Cidadania: um conceito sempre conquistado e resignificado
A sociedade pode ser considerada, de certa forma, como um organismo vivo, com metabolismo próprio e mutações constantes, que podem se sobressair mais ou menos, dependendo do contexto histórico que for analisado: sempre que o equilíbrio deste "ser vivo" é rompido, ações coletivas de diferentes tendências e pensamentos podem se manifestar, abrindo caminho para questionamentos, permanências ou mudanças, mas não é possível prevê-las ou se antecipar a elas, mesmo no mais autoritário governo, com censura e serviços de vigilância e repressão, antever a explosão de um movimento social nunca foi possível.
O mesmo pode ser dito sobre a
articulação de um movimento e os seus resultados, que vão se desdobrando e
mudando, com erros e acertos, mas nunca há uma certeza de onde e como o
processo se constituirá e em que resultará.
Representação da execução de Luís XVI em 21 de janeiro de 1793 (gravura alemã)
Luís XVI, rei da França, não teve a menor noção do que estava acontecendo em Paris naquele ano de 1789, pois quando fora informado da “convulsão” que destruiu a prisão da Bastilha, reagiu pensando ser uma mera revolta e foi alertado por seu secretário, o Duque de Liancourt: “Não é uma revolta, Majestade. É uma revolução!” e mal saberia ele que este processo lhe custaria o poder, a Coroa e a sua própria cabeça, em 21 de janeiro de 1793.
Martin Luther King em Washington em abril de 1968.
Protesto contra a intervenção dos EUA no Vietnam em 1960
Paris: o centro do levante estudantil de Maio de 1968
Movimentos articulados por estudantes, ativistas políticos, intelectuais nos anos 60 e 70 fizeram com que questões cruciais fossem postas em discussão: a questão da segregação racial nos EUA e também o envolvimentos destes no Vietnam; o conservadorismo da sociedade francesa, sacudida pelos estudantes e trabalhadores em maio de 1968, as lutas contra o autoritarismo na América Latina, que só retornaria à democracia a partir de meados dos anos 80, como por exemplo ocorreu com o Brasil em 1985, mesmo com a eleição indireta de Tancredo Neves, após a intensa movimentação durante os protestos das “Diretas Já” em 1984.
Apenas 1 homem contra toneladas de autoritarismo
Mais de 1 milhão na Praça da Sé, em 1984, nas Diretas Já
Em 1989, os chineses tentaram atacar
o seu autoritário governo mas foram cruelmente esmagados na Praça Tianamen
(Praça da Paz Celestial) em Pequim, assim como no mesmo ano, a população de
Berlim derrubou o Muro da Vergonha, abrindo o processo que levaria o fim da
Cortina de Ferro e da Guerra Fria na Europa. Infelizmente, no caso chinês, a repressão venceu e continua a vencer por lá e até hoje o governo não reconhece a truculência e responsabilidade de suas ações.
09/11/1989: caiu o muro da Vergonha (Deutsche Welle)
Atualmente, temos visto movimentos
antiglobalização, desde o final dos anos 90 e os recentíssimos protestos contra
as medidas de “austeridade” que buscam solucionar os estragos da crise
financeira internacional de 2008, sangrando a sociedade com pesados custos:
cortes de empregos, benefícios e investimentos que levaram à estagnação da
Grécia e Chipre, além de outros países como Portugal, Espanha, Irlanda e
Itália. Tudo isso fez com que a sociedade desempregada e alijada de seus bens
fosse para as ruas, clamar por uma saída sem sacrifícios unilaterais.
Já desde 2011, vemos a convulsão do
mundo árabe, que conseguiu derrubar regimes autoritários de décadas: Ben Ali da
Tunísia(1987-2011), Hosni Mubarak(1981-2011) e Kadhafi (1969-2012) e fora a
luta encarniçada na Síria, com mais de 60.000 mortos desde 2012.
Praça Tahrir , no Cairo durante a Primavera Árabe 2011 (Portal Globo)
Na atualidade, a sociedade
brasileira tem se manifestado em diferentes metrópoles em virtude dos aumentos
no preço do transporte coletivo e, devido ao assombro e intransigência das
autoridades, a repressão foi intensa, buscando evitar que a imagem do país
ficasse “comprometida” face ao fato de sediarmos a Copa das Confederações neste
junho de 2013.
Do "virtual" para o REAL!
As vozes conservadoras tentam medir
o todo pela parte, menosprezando os protestos e querendo minimizá-los a uma
“baderna por R$ 0,20”, pois todos olham para os casos isolados de destruição do
patrimônio público, vandalismo e afins, mas estas ações não são o centro do
movimento, mas atos isolados e muito das vezes, praticados por pessoas
interessadas em gerar comoção na opinião pública, mas a repressão sangrenta, a
ação deliberada da Polícia Militar em reprimir de forma impiedosa e irresponsável
as manifestações, como também, o trabalho da própria imprensa, castigada pelos
policiais como se fosse “criminoso” fotografar, filmar e registrar o que estava
realmente acontecendo. Fora o fato de terem ocorrido várias detenções
arbitrárias, envolvendo pessoas que portavam vinagre (usado para atenuar os
efeitos do gás lacrimogênio) e segundo a polícia, era para se fazer bombas.
Então, a saladinha das nossas refeições virou um “perigo” para a sociedade...
O direito de ir e vir, a liberdade de imprensa, de expressão e pensamento violentados! (Portal UOL)
O que está em jogo é o
questionamento de problemas crônicos que enfrentamos na utilização do serviço
público, cuja qualidade não melhora na mesma intensidade dos aumentos e o caso
do transporte coletivo é bem evidente: caríssimo, de baixa qualidade e
insuficiente para a tender a população de São Paulo, sendo que, não há a
discussão de um projeto consistente de melhora de curto, médio e longo prazo e
o cidadão cansou de esperar e resolveu protestar: não há como tirar e
legitimidade disso, inclusive ontem (15/06), às vésperas do jogo Brasil X
Japão, um grupo de manifestantes se aproximou do recém-reformado Estádio Mané
Garrincha, protestando contra os gastos e má gerência dos mesmos, enquanto
outros setores da administração ficavam para o segundo plano.
Protestos em Brasília 15/06 (Portal Terra)
Protestos em Brasília 15/06 (Portal Globo)
O resultado foi a repressão dos
manifestantes, com as mesmas bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e spray
de pimenta. No entanto, alguns manifestantes chegaram a agredir verbalmente
pessoas que se direcionavam ao estádio com gritos de “vendidos” e chegaram a
arremessar latinhas nas pessoas, sendo uma atitude totalmente reprovável que ,
mais contribuiu para uma visão negativa do protesto, do que gerar maior adesão
da população.
A coragem de lutar por algo muito melhor!
2013: flores para soldados armados em Brasília no dia do jogo Brasil X Japão
2013: flores para soldados armados em Brasília no dia do jogo Brasil X Japão
O cenário é bastante tenso e pode se
complicar ainda mais, dependendo de como o poder público e a sociedade se posicionarem,
mas acima de tudo, é bastante agradável que haja uma indignação pulsante que
está indo para as ruas lutar por algo de extremo valor: serviço público de
qualidade, cidadania reconhecida pelo exercício dos direitos de liberdade de
expressão e pensamento e com certeza, a recuperação da ideia que a República Federativa do Brasil é feita por todos nós e que nós delegamos aos nossos
representantes a autoridade para governar em nosso nome, mas sempre, por nós e
para nós, não infelizmente como muitos tem feito, que vão buscar a vida pública para “se
servir do público” ao invés de, honrosamente, “servir ao público”.
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