As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

domingo, 10 de março de 2013

Chávez e seu legado


                                                                  Hugo Chávez

Com certeza, entre o fim do século XX e a primeira década do século XXI, a figura do presidente da Venezuela, Hugo Chávez (1954-2013), ganhou um espaço de significativo destaque, tanto na América Latina quanto em escala global, pois suas decisões e ações fizeram com que ganhasse o ódio de seus inimigos políticos, bem como a idolatria de seus partidários.

Chávez buscou, com sua devida autenticidade, construir um discurso anti-EUA, reafirmando a defesa dos interesses nacionais venezuelanos, mesmo que para isso, fosse obrigado a guerrear internamente com os segmentos da direita que sempre o entenderam como um golpista e governante ilegítimo, que se valia de uma postura neopopulista para conseguir o apoio das massas.

Aliás, Chávez se envolvera numa quartelada contra o presidente Carlos Andrés Pérez em fevereiro de 1992, sendo apoiado por um pequeno grupo dos militares que estavam associados ao tenente-coronel Chávez. Depois de anistiado pelo sucessor de Pérez, Rafael Caldera Rodríguez, Hugo Chávez abandonou a carreira militar para se dedicar a vida política, cercando-se de pessoas e partidários que defendessem o patriotismo e as tendências de esquerda.

                                                                       Simon Bolívar

Nesse processo, Chávez se valeu da figura do “Pai fundador”, Simon Bolívar (1783-1830), um líder criollo (denominação dada aos espanhóis nascidos na América), proprietário de terras, de ideologia liberal e maçom, que se batera com a Espanha e obtivera a vitória, graças ao apoio dado pelos Ingleses. Chávez, tentou na medida de seu carisma e oratória, se unir a figura de Bolívar, pondo-se como um novo “libertador” e dessa vez, contra o imperialismo dos EUA e para tanto, seria necessário se respaldar numa doutrina: o socialismo bolivariano.

Bolívar sempre foi um liberal e em nenhum momento de sua vida política, flertou ou se colocou ligado ao socialismo, doutrina que naquele momento começava a despontar na Europa, tendo como expoentes Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, sendo que a força maior do socialismo só viria a partir do Manifesto Comunista de 1848, escrito Karl Marx e Friedrich Engels.

A faceta mais “internacionalista” de Bolívar foi a defesa do federalismo para fortalecer as recém-independentes colônias contra um possível intervencionismo externo da Europa. Uma América unida poderia ser forte o bastante para combater uma nova invasão recolonizadora, uma intervenção ou ingerência externa e daí, a defesa da tese federalista ou pan-americanista. Bolívar, porém, não conseguiu ver sua tese aceita e o continente americano se fragmentou em dezenas de nações, mais ou menos frágeis, que conseguiram a independência política, mas não se livraram da dependência econômica, imposta pela Grã-Bretanha no século XIX e pelos EUA no século XX.

Chávez, por seu turno, nunca fora um intelectual, um teórico, mas entendia a importância da demarcação de uma posição e assim foi pontuando, pouco a pouco, as referencias de uma nova era para a Venezuela sob seu comando: o país mudou seu nome “República Bolivariana de Venezuela”, a nacionalização de empresas estrangeiras, o controle da extração e refino do petróleo pela companhia estatal PDVSA. Na política interna, modificou a Constituição, garantindo ao Executivo maior autonomia, com mandato presidencial de 6 anos, sendo possível a candidatura para consecutivas reeleições. Esta postura centralista, poderia tender para o autoritarismo, mas não foi o que aparentemente ocorreu.

Mesmo assim, em virtude de tais medidas, a oposição a Chávez o rotulou de “ditador”, apesar do personalismo que conduzia o governo e da confortável posição que tinha pelas vitórias eleitorais e pela maioria no Congresso venezuelano, Chávez estava respeitando ainda as instituições democráticas. Uma outra crítica estava sobre a redução da liberdade de imprensa na Venezuela, especialmente no episódio que envolveu a rede de televisão RCTV e outras emissoras e jornais anti-chavistas num golpe de Estado em 2002, contra Hugo Chávez, encabeçado pelo presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio, Pedro Carmona, que contou com o apoio de uma parte dos militares. O movimento golpista foi derrotado, depois de 47 horas de manobras, sem grandes embates ou derramamento de sangue e assim, Chávez foi restaurado na presidência da República.

Em 2007, Hugo Chávez não autorizou a renovação da concessão dos direitos de transmissão da emissora, a qual foi ocupada por militares e a partir de então, foi colocada junto às emissoras estatais.

As polêmicas de Chávez ainda se ampliaram no campo das relações internacionais, mantendo laços com o ditador cubano Fidel Castro, com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, além da aproximação com a Rússia e outros países anti-EUA. No campo da América Latina conseguiu a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, estreitou os laços com as lideranças de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Nestor (2003-2007) e Cristina Kirchner (Argentina) e no caso do Brasil, a relação muito próxima com Lula(2003-2011) e com a atual presidente Dilma Roussef.

Vale lembrar o papel que Chávez assumiu durante as negociações para a libertação de reféns aprisionados pelas FARC na Colômbia, durante a chamada “Operação Emmanuel” em 2009, dando continuidade ao processo que começara em 2008, com a libertação da senadora colombiana Ingrid Betancourt, mas nesta caso a ação fora coordenada pelo exército da Colômbia, sendo bem sucedida, ao libertar 11 pessoas, entre elas, a senadora Betancourt.

Sobre o papel de Chávez para a América Latina, talvez seja ainda muito cedo para consolidar uma posição, porém é inquestionável a guinada dada “por nosotros” em relação aos pontos e decisões ditados por Washington, especialmente no governo de George W. Bush (2000-2008) com a neutralização da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) e a construção, a partir de 2008, da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) e dessa forma, houve uma colaboração significativa de Chávez para esse processo, entre outras lideranças locais.

De fala solta, improvisada, oscilando entre o sarcasmo e a irreverência, Hugo Chávez conseguiu se estabelecer como um protagonista, mesmo que alguns ainda apenas o vejam como um “falastrão”. Um exemplo disso foi o caso de Juan Carlos I, Rei de Espanha, que “perdera as estribeiras” durante a 17a Conferência Ibero-Americana, sediada na cidade de Santiago em 2007, deixando de lado o protocolo e a cordialidade, Sua Majestade, disparou contra Chávez: Por que não te calas?

Agora, “El Comandante” estará calado para sempre, mas com um lugar assegurado na história política da América Latina e talvez, numa posição de maior sucesso que seu “mentor” Bolívar, pois este morrera vendo a desunião triunfar no continente, enquanto Chávez sai de cena, mas com um legado de diálogo e aproximação muito intensos.

Sugestões:

Ao sul da fronteira (2009)
Direção: Oliver Stone
Duração: 78min.

A Revolução não será televisionada (2003)
Direção: Kim Bartleyl e Donnacha O’Brian.
Duração: 74 min.

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