As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Como se expressar em tempos democráticos ?


Protesto no centro de São Paulo, antes do choque com a polícia. Fonte: noticias.r7.com

São Paulo viveu nos últimos 5 dias uma onda de protestos sobre o aumento do valor da passagem de ônibus, que subiu de R$ 3,00 para R$ 3,20, uma marcha organizada pelo Movimento Passe Livre, grupo formado por estudantes de diferentes categorias, trabalhadores de vários setores e sem uma filiação partidária unilateral que os conduzisse, apesar de alguns grupos políticos levarem suas bandeiras para dentro, buscando "marcar presença".

Na quinta-feira (06/06) ocorreu uma grande concentração na Av. Paulista, além da concentração no centro de São Paulo, que tanto numa parte como outra, geraram tumulto, tensão e quebra de fachadas de lojas, pichações e a depredação das entradas das estações na Paulista e depois em outros pontos da cidade.

Na cobertura da mídia, foram poucos os momentos em que se deu voz aos usuários de transporte coletivo, sendo que os mais ouvidos eram os motoristas de automóveis e a visão era sempre a mesma:
Baderna, vandalismo, transtorno, com raras observações em contrário.

Num primeiro momento, me pareceu um tanto exagerado, talvez desnecessário a depredação do espaço público, que afinal, seria o dinheiro público usado para as reparações. Radicais existem em todos os movimentos e numa ação de massa como essa, alguns aproveitam para agir, mas isso não pode definir o movimento e servir para condenar toda a legitimidade da manifestação.

Ontem (11/06) na praça da Sé, um policial tentou imobilizar uma manifestante que estava pixando o Palácio da Justiça e quase foi linchado por um grupo de manifestantes que queriam soltar o "companheiro" em vias de ser detido. Se não fosse a ação de um outro grupo de manifestantes para isolar o PM dos radicais, ali poderia ter acontecido uma tragédia, pois o policial estava ferido, ensanguentado e poderia ter usado sua arma para se defender, mas felizmente, não o fez.

Porém, conversando com colegas, amigos e conhecidos, ao pensar na quase precária tradição de reivindicações de nossa tão jovem democracia, ver protestos dessa natureza, sem uma partidarização ativa, buscando defender uma causa que favorece o coletivo, chega ser muito esperançoso.

Será que a passividade ou indiferença forjadas em duas décadas de autoritarismo estariam sendo trocadas por uma politização ativa e dinâmica?

Nessas horas, tanto o lado reacionário quanto o revolucionário, são tomados por um rompante de saudosismo: certos segmentos da direita lamentam não poder reprimir com a violência devida, como se fazia nos tempos do regime militar, enquanto alguns segmentos da esquerda evocam a aura de 1968 e o movimento estudantil daqueles tempos.

Foto de junho de 1968 - Escadarias do Teatro Municipal no Rio de Janeiro. Crédito: Agência JB/Kaoru

Vivenciar a democracia é lutar por ela, construí-la, dia a dia e assim, legitimar os espaços devidos para pressionar o poder público, que está tão acomodado com a falta de reação da população que, ao vê-la se mover, se assusta e já taxa de delinquentes e criminosos aqueles que fecham o trânsito.

Na imprensa, nos diferentes segmentos, há um ranço preconceituoso, que insiste também na tese da criminalização de passeatas e protestos, mas será que ficar mostrando as lutas do mundo árabe, de jovens na Europa ou nos EUA tudo bem, pois eles lutam por um boa causa e aqui, quando acontece algo em nosso país, nossos jovens são criminosos? Tal postura é no mínimo autoritária, para não dizer, conservadora e antidemocrática.

Uma das posturas mais lúcidas que vi, foi neste artigo de hoje (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1293672-analise-lei-impoe-limites-mas-nao-ensina-a-coexistir.shtml), escrito por Gustavo Romano um advogado que, de forma mais isenta possível, aponta a questão que tem gerado tanto controvérsia : como gerenciar o direito de cada uma das partes envolvidas nos protestos contra o aumento do preço do transporte coletivo? Segue abaixo um trecho, enquanto apontei acima, o link para o texto completo:

No caso das manifestações, o limite é que a liberdade de expressão de uma parte não deve ofender o direito da outra de ir e vir, ou do poder público gerenciar as vias urbanas, a segurança pública ou os bens públicos e privados. 

