Atualmente é
difícil imaginar um mundo sem a existência do cristianismo, uma religião com
mais de 2 bilhões de fiéis espalhados pelo mundo, cujos valores ajudaram a
formar aquilo que se entende por mundo “ocidental”. No entanto, em seus dois
milênios de existência, a história do cristianismo foi marcada por discussões e
disputas dos fiéis entre si, destes últimos com os “não-fiéis” (gentios), que
tanto de um lado como outro, resultaram em divisões, rupturas, guerras,
massacres. Enfim, todos disputavam o controle absoluto sobre a doutrina deixada
por um humilde homem, da cidade de Nazaré na Galiléia, tendo como mensagem
principal “Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a ti mesmo”.
Trezentos anos
de perseguições se seguiram entre a morte de Jesus e a liberdade de culto
concedida pelo imperador romano Constantino com o Édito de Milão no ano de 313,
pois os seguidores de Jesus eram vistos como uma ameaça ao Império já que
negavam a divindade do imperador e os deuses e se colocavam como seguidores
daquele que se apresentou como filho do único Deus.
Mesmo com as
perseguições, o cristianismo não deixou de crescer num processo que começou na
base da sociedade romana e gradativamente foi atingindo os mais diferentes
grupos sociais. Muitos se diziam praticante do culto aos deuses romanos e ao
imperador, mas secretamente em suas casas ou na escuridão das catacumbas
(cemitérios subterrâneos) realizavam o culto cristão, procurando escapar dos massacres,
crucificações, das arenas para serem queimados vivos ou devorados pelos leões.
Ao longo do
século IV, o movimento de difusão do cristianismo foi cada vez maior e sem o
temor das perseguições e com a proteção dos imperadores, seja na manutenção da
liberdade de culto, seja nas doações para a construção dos primeiros
santuários. No ano de 391, o imperador romano Teodósio através do Édito de
Tessalônica estabeleceu o Cristianismo como religião oficial de todo o Império
Romano e tornou proibido o culto aos deuses de outros povos sob a ameaça de
prisão e confisco de bens.
A adoção do
cristianismo como religião oficial representou mais um passo importante na
construção daquilo que entendemos hoje por “igreja”, uma palavra derivada do
termo grego Eclésia e significa
assembléia, conjunto, grupo. A evangelização foi um fenômeno muito lento e
gradual, da mesma forma que a organização da chamada Igreja Cristã. Cada
comunidade tinha um líder, o qual era denominado episcópos (bispo) e tinha a autoridade máxima sobre os fiéis, mas
nesse período, além de ser um líder religioso, o bispo era também um
conselheiro político e chefe militar preocupado com a manutenção das
comunidades cristã e se fosse o caso da defesa das mesmas.
Destacaram-se
nesse contexto de formação alguns destes religiosos, tais como: o bispo
Ambrósio de Milão (340-397) importante conselheiro e crítico do imperador
Teodósio e também comentador dos textos bíblicos; Agostinho de Hipona (395-430)
batizado por Ambrósio, responsável por uma vasta obra teológica; Eusébio
Sofrônio, dito Jerônimo (340-420) que organizou a Vulgata, traduzindo a Bíblia do hebraico (Antigo Testamento) e
grego (Novo Testamento) para o latim por volta do ano 400. Todos foram posteriormente
canonizados, sendo considerados santos, além de doutores da Igreja por
fundamentarem a doutrina cristã.
Os séculos IV
e V foram o momento de desestabilização e crise do Império Romano, dividido em
duas partes pelo imperador Teodósio por volta de 395 e pressionado por inúmeras
tribos que viviam nas suas fronteiras (não tão sólidas e seguras) como de
regiões mais distantes do norte da Europa e da Ásia Central e do Leste. O
império ocidental agonizava, seja pela ruralização e crise econômica crescente
desde o século III, seja pelos ataques e invasões de povos que os romanos
chamavam de “bárbaros”, já que não possuíam aquilo que os romanos entendiam por
civilização.
Com a queda do
Império Romano ocidental em 476 e sua desorganização, um novo contexto se
formou: os territórios foram partilhados (nem sempre de modo pacífico) entre as
tribos germânicas, nórdicas e asiáticas que se estabeleceram na Europa
Ocidental, dando origem a pequenos reinos.
Mas nem tudo
que era romano desapareceu, pelo contrário a Igreja cristã sobreviveu e seria o
principal referencial das tradições e costumes romanos, os quais foram
agregados em parte pelos novos senhores da Europa ocidental: os bispos atuaram
como conselheiros e ministros dos reis convertidos; a tradição oral das tribos
foi gradativamente substituída pela escrita e a língua latina como seu
principal vetor na organização das leis e com os avanços na evangelização,
novas igrejas eram construídas e comunidades eram fundadas como, por exemplo,
os mosteiros e abadias, destacando-se nesse processo, Bento de Núrsia (480-547)
que organizou a primeira ordem de monges em Monte Cassino no norte da Itália.
O modelo de
vida monástica tinha como referência a vida do próprio Cristo, exaltando a
pobreza, a castidade e a obediência. Bento de Núrsia estabeleceu esses princípios
numa Regra disciplinar, a qual se tornou posteriormente uma referência para
outras comunidades e ordens religiosas, que pode ser resumida na expressão “Ora et Labora”, isto é, oração e
trabalho.
No entanto,
cabe a pergunta: em que termo ocorreu essa evangelização?
Não é possível
pensar num processo imediato e rápido, mas como algo lento e gradual que
precisou incorporar elementos da cultura tida por bárbara para que os
resultados fossem efetivos. Por exemplo, a construção de igrejas sobre antigos
lugares de culto não-cristão (templos, árvores ou fontes sagradas) para os
diferentes povos, bem como a fusão das festividades ou rituais e nesse caso, a
comemoração do nascimento de Cristo é lapidar.
Apolo no carro solar - pintura de um vaso grego
A data de 25
de dezembro foi ajustada para corresponder a festa do solstício de inverno, ou
seja, a entrada do inverno no hemisfério norte, na qual se cultuava o sol (Solis Invictus, Sol Invencível em latim).
Ao se comemorar conjuntamente a Natividade de Jesus e a festa do Sol, os padres
foram criando uma intimidade maior dos chamados pagãos com os costumes cristãos
e ao longo de alguns séculos, a cristianização se efetivou. Num lugar onde
houvesse o culto de uma deusa Mãe ou da Terra, transformava-se numa igreja
dedicada à Virgem Maria, como muitas catedrais em diferentes partes da Europa.
Ou então, o calendário que foi organizado pela Igreja em 394, tendo o marco o
nascimento de Jesus e não mais a contagem das Olimpíadas ou a fundação de Roma,
sendo que os jogos foram banidos pela Igreja por representarem adoração aos
deuses pagãos.
Mosaico do séc. V, apresentando Jesus como a releitura do Sol
Por outro
lado, a cristianização construiu uma ideia de “Mal”, influenciada pela cultura judaica
a partir do anjo caído Satã e de outros elementos que se faziam presentes como
a tentação das fraquezas humanas a partir de um “ser maligno” ardiloso
responsável pelos pecados. Nesse contexto, por exemplo, o “deus celta chifrudo
Kernunnos” relacionado com a abundância passou a tomar a correspondência do Mal
e daí uma possível aproximação com a imagem do diabo: chifrudo, feio, de corpo
de bode e fedor de enxofre.
Relevo em bronze de um caldeirão celta
Relevo em bronze de um caldeirão celta