente-coronel Chávez. Depois de anistiado pelo sucessor de Pérez, Rafael Caldera Rodríguez, Hugo Chávez abandonou a carreira militar para se dedicar a vida política, cercando-se de pessoas e partidários que defendessem o patriotismo e as tendências de esquerda.

                                                                       Simon Bolívar

Nesse processo, Chávez se valeu da figura do “Pai fundador”, Simon Bolívar (1783-1830), um líder criollo (denominação dada aos espanhóis nascidos na América), proprietário de terras, de ideologia liberal e maçom, que se batera com a Espanha e obtivera a vitória, graças ao apoio dado pelos Ingleses. Chávez, tentou na medida de seu carisma e oratória, se unir a figura de Bolívar, pondo-se como um novo “libertador” e dessa vez, contra o imperialismo dos EUA e para tanto, seria necessário se respaldar numa doutrina: o socialismo bolivariano.

Bolívar sempre foi um liberal e em nenhum momento de sua vida política, flertou ou se colocou ligado ao socialismo, doutrina que naquele momento começava a despontar na Europa, tendo como expoentes Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, sendo que a força maior do socialismo só viria a partir do Manifesto Comunista de 1848, escrito Karl Marx e Friedrich Engels.

A faceta mais “internacionalista” de Bolívar foi a defesa do federalismo para fortalecer as recém-independentes colônias contra um possível intervencionismo externo da Europa. Uma América unida poderia ser forte o bastante para combater uma nova invasão recolonizadora, uma intervenção ou ingerência externa e daí, a defesa da tese federalista ou pan-americanista. Bolívar, porém, não conseguiu ver sua tese aceita e o continente americano se fragmentou em dezenas de nações, mais ou menos frágeis, que conseguiram a independência política, mas não se livraram da dependência econômica, imposta pela Grã-Bretanha no século XIX e pelos EUA no século XX.

Chávez, por seu turno, nunca fora um intelectual, um teórico, mas entendia a importância da demarcação de uma posição e assim foi pontuando, pouco a pouco, as referencias de uma nova era para a Venezuela sob seu comando: o país mudou seu nome “República Bolivariana de Venezuela”, a nacionalização de empresas estrangeiras, o controle da extração e refino do petróleo pela companhia estatal PDVSA. Na política interna, modificou a Constituição, garantindo ao Executivo maior autonomia, com mandato presidencial de 6 anos, sendo possível a candidatura para consecutivas reeleições. Esta postura centralista, poderia tender para o autoritarismo, mas não foi o que aparentemente ocorreu.

Mesmo assim, em virtude de tais medidas, a oposição a Chávez o rotulou de “ditador”, apesar do personalismo que conduzia o governo e da confortável posição que tinha pelas vitórias eleitorais e pela maioria no Congresso venezuelano, Chávez estava respeitando ainda as instituições democráticas. Uma outra crítica estava sobre a redução da liberdade de imprensa na Venezuela, especialmente no episódio que envolveu a rede de televisão RCTV e outras emissoras e jornais anti-chavistas num golpe de Estado em 2002, contra Hugo Chávez, encabeçado pelo presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio, Pedro Carmona, que contou com o apoio de uma parte dos militares. O movimento golpista foi derrotado, depois de 47 horas de manobras, sem grandes embates ou derramamento de sangue e assim, Chávez foi restaurado na presidência da República.

Em 2007, Hugo Chávez não autorizou a renovação da concessão dos direitos de transmissão da emissora, a qual foi ocupada por militares e a partir de então, foi colocada junto às emissoras estatais.

As polêmicas de Chávez ainda se ampliaram no campo das relações internacionais, mantendo laços com o ditador cubano Fidel Castro, com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, além da aproximação com a Rússia e outros países anti-EUA. No campo da América Latina conseguiu a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, estreitou os laços com as lideranças de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Nestor (2003-2007) e Cristina Kirchner (Argentina) e no caso do Brasil, a relação muito próxima com Lula(2003-2011) e com a atual presidente Dilma Roussef.

Vale lembrar o papel que Chávez assumiu durante as negociações para a libertação de reféns aprisionados pelas FARC na Colômbia, durante a chamada “Operação Emmanuel” em 2009, dando continuidade ao processo que começara em 2008, com a libertação da senadora colombiana Ingrid Betancourt, mas nesta caso a ação fora coordenada pelo exército da Colômbia, sendo bem sucedida, ao libertar 11 pessoas, entre elas, a senadora Betancourt.

Sobre o papel de Chávez para a América Latina, talvez seja ainda muito cedo para consolidar uma posição, porém é inquestionável a guinada dada “por nosotros” em relação aos pontos e decisões ditados por Washington, especialmente no governo de George W. Bush (2000-2008) com a neutralização da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) e a construção, a partir de 2008, da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) e dessa forma, houve uma colaboração significativa de Chávez para esse processo, entre outras lideranças locais.

De fala solta, improvisada, oscilando entre o sarcasmo e a irreverência, Hugo Chávez conseguiu se estabelecer como um protagonista, mesmo que alguns ainda apenas o vejam como um “falastrão”. Um exemplo disso foi o caso de Juan Carlos I, Rei de Espanha, que “perdera as estribeiras” durante a 17a Conferência Ibero-Americana, sediada na cidade de Santiago em 2007, deixando de lado o protocolo e a cordialidade, Sua Majestade, disparou contra Chávez: Por que não te calas?

Agora, “El Comandante” estará calado para sempre, mas com um lugar assegurado na história política da América Latina e talvez, numa posição de maior sucesso que seu “mentor” Bolívar, pois este morrera vendo a desunião triunfar no continente, enquanto Chávez sai de cena, mas com um legado de diálogo e aproximação muito intensos.

Sugestões:

Ao sul da fronteira (2009)
Direção: Oliver Stone
Duração: 78min.

A Revolução não será televisionada (2003)
Direção: Kim Bartleyl e Donnacha O’Brian.
Duração: 74 min.