E é aí que está o problema.

Quando a manifestação vira um protesto, e o protesto vira um empecilho ao resto da sociedade, ela passa a ofender o direito alheio.

Daí porque os municípios podem (e devem) gerenciar como essas manifestações são feitas, quando são feitas, como devem ser feitas etc.

Do ponto de vista puramente jurídico, não é diferente das restrições impostas às marchas religiosas ou às paradas LGBT: o governo não está tolhendo a liberdade de expressão, mas apenas tentando garantir que o direito de alguns não invada o dos demais.
Mas há dois pontos importantes para considerarmos.

Primeiro, qual é o limite dos limites que o governo pode impor, especialmente quando ele é alvo do ato?

Na dúvida, uma boa regra é ponderar se as mesmas limitações são ou seriam impostas quando a manifestação é em relação a algo que o governo apoia.

Segundo, o principal motivo de um protesto não é manifestarmo-nos contra ou a favor de algo. Isso podemos fazer por meio do voto, conversando com amigos, postando nas redes sociais. O principal motivo de um protesto é chamar a atenção para algo.
Ambas são facetas da liberdade de expressão, mas são coisas distintas.

Mas se um protesto passa a ser tão "esterilizado" que ele acaba não tendo qualquer capacidade de chamar a atenção, não estaríamos tolhendo a liberdade de expressão?

Nossa lei coloca alguns limites a todos, mas isso não significa que ela nos ensine a coexistir. Coexistência se aprende com a prática e autocontrole. Sem precisar apelar para o limite da lei.

Gustao Romano - Portal UOL



A movimentação da sociedade, que sofre de inúmeros problemas no transporte coletivo, é legitima, vejam este grafite:



Grafite em um muro de São Paulo


A comparação é mais que precisa, especialmente para quem conhece esse tormento de perto: somos esmagados, maltratados, corremos riscos, além do stress torturante, em não saber como e quando chegaremos nos compromissos marcados ou no trabalho , pois muitos motoristas nem param nos pontos para pegarem mais passageiros, face à lotação. Você fica esperando o próximo, o próximo e quando dá, entre cotoveladas e apertões, entra.

Os ônibus não são fiscalizados adequadamente, muitos motoristas dirigem do jeito que querem (especialmente do micro-ônibus, que popularmente chamamos de lotação, alías, definição perfeita), muitas vezes desrespeitam os limites de velocidade, colocam em risco os passageiros, pedestres e outros motoristas, "cortam os pontos" deixando passageiros que esperavam para trás, isso quando em certos horários, especialmente nas últimas viagens, fazem "alterações de itinerário" com desvios e atalhos para terminar a viagem mais cedo, e ignoram que podem ter passageiros a espera num ponto dentro do que seria a rota normal. Porém, devemos lembrar que, outros motoristas e cobradores são responsáveis e competentes, cumprindo corretamente com seu dever.

E para tudo isso, não há nenhum acompanhamento que sirva para a qualificação do transporte, produzindo um padrão no serviço oferecido, que como está estampado na lateral destes coletivos: "É um dever do Estado e um direito do cidadão". Em suma: pagamos caríssimo por um transporte coletivo de baixíssima qualidade.

São Paulo não pode ficar esperando que paliativos sejam aplicados, enquanto não se pensa num projeto em prol do coletivo, de curto, médio e longo prazo para que o transporte urbano adquira uma qualidade melhor, que possa atender de fato, as necessidades da população.

Já se vão cinco décadas de imposição das indústrias ligadas ao setor automobilístico sobre o que deve ser feito para o coletivo, enquanto nossa malha ferroviária foi sucateada e finalmente, está sendo tardiamente reformada, além dos tímidos e lentos investimentos para a expansão do metro, que se expande morosamente e mesmo com os eventos internacionais que sediaremos, os resultados em infra-estrutura na cidade de São Paulo são praticamente nulos, isso para não falar em outras partes do país.

A luta é justa e deve ser respeitada ou vamos ficar "deitados eternamente em berço esplendido", como diz o nosso Hino Nacional?




Um comentário:

  1. Estava com tudo isso em minha cabeça, mas não sabia como exteriorizar, brilhante texto.

